Sobre os linchamentos, uma vez mais, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Aqui mesmo no GGN já escrevi algumas coisas sobre os efeitos dos linchamentos nas pessoas que os presenciam ou participam deles: Sobre os linchamentos que a imprensa estimula.

Volto ao assunto por causa da matéria publicada na Carta Escola

É didática e profunda a resenha que Thais Paiva fez sobre o livro Linchamentos: A justiça popular no Brasil, de José de Souza Martins. Editora Contexto, 2015. Ao ler o texto lembrei de algo que havia esquecido há mais de 30 anos. Tenho 50 anos. Aos 20 anos quase fui linchado até a morte.

Estava eu num ponto de ônibus próximo a Prefeitura de Osasco esperando o “negreiro”, o último ônibus para bairro onde morava. Alguns rapazes (3 ou 4) passaram correndo por mim. Uns 15 ou 20 outros passaram logo depois correndo para pegar os fugitivos.  

Um opalão entrou na Rua Narciso Sturlini saindo da Av. Autonomistas, ultrapassou perseguidores e perseguidos e parou. Os rapazes que estavam fugindo entraram rapidamente no carro e o mesmo saiu cantando os pneus impedindo a briga.

Quando os perseguidores voltavam em direção a Av. Autonomistas e passaram pelo ponto onde eu estava um deles gritou:

-Esta cara estava com eles e ficou muquiado no ponto!

Protestei, não adiantou. Cinco ou seis caras já vieram me dando socos e pontapés. Procurei me defender, mas não tinha como fugir. Fiquei cercado contra a porta de aço de um bar. Fui atingido várias vezes na cabeça, no rosto, no tronco, na barriga e nas pernas. Então um dos líderes da turba entrou no meio da confusão e foi arrancando um a um seus amigos de perto de mim.

Deixa o cara. Ele não estava na treta eu o vi quando passei pelo ponto.

Desconfiados os agressores foram se afastando, alguns ainda tentaram argumentar e foram contidos pelo rapaz. Recuperei a calma e então o “negreiro” chegou. Peguei o ônibus todo dolorido escutando pedidos de desculpas genéricos, do tipo “Desculpa aê”, “Foi mal!”, “Confusão, entende?”.

As pessoas que defendem ou participam de linchamentos certamente não passaram pelo que eu passei. Se tivessem passado pensariam duas vezes antes de submeter alguém a este tipo de tratamento. Sai inteiro daquela experiência traumática e, no entanto, modificado. Se aquele sujeito desconhecido que me defendeu não tivesse feito nada eu provavelmente teria morrido por estar no lugar errado na hora errada. Sobrevivi por acaso. Quantos não tiveram a mesma sorte que eu nos últimos 30 anos?

Fábio de Oliveira Ribeiro

15 Comentários

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  1. ajudei a salvar um militante em BSB em 2010

    Apesar de não ser o mesmo caso. Se eu e mais 3 não corréssemos para cima de um grupo de militantes de Roriz que chutavam um outro militante de Agnelo na eleição de 2010, ele teria morrido certamente. Mesmo com nosso socorro, ficou desmaiado e foi interno por dias. Nada justifica a violência e nós nnao podemos nos acovardar diante dela.

    1. Em muitos lugares…

      É, Francy… A covardia não tem limites, nem ali no ponto de ônibus, nem quando o agressor se sente protegido atrás de uma câmera e não vê o agredido. Nessa situação, quem lincha são “apresentadores” de programas de tevê, que atualmente se portam como os famosos “machões de teclado” do Facebook e Twitter.

    2. Exato, meu caro. “Que as

      Exato, meu caro. “Que as forças maiores me livrem de linchar o devido processo legal”. E já que você falou em processo me ocorre dizer algo mais.

      As empresas de comunicação que permitem aos seus jornóiaslistas instigar a violência popular (“legítima defesa coletiva”, como gosta de dizer aquela mocinha do SBT) deveriam começar a ser processadas civilmente pelos danos causados às vítimas dos linchamentos. É preciso submeter a irresponsabilidade jornalística ao rigor da Lei. Se forem condenados a pagar os danos que ajudam a produzir, os barões da mídia pensarão duas vezes ao deixar os jornóiaslistas expandirem a barbárie nos jornais, revistas e redes de TV. 

  2. Parabéns, Dr. Fabio, pelas

    Parabéns, Dr. Fabio, pelas sábias palavras. Hoje, o Brasil assiste a mais um linchamento, desta vez contra o sindicalista João Vaccari Neto, homem que dedicou a sua vida às causas dos trabalhadores e foi vítima de um juiz psicopata estimulado pela mídia.

  3. Comigo também aconteceu

    Eu estava em uma rua pouco iluminada, por volta das 19:00h, esperando uma carona acompanhado de minha namorada, na época estava com 20 anos.

    Do outro lado da rua apareceu uma senhora idosa acompanhada de algumas crianças de uns 8 anos, falando alto e andando apressadamente.  Foram em direção a uma casa, onde entraram.  Dali a alguns minutos saiu da casa um senhor de uns 50 anos, veio andando em nossa direção, com as mãos para traz.  Quando chegou na minha frente, parou aproximadamente a 1 metro de distancia, nada falou, apenas ergueu a mão direita e desferiu o que achei que seria uma paulada em minha direção. Por instinto me defendi da paulada com o braço direito.  O objeto bateu em meu braço e quando chegou na parte baixa, pude notar que se tratava de um facão com uns 50 cm, e não um pedaço de pau.  Por sorte o facão pegou meu braço quase paralelamente, não a 90 graus, por isso apenas sofri uns arranhões e não corte profundo. 

    Ato contínuo veio aquela senhora correndo e gritando, “não é esse, não é esse”.  Se desculparam e pediram que fossemos até sua casa tomar um copo de água para nos acalmarmos.  Claro que não aceitamos nem as desculpas nem a visita a sua casa.  Em breve a carona chegou e fomos para nosso destino.  Assim acontecem as tragédias.

  4. Até quando Sheherazade seguirá impune?

    Rachel Sheherazade novamente fomenta o ódio.

    Ela postou, a 3 horas atrás no facebook, um vídeo no qual um homem, vestido de botas e bombacha e munido de facas, desafia hoje pela manhã manifestantes (motoristas de ônibus da Carris) contra a PL4330 em Porto Alegre.

    Título do post: “Homem enfrenta Manifestantes Do PT”.

    Detalhes perniciosos:

    – Rasamente resume os manifestantes como sendo “Do PT”.

    – Milhares de discursos de apologia ao ódio (“deveria ter furado uns 3 ou 4”) a título de “comentários”.

    – Marca os perfis de Lula e Dilma na postagem, de modo a direcionar sua turba para que faça ofensas nos perfis de ambos.

     

    Já passou da hora de alguma atitude por parte dos orgão competentes ser tomada. Não bastaram os casos do garoto preso nu a um poste no RJ e um linchamento no Guarujá?

    Até quando esta mulher seguirá impune?

    1. Álvaro, logo após essa

      Álvaro, logo após essa desgraçada ter explicitamente estimulado a justiça com as próprias mãos no caso do garoto preso ao poste, aconteceu a tragédia no Guarujá, onde uma senhora que tinha distúrbios mentais foi simplesmente confundida com uma pedófila e a população sentiu-se no direito de a linchar.

      Lembrando que o garoto é uma vítima do nosso país, está na marginalidade porque foi excluído e levado até lá; os que o acorrentaram são de classe média, depois descobertos envolvidos em tráfico, espancamentos e badernas em zonas nobres do RJ. O primeiro tido como bandido, os outros como jovens, adolescentes, universitários.
      Esse país está de dar nojo.

    2. Tem que denunciar no Humaniza
      Tem que denunciar no Humaniza Redes.
      Seria bom ver essa criatura e sua turba do ódio denunciados lá.
      Procure o post dela e denuncie no Humaniza redes site que serve exatamente para coibir e punir esse tipo de comportamento nas redes sociais e internet.

  5. já aconteceu comigo também

    já aconteceu comigo também nos idos das lidas estudantis, próximo da usp:

    – estar na hora (altas horas) errada no ponto errado…

    num átimo reflexo do instinto de sobrevivência me fingi de bebum! apesar de que, eu estava mesmo bem bebum… eu estava indo para minha república lar doce lar atrás da usp, depois de uma daquelas festas no campus aonde bebi tudo e catei nada!

    foi deprimente…mas, por outro lado, desprezaram-me, como escória da sociedade que nem valia a pena linchar e chutar e ultrajar o cadáver: era tão somente um jovem bebum, modelito universitário, largado amassado vomitado num ponto da vida besta nas altas horas sombrias deserto dos tártaros…

    creio que, bebuns costumam ter salvo-conduto humanitário de linchamento e violência social… não merecem nem isso.

    e isso me salvou!

    – vida longa aos bebuns!

    1. Se houver suspeita, ou culpa, pode?

      O cara do exemplo no texto parece considerar que o erro do linchamento está na falta de certeza de culpa ou dolo do linchado, ou eu entendi errado?

  6. A propósito, Sílvio Santos

    A propósito, Sílvio Santos distribuiu troféus no domingo de noite para os melhores da televisão. No momento em que entrei no SBT estava sendo votado o melhor (acho eu) apresentador, ou jornalista. Tinha que se escolher um entre os três, que eram: Sheherazade, William Bonner e Marcelo Rezende. Não vi o resto pra não vomitar, mas parece que Bonner levou a fatura, debaixo de muitos elogios. Que pobreza! 

    Quanto ao relato de Fábio Ribeiro, embora a gente veja com frequência esse tipo de selvageria em nosso país, não dá pra não se sensibilizar com o que ele viveu, mas dá pelo menos pra saber que ele, graças a Deus, conseguiu se recuperar, mesmo sabendo que as lembranças ficam. Como sempre existem casos piores, lembrei-me daquela mulher que, tal como Fábio, foi confundida por outra pessoa. Morreu com a população espacando-a até seu último suspiro, mesmo quando outros diziam que não era ela o alvo. Registros de brutalidades do nosso povo são corriqueiros. 

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