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Expansão do BRICS e as possíveis vantagens para a China, por Júlia Leal

A China, enquanto uma superpotência emergente e a segunda maior economia mundial, possui um papel crucial nas decisões do grupo.

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Expansão do BRICS e as possíveis vantagens para a China

por Júlia Leal

Nos últimos dias, a ampliação do BRICS se tornou mais um componente no debate sobre a tentativa da China de expandir sua influência. Formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o grupo aprovou a inclusão de seis membros: Arábia Saudita, Emirados Árabes, Argentina, Egito, Irã e Etiópia. A maior presença do Oriente Médio, da África e da América Latina favorece o multilateralismo, no entanto, enfraquecer a liderança do G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) é uma tarefa mais complexa. Para tanto, o BRICS precisaria colocar em prática objetivos concretos para o fortalecimento do grupo no âmbito internacional.

Dentre os pontos destacados no relatório final da 15ª cúpula do BRICS, divulgado em 24/08/2023, está o incentivo ao uso de moedas locais entre os membros do grupo e parceiros comerciais no comércio internacional e em transações financeiras. O documento sugere que propostas sejam apresentadas pelos ministros da Fazenda na cúpula do ano que vem. Outro ponto importante é o apoio à inclusão de países em desenvolvimento no Conselho de Segurança da ONU, com o objetivo de torná-lo mais representativo ao englobar os desafios enfrentados por estas nações.

Apesar de interesses em comum, os membros do BRICS possuem suas próprias disparidades e estratégias geopolíticas. A China, enquanto uma superpotência emergente e a segunda maior economia mundial, possui um papel crucial nas decisões do grupo. Por exemplo, Irã e Arábia Saudita são grandes produtores de petróleo e a intermediação da China foi fundamental para a retomada das relações diplomáticas entre os dois países. Recentemente, Brasil e China assinaram acordos bilaterais com o objetivo de fortalecer as relações entre as duas economias, com destaque para a permissão de transações comerciais utilizando diretamente o real e o renminbi (nome oficial da moeda da China, enquanto o iuane é a unidade de conta). A meta é não utilizar o dólar nessas operações, reduzindo os custos e a dependência da moeda norte-americana. Para a China, será mais uma importante etapa na internacionalização de sua moeda, intensificando a presença do renminbi como uma alternativa ao dólar, ainda que de forma sutil.

A China iniciou a internacionalização do renminbi de forma moderada em meados dos anos 2000. Com a eclosão da crise financeira de 2008, esse processo foi intensificado com o objetivo de criar uma moeda reserva alternativa ao dólar, devido às turbulências verificadas na economia norte-americana e no âmbito internacional. Além disso, a China buscou transformar Xangai em um centro financeiro global, conectando as Bolsas de Valores de Xangai e de Hong Kong, que é utilizado como centro financeiro para liquidação de transações cambiais.

A eclosão do conflito entre Rússia e Ucrânia e as consequentes sanções impostas pelos Estados Unidos também possuem consideráveis impactos no avanço do domínio chinês. A China possui estreitas relações com a Rússia, com destaque para a Organização para Cooperação de Xangai (OCX) e o Belt and Road Initiative (BRI). A OCX foi criada em 2001 com o objetivo de fortalecer a integração regional entre os países membros, enquanto o BRI, iniciado em 2013 pelo presidente chinês Xi Jinping, é um programa que busca aprofundar a integração econômica entre os países ao longo da Rota da Seda. Apesar do BRI ser uma iniciativa global, o foco principal são os países da Ásia, África Oriental, Europa Oriental e Oriente Médio. Ademais, a Arábia Saudita é um dos principais fornecedores de petróleo para a China e o avanço do chamado ‘petroyuan’ pode se tornar um desafio para os Estados Unidos. Assim, o fortalecimento de alianças estratégicas entre a China e o Golfo Pérsico se apresenta como um promotor do domínio chinês e da relevância de sua moeda.

Portanto, a expansão do BRICS beneficiará o objetivo chinês de fornecer ao grupo um caráter político, além de incentivar uma nova configuração do sistema monetário internacional. A atual presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (conhecido como o banco do BRICS), Dilma Rousseff, anunciou a proposta de possíveis financiamentos em moeda local pelos membros do grupo, reduzindo a exposição às oscilações cambiais e às taxas de juros internacionais. No entanto, existe um impasse, pois a Índia admite que o uso de moedas locais dentro do grupo beneficiará o renminbi. Possivelmente, a China poderá utilizar sua influência para promover esta medida e impulsionar a utilização da sua moeda. Vale mencionar que a sede do banco é em Xangai.

Com efeito, a expansão do BRICS contribuirá para o avanço do domínio chinês e de sua moeda. Dentre as muitas peculiaridades da China, pode-se destacar a forma como vem promovendo a internacionalização do renminbi, uma vez que ainda mantém controles sobre a conta capital e o mercado de câmbio, além de um sistema financeiro pouco diversificado. Não obstante, aspectos como o tamanho da economia chinesa, acordos bilaterais e o avanço de sua influência estão contribuindo para a expansão do uso internacional de sua moeda. Para fins de ilustração, analisando os dados sobre as transações de câmbio apresentados no relatório trienal do BIS (2022), observa-se que o renminbi foi a moeda com maior aumento de participação, passando de 4,3% para 7,0%, subindo do 8º para o 5º lugar no ranking.

Já a economia norte-americana reúne os fatores básicos para que a sua moeda seja a mais utilizada internacionalmente, com destaque para o tamanho de sua economia, poder geopolítico, vontade política, hegemonia financeira e a forma de integração com a economia mundial. Além disso, a total conversibilidade confere ao dólar a posição no topo da hierarquia monetária. Assim, ainda que o mundo caminhe para uma configuração multipolar e o renminbi esteja subindo na hierarquia e se aproximando das moedas centrais, é pouco provável que o dólar deixe de ser a moeda-chave e aquela mais utilizada e confiável.

Júlia Leal – Doutoranda em Economia pela UFRJ e pesquisadora associada ao Finde/UFF

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

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