Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Sandálias que pururucam, fronteiras que se abrem, por Rui Daher

por Rui Daher

Dia desses, decidi parar a almoço em ótimo restaurante à beira da estrada, entre Pardinho e Botucatu. Seguia para longínquos sertões. Duas mesas à frente, percebi grande e tradicional empresário nacional conversando com a jornalista, voz econômica das Organizações Globo, Miriam Leitão.

Confesso ter demorado a confirma-los em minha memória. Apesar da idade um tanto avançada, o gajo é metido a esportes e halterofilias. Sua camisa-polo estampava um distintivo inidentificável de 15 centímetros. A senhora reconheci mais facilmente. Fixei o olhar em seus lábios e entrei em frequente regressão qualitativa: Angelina Jolie, Scarlet Johansson, Alinne Moraes, Cléo Pires, Penélope Cruz.

Pós duas cevadas Colorado, de Ribeirão Preto, acompanhadas de aguardente alemã (atenção corretores comportamentais, eu não estava dirigindo), o caldo engrossou. Regressões, muitas vezes, são piores do que recessões 171 + 70. Verdadeiros pesadelos. Tanto que, depois da celestial sequência, entrei no purgatório das beiçolas do jurista Gilmar e do próximo presidente do Brasil, o príncipe Fernando. Até chegar na jornalista.

De Fernando, romântico e piedoso que sou, apreciador do lado poético de idosos que insistem em paixões, fiquei penalizado em sabe-lo nessa enrascada. Iria mesmo o boa-pinta sociólogo e político, aos 85 anos, abandonar os passeios de mãos dadas com a namorada no Shopping Pátio Higienópolis para, novamente, se enfurnar num palácio de uma cidade sem esquinas?

Ô dó!

Sei que há gosto e vaidade para tudo. De Nelson, o Jobim menor, até entendo. Sempre foi “qualquer coisa estamos aí”. Mas do glorioso pé-na-cozinha, com a vantagem de ser oráculo sem assumir responsabilidades, só tenho a lamentar.

Penso em levar seu busto em cera ao Santuário de Nossa Senhora de Aparecida, como fazemos quando quebramos a perna ou precisamos de um fígado novo. Ó Padroeira, não o deixe cair em tenebrosa tentação.

Jocosos e irônicos, meus ouvidos alcançam a conversa do casal Fiesp-Globo. Da camisa-polo já alertei. Agora, pururucava em meus olhos a feérica sandália da jornalista, sob a mesa.

– Miriam, falta produtividade ao trabalho no Brasil.

– Você fala no geral, no índice de produtividade do trabalho.

– Também, mas não só. O lado comportamental também conta. Além do que precisa-se de muitos, multidões, sempre mais do que os necessários para realizar alguma tarefa.

– Verdade. Principalmente no serviço público.

– Apesar de todos esses artigos modernosos publicados na Harvard Business Review (esta pronunciada em tom mais alto), nas minhas empresas faço a boa e velha conta do faturamento por número de empregados. Caem as vendas corto gente. Dá sempre certo, você não acha? Quanto mais valor se transfere do trabalho para o capital, melhor vai o país.

– Claro, é assim em todo o mundo, menos aqui. Tecnologia é mais eficaz, barata, não precisa ir ao hospital e nem faz greve. Poupar mão de obra é tendência mundial. A iniciativa privada precisa lucrar para pagar impostos. Quem paga o serviço da dívida pública?

– No funcionalismo só acho justo remunerar bem o Judiciário.

– Matou! É quem nos dá segurança jurídica para produzir, investir, garantir a livre expressão e o regime democrático.

– Protege os investimentos contra os movimentos sociais, sempre ansiosos, apressados, querendo antecipar a divisão do bolo. Não entendem a necessidade de poupança. Só pensam em consumir. Será que ninguém leu Milton Friedman?

– Pior, virou moda dar voz a uma menininha da New School for Social Research (NYC), que escreve na Folha.

– Bobagem, Miriam. A Folha só faz isso para parecer neutra. Mas, vem cá, é verdade que eles te torturaram? Gostaria muito que voltassem.

Ouço uma estrondosa gargalhada.

– Relaxa, portuga. O time que chegou agora é muito melhor. Em vez de vigiar as fronteiras prefere abrí-las.. 

Também penso numa volta. De Lampião e seu bando de cangaceiros.

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

19 Comentários

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  1. Caro sr Rui, culparemos a

    Caro sr Rui, culparemos a quem:? Forças imperialistas colonizadoras da opressão capitalista? O cachorro atrás do rabo. E nada mais. Tudo isto logicamente financiado por salários, pensões e “sabe com quem tá falando” nababescos. Ninguém é de ferro?! Um pequeno sacritficio do país pelos personagens que lutam por tirá-lo da escravidão ( não é a elite pública de todas as cores e ideologias que ganha bem. É o brasileiro que ganha mal) Ah! Bão!!! Desculpe a minha ignorância. Nãio tinha entendido ainda. Assim como a solução é a volta do Principe, Jereissati, Serra, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa.  A taxidermia brasileira é fantástica. Todos continuam falando.    

  2. O nível de investimento depende da demanda, não da poupança

    O nível de investimento depende da demanda efetiva (e da taxa de lucro), e não do volume de poupança. Ao contrário, o volume de poupança é que depende do nível de investimento. Assim, conquanto seja saudável um indivíduo poupar, se todos os indivíduos pouparem, haverá uma profunda recessão causada pela falta de demanda efetiva e não haverá investimento e muito menos poupança. É a famosa falácia da composição.

    Será que a Miriam Leitão nunca leu Keynes ou Kalecki?

    Se leu, não entendeu, se não não pensaria apenas em poupar, inclusive mão-de-obra, fomentando o desemprego e a redução da demanda efetiva, que é, como antedito, quem estimula e determina o grau de investimentos. Mas a Miriam Leitão só pensa em poupar porque a sua propensão marginal é poupar é muito alta, já que ela é consumista. De cada real da Miriam Leitão, ele deve gastar 20 centavos e poupar 80 centavos. Já um pobre que ganha um salário mínimo, de cada real ganho, ele gasta R$ 1,10. É que a propensão dos trabalhadores a consumir é muito alta devido ao seu baixo salário.

    1. O nível de investimento depende da expectativa de demanda efetiv

      Na verdade, o nível de investimento depende da EXPECTATIVA de demanda efetiva.

      1. Rui, mais uma vez,

        concordo que aí está a chave. Mas com a PEC 171+70, difícil encontrar esse equilíbrio, que mesmo com Meirelles no BC, Lula soube fazer em seus 2 mandatos.

  3. Paradoxo da Poupança

    Paradoxo da Poupança

    O Paradoxo da Poupança é um princípio proposto, pela primeira vez por Jonh Maynard Keynes, segundo o qual a tentativa de uma determinada sociedade para aumentar a poupança pode resultar na redução do montante que efectivamente é poupado. Por exemplo, numa situação de recessão ou de estagnação económica, se a população aumentar a sua taxa de poupança, isso irá contribuir para o agravamento da retração do consumo, da produção e do emprego e, consequentemente, da poupança.

    http://knoow.net/cienceconempr/economia/paradoxo-da-poupanca/

  4. Não acredito, caro Rui, que

    Não acredito, caro Rui, que você não tenha visto que havia uma terceira pessoa nessa mesa. Ou será que viu e por um recôndito motivo não nos quer contar ? Seria por ter optado pela alemã em vez da mato dentro ?  Se for,  bem feito !  O procurador que veio do Paraná, já que as fronteiras estão abertas, a terceira pessoa, acenava a cabeça pra cima e pra baixo ao final do que o um ou a outra dizia. E quando usou da palavra, nem precisou de um PowerPoint para mostrar 10 vezes a importância de se combater a corrupção. E pegou o gancho da Mirian sobre a pletora no serviço público para sugerir uma diminuição maciça dos servidores, menos no Judiciário, onde se trabalha muito. Os  poucos que conseguirem se colocar numa empresa fiespe, onde não há corrupção, deixarão o pecado e trilharão o caminho aberto por NSJC, aleluia, aleluia ! E mais disse, mas não vou relatar o que, porque está na hora de matar uma no boteco.

  5. A Miriam foi contra mas agora é a favor do reajuste do judiciári

    Então, a Miriam Leitão é a favor de pagar bem o judiciário?

    Em junho desse ano, quando os servidores do judiciário federal e do MPU lutavam pela reposição das perdas salariais, a Miriam se manifestou contra:

    “O reajuste é contraditório com todo o discurso de austeridade fiscal, de meta para teto nos gastos, de redução da dívida pública. É inconveniente e contraditório. O governo está criando despesas obrigatórias e, ao mesmo tempo, está falando em teto para limitar o gasto público. Uma coisa não conversa com a outra”. – Miriam Leitão

    Quando ela errou: em junho, contra era contra a reposição das perdas salariais dos servidores do judiciário ou agora que é a favor?

  6. Rui, não te perdoarei jamais,

    Rui, não te perdoarei jamais, uma oportunidade única de ceifar com um facão 2 cabeças da hidra. Oh Rui, como podes?

  7. Qual é a origem do lucro?

    Qual a origem do lucro: o trabalho do patrão?

    Não, pois “the existence of joint-stock companies demolishes these arguments, so laboriously maintained, in spite of all the evidence to the contrary. The capitalist who possesses shares in them has not the least contact with production; he may be ignorant of the place where it is carried on, as of its nature; he receives his dividends, and that is all he cares about. The joint-stock company breaks the last bonds which unite the proprietor to his property; it has depersonalised property.

    The shares of a joint-stock company can belong to Peter, Paul or Nicodemus, they can change hands every day at the Stock Exchange, and sometimes several times in one day; but the factories still go on producing as if the property had not changed hands. The joint-stock companies which create a kind of collectivist property possessed by shareholders, demonstrate the absolute uselessness of capitalist production and clearly show the parasitical nature of the capitalist class. It is not the possessors but the non-possessors who are useful in the field of the capitalist production; but the Social Revolution will sweep away these parasites.” Paul Lafargue

    O lucro derivaria da frugalidade poupadora do patrão?

    Não, pois “not being able to give the capitalist the character of a producer, they give him that of a thrifty man; his wealth is the result of his saving, they say. But, as he does not work, he must, then, save on the labour of others – in other words, he robs the workers of a part of the fruits of their labour, in order to make himself rich”. – Paul Lafargue

    Ou o lucro seria originado no venda dos produtos e serviços dos capitalistas, ou seja, a origem do lucro é a circulação da riqueza?

    Não, pois se fosse assim, o empresário interlocutor da Miriam Leitão contrataria mais empregados em vez de dispensá-los quando suas vendas caíssem, pois com a contratação de mais trabalhadores o consumo se elevaria e com ele o lucro dos patrões. Cortar trabalhadores reduz o consumo, portanto, o lucro do patrão não é oriundo da circulação da riqueza.

    O lucro do patrão deriva do trabalho (não pago do operário). Em sendo assim, ao demitir trabalhadores, o número de desempregados aumenta, aumentando, consequentemente, a concorrência entre os trabalhadores, o que faz desvalorizar seus salários e, em contrapartida, aumentar o lucro dos patrões.

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