Uma luz na discussão sobre homofobia e política

Entre a cruz e o arco-íris

Gunter Zibell – SP

Vamos dar uma arrumada na discussão toda sobre homofobia e política?

Até 2009 as coisas seguiam um caminho normal no Brasil, como em quase toda Europa e nas Américas. Legislativo e Judiciário não foram pensados, afinal, para atrasar países.

Neste momento, versões de união civil homoafetiva ou casamento gay estão presentes em 16 dos 20 mais populosos países de maioria cristã. Há abundância de estudos que atestam que não é relevante a orientação sexual dos pais/das mães para a criação de crianças. A criminalização da homofobia está se generalizando pela América Latina, mais até que o casamento gay, e o Brasil está ficando como exceção nesse quadro.

Não há argumentos razoáveis, nem sequer religiosos, para evitar a igualdade de direitos civis para LGBTs. Com tudo isso, ficou verdadeiramente irrelevante continuar se discutindo ou argumentando em torno dessas questões. O convencimento dos que faltam virá por gravidade.

Quem resiste à essa realidade revela-se anacrônico, fica parecendo tão antiquado como quem já foi contra o divórcio. Trata-se de um público minoritário e decrescente hoje em dia, sem dúvida, principalmente à medida que avança a instrução média. Mas é um público que ainda vota.

Mas será que essas pessoas seriam capazes de votar para evitar algo como a cidadania LGBT, que não lhes prejudica em nada, acreditando em discurso messiânico e alienando-se de questões realmente de interesse geral, como educação, saúde e segurança?

A experiência do uso manipulativo da questão do aborto nas eleições de 2010 diria que sim. Para fins políticos, tratou-se de circunscrever o secularismo, e os políticos e militantes (de várias coisas) que o defendem, como se fossem os “comunistas do século XXI”. A dramaticidade da perseguição do pensamento, felizmente, não é a mesma, mas a capacidade de influenciar eleitores incautos, sim.

Em nome disso Serra jogou fora seu histórico de simpatizante de LGBTs e o PT optou por uma política de concessões ao não secularismo em troca de silêncio obsequioso de partidos religiosos. O que sobrou de confiança, entre LGBTs, na firmeza de propósitos do PT é algo ainda para ser medido. Entre aqueles defensores de direitos reprodutivos, o mesmo sentimento.

O que aconteceu foi um jogo de “dilema do prisioneiro”: se os principais partidos cedem, ficam na mesma posição relativa de antes, sem nenhuma vantagem na eleição para cargos executivos e, pior, perdendo votação para legislativo tanto para partidos religiosos como para os explicitamente secularistas.

O eleitor fundamentalista logo percebe que não tem benefício nenhum com isso tudo. Afinal, no que a vida de fulano ou sicrana melhora se os vizinhos gays não casarem? Em nada, eles continuarão gays e continuarão vizinhos. Continuarão nas novelas também. Alguns podem até pensar : “e se eu tiver um filho ou neto LGBT?”

E os eleitores secularistas, na outra ponta, ficam é assustados. E surge até um deplorável preconceito no sinal contrário, acusando de intolerantes os evangélicos em geral, não somente aqueles que proferem discursos indefensáveis.

Tudo isso vem acontecendo aos poucos, ao longo de três anos e alguns meses, sendo que as primeiras investidas de Malafaia contra direitos civis de LGBTs remetem ao 2º sem./2009. Líderes religiosos como ele e Feliciano, ou não religiosos como Bolsonaro, apostaram no discurso homofóbico explícito, travestido de “defesa de família”, como forma de se valorizarem junto aos políticos laicos verdadeiramente competitivos.

Em um mundo de “realpolitik” vale tudo: até a blogosfera dita progressista omitir, por dois anos, que o kit anti-homofobia sustado pelo MEC em 2011 era em muito similar ao do governo estadual de SP. Em função disso, a mídia de oposição começou a ver o potencial de desgastar o governo em alguma coisa que não fosse o cansado discurso udenista. Uma exceção foi  um dos mais criticados artigos já escritos na revista Veja em relação a gays, de J R Guzzo, comparando pessoas a cabras e espinafres. Curiosamente, fora do meio LGBT, parece que ninguém notou a contradição que foi esse artigo coincidir mais com a posição governista da época que com a prática do tucano estado de SP.

O episódio da escolha do PSC para a presidência da CDHM na Câmara dos Deputados, contudo,  foi o auge, ao que tudo indica, dessa intromissão canhestra da religião na política. Em um primeiro momento o consórcio governista de partidos achou que as coisas ficariam sob controle, pois muitas concessões já tinham sido feitas. As negociações de coligações para 2014 também já precisavam ser iniciadas.

Do lado da oposição (que costuma se manifestar por veículos da grande mídia), ainda subsistia a crença na influência dos pastores políticos: alguns colunistas chegaram a defender Feliciano. Se não seu discurso, pelo menos seu direito a presidir a CDHM.

Eis que aparece a opinião pública mostrando que várias premissas equivocadas foram adotadas pelos políticos.

Ainda que tanto a criminalização da homofobia como a descriminalização do aborto sejam causas igualmente seculares, a primeira conta com mais de 70% de apoio da população e a segunda com pouco mais de 20%. Ou seja, não dá pra usar homofobia em eleições como se fez com o aborto.

Tampouco dá resultado fazer chantagens apelando para a dimensão do eleitorado evangélico, em torno de 25% da população, se esse mesmo eleitorado escolheu, ao fim e ao cabo, apenas 13% dos deputados federais. Percebeu-se que algo foi muito superestimado.

Também não existe homogeneidade nenhuma no comportamento de diversos líderes religiosos, quer sejam padres católicos ou bispos evangélicos. Ainda que quase nenhum faça firme defesa de direitos de homossexuais, por outro lado a maioria não quer ser vista com repúdio pela opinião pública. Não adianta tentar desconstruir princípios do Estado Laico se quase nenhum jornalista, artista, cientista social ou intelectual que seja defender essa posição.

A homofobia de inspiração religiosa tornou-se impopular. Assim como o racismo e o machismo exacerbado. O resultado, para a felicidade da racionalidade no discurso político, foi que o episódio Feliciano revelou-se um enorme ônus na imagem do governo. Simplesmente pouca gente acredita que não foi resultado de um acordo político.

Agora as coisas começam a voltar ao curso natural da história. A grande mídia solta várias matérias simpatizantes a LGBTs, de matéria favorável à adoção por gays no blog da Veja, passando por entrevista com Wyllys na Globo News, culminando com os atuais elogios a Daniela Mercury.

O governo responde: a SDH passou a tentar acelerar a melhoria da imagem do governo propondo um novo projeto de criminalização da homofobia e Dilma fez recentemente o seu primeiro discurso em que é possível perceber um posicionamento “simpatizante”  (nada explícito, como lhe é peculiar.)

Se pelo menos nesse assunto mídia, governo e oposição se aproximarem, teremos o desarme do dilema do prisioneiro: a imagem de todos melhora e os partidos evangélicos não podem mais chantagear como pretendiam.

E agora, Feliciano?

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