A diferença entre a evolução do varejo e da indústria

Do Valor

Estado das expectativas de longo prazo

Por Yoshiaki Nakano

A enorme disparidade entre a evolução das vendas dos varejistas, que em grande medida reflete o comportamento dinâmico da demanda agregada e da produção industrial, sobretudo da produção manufatureira, que sinaliza a evolução da oferta agregada, sintetiza o problema que a economia brasileira vem enfrentando no período recente, particularmente neste momento em que a crise internacional se torna mais aguda.

As vendas no varejo aumentaram 87% entre o ano 2000 até abril, enquanto que a produção industrial (indústria geral) aumentou apenas 35% nesse mesmo periodo. A rigor, a produção de manufaturados apresentou uma queda de 6%, se considerarmos setembro 2008 como base para o índice, antes da crise, portanto.

Observe-se no gráfico que as vendas no varejo, isto é, a demanda agregada ganha uma nova dinâmica a partir de 2003, expandindo-se de forma contínua. A produção industrial também se recupera, crescendo continuamente até 2008, ativada inclusive pelo boom de exportações de manufaturados até 2005. Percebe-se claramente que a crise financeira internacional teve pequeno impacto na demanda, pois o dinamismo tem origem doméstica, enquanto do lado da oferta, sofre um colapso. A pronta e bem-sucedida reação do governo, promoveu uma rápida recuperação em 2009/10. A partir dessa data a indústria brasileira andou de lado, distanciando-se cada vez mais da expansão da demanda doméstica.

A conclusão é que os problemas centrais da economia brasileira, particularmente graves neste momento, não estão do lado da demanda, mas do lado da oferta. A demanda agregada ganhou uma nova dinâmica a partir de 2003/04, com a geração de novos empregos e evolução positiva da produtividade na indústria, acompanhado do aumento da massa salarial. Essa dinâmica tinha todas as condições para se tornar virtuosa, autossustentável por muitos anos, senão décadas.

O problema é que nossa capacidade produtiva não acompanha a evolução da demanda de forma que os efeitos dinâmicos desta última são, em grande parte, transferidos para o exterior, com o aumento das importações. Os efeitos dinâmicos do mercado domestico, ao invés de resultarem em maior taxa de investimento e maior geração de emprego doméstico, estão gerando maior produção e empregos no exterior.

Os dados de importações e exportações confirmam com absoluta nitidez esse fato. Enquanto o quantum de importações dispara, depois da crise financeira, as exportações estão estagnadas. A produção manufatureira nacional está sendo substituída pelas importações. É esse fato que chamamos de desindustrialização.

Diante disso, coloca-se a questão central: por que no Brasil a expansão da demanda não gera efeitos virtuosos aumentando a taxa de investimento e, portanto, a expansão da oferta agregada? Por que as medidas fiscais e creditícias do governo têm efeitos tão efêmeros e não há resposta do lado dos investimentos?

Keynes dizia que as decisões de produção, dada a capacidade produtiva, eram baseadas em expectativas de curto prazo, que são revistas gradual e continuamente tendo em vista os resultados alcançados. Certamente, as medidas de estímulo do consumo dadas pelo governo afetaram essas expectativas e houve resposta positiva. As decisões de investimento produtivo são guiadas pelo “estado das expectativas de longo prazo”, ainda segundo Keynes, este depende dos retornos esperados no futuro que são em parte baseados em fatos conhecidos com maior ou menor certeza e, em parte, eventos futuros que podem ser previstos com grau maior ou menor de confiança.

Assim é o estado de confiança com que os empresários fazem prognósticos sobre o futuro que é o fator relevante que determina a demanda de investimento. As recentes medidas do governo não mudaram em nada o estado de confiança dos empresários; ao contrário, as informações mais recentes mostram deterioração.

De fato, não devemos esquecer que nos últimos anos os empresários se cansaram de ver a produção nacional ser sistematicamente substituída pelas importações e os industriais se transformando em comerciantes, fechando suas fábricas que são convertidas em armazéns de produtos importados. Enquanto essa tendência continuar e estiver embutida solidamente no nosso regime de política econômica (juros elevados e câmbio apreciado), as ações de estímulos do governo são pontuais e de vida curta.

É necessário que o governo tome medidas mais profundas, que efetivamente revertam as expectativas de longo prazo e reestabeleçam a confiança dos empresários.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

Luis Nassif

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