Manuel Domingos Neto
Manuel Domingos Neto nasceu em Fortaleza em 1949. Graduou-se em História pela Universidade de Paris VI, mestre pela Universidade de Paris III e Doutor em História pela mesma universidade, em 1979. Professor da Universidade Federal do Ceará e professor associado da Universidade Federal Fluminense
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Quo Vadis, Lula?, por Manuel Domingos Neto

O que pretende Lula quando permite uma demonstração de alinhamento do Exército brasileiro aos EUA e a seus fiéis escudeiros na Ucrânia?

Quo Vadis, Lula?

por Manuel Domingos Neto

Lula empenha-se pela paz em um mundo crispado. Exorta beligerantes e atores decisivos às negociações para finalizar a guerra. Projeta seu nome e resgata a diplomacia brasileira.

O que pretende Lula quando permite uma demonstração de alinhamento do Exército brasileiro aos Estados Unidos e a seus fiéis escudeiros no teatro ucraniano?

Trata-se do evento intitulado “I Seminário Internacional de Doutrina Militar Terrestre do Exército Brasileiro”, marcado para o final deste mês, em Brasília.

O Exército receberá representantes de “nações amigas” para atualizar princípios doutrinários a partir das novidades apresentadas na guerra em curso. Longe de ser convescote diplomático-militar, estarão reunidos homens preocupados com o preparo e emprego de tropas.

Nas palavras do general Theophilo Gaspar de Oliveira, que responde pelo Comando de Operações Terrestres do Exército Brasileiro, serão discutidos “conceitos e linhas de esforços para a superação das ameaças que vêm se apresentando no ambiente operacional, tanto dentro quanto fora do campo de batalha”.

Entenda-se por ameaças “fora do campo de batalha” o amplíssimo leque de iniciativas visando derrotar os russos.

Dentre os militares das “nações amigas” que se encontrarão em Brasília, destacam-se potências ocidentais lideradas por Washington: Alemanha, Reino Unido, França, Espanha, Finlândia, Itália, Holanda, Portugal, Suécia e Suíça.

Do Oriente, da Eurásia e da África estão convidados militares do Japão, Coreia do Sul, Indonésia, Arábia Saudita, Turquia, Paquistão, Jordânia, Emirados Árabes Unidos, África do Sul, Israel, Egito, Angola, Moçambique, Nigéria e Tunísia.

Dos vizinhos sul-americanos foram convidados a Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru. O evento, com a duração de três dias, nega o discurso de integração do subcontinente.

O Exército não tergiversa sobre as pretensões do encontro. Segundo o general Theóphilo, os trabalhos devem resultar no “fortalecimento dos laços entre os centros de doutrina dos países amigos” a fim de melhorar o compartilhamento de conhecimentos e o “mútuo desenvolvimento da doutrina militar terrestre no âmbito internacional”.

O primeiro ponto da pauta explicita o comprometimento político dos convidados: trata-se do conceito desenvolvido pelo exército estadunidense de “Operações Multidominio” (em inglês, Multi-Domain Operations), iniciativas desenvolvidas transversalmente em terra, no mar, no ar, no espaço e campo cibernético. Tal conceito vem sendo disseminado desde que os Estados Unidos definiram a China e a Rússia como ameaças ao seu poderio.

Os demais pontos da pauta relacionam-se ao primeiro: a busca de padronização de conceitos sobre a Guerra Híbrida visando combater atores estatais e não estatais por meio de capacidades convencionais e irregulares; os problemas para o emprego de forças blindadas e mecanizadas e a montagem de sistemas ofensivos remotamente pilotados.

Em Brasília, a máquina de guerra do “Ocidente” ajusta seus ponteiros.

O que Lula pretende ao permitir tal iniciativa? Onde quer chegar? Não percebe que um evento como esse aprofunda os laços do militar brasileiro com Washington e descredita seu discurso pacifista?

Manuel Domingos Neto nasceu em Fortaleza em 1949. Graduou-se em História pela Universidade de Paris VI, em 1976. Obteve o título de Mestre em Sociedade e Economia na América Latina, pela Universidade de Paris III, em 1976, e o título de Doutor em História pela mesma universidade, em 1979. Foi pesquisador da Casa de Rui Barbosa, superintendente da Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí, estado pelo qual também foi deputado federal. Professor da Universidade Federal do Ceará e professor associado da Universidade Federal Fluminense, foi também vice-presidente do CNPq e presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. A publicação do artigo dependerá de aprovação da redação GGN.

Manuel Domingos Neto

Manuel Domingos Neto nasceu em Fortaleza em 1949. Graduou-se em História pela Universidade de Paris VI, mestre pela Universidade de Paris III e Doutor em História pela mesma universidade, em 1979. Professor da Universidade Federal do Ceará e professor associado da Universidade Federal Fluminense

2 Comentários

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  1. (O que Lula pretende ao permitir tal iniciativa? Onde quer chegar?)
    “E quantas divisões tem o Papa?”
    Lula tem um Exército nacional? E o pouco do “Exército nacional” (a parte que não bate continência à bandeira de listras azuis e vermelhas)… tem bacamartes próprios suficientes? Vai correr o risco de tornar o Brasil uma nova Cartago?
    Lula não foi manipulado a estar na atual situação por um acaso. O projeto é enterrar o mito, perdido entre problemas não problemas. É a única saída a esses mundo de altíssima periculosidade explosiva. Mas a turma do botão não quer bombeiros; e sim operador de lança-chamas.

  2. Excelente iniciativa do professor, divulgar encontros em que a formação doutrinária dos militares brasileiros acontece. Por que não há um estudo acadêmico quantitativo sobre o número de “missões” nos EUA de militares/oficiais brasileiros em relação ao número de missões em outras potências? Espero que os civis se atentem para um ponto básico: os militares não irão mudar enquanto instituições civis do Estado (academia/ congresso/ justiça) não se interessarem por assuntos de defesa nacional.
    Por que não seguimos o modelo dos EUA, país tão invejado e idolatrado por nossos militares, em que os militares prestam contas, detalhadamente e regularmente, ao congresso sobre suas atividades e regulamentos? Pouca coisa é necessária para uma mudança gradual da mentalidade militar em nosso país

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