Lula e a explosão dos BRICS, por Luís Nassif

O BRICS é consequência direta da falência do multilateralismo criado com o acordo de Bretton Woods.

Ricardo Stuckert

Um dos pontos mais burlescos, na discussão sobre os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é a colocação de grupos de ditaduras contra as democracias do G7. Ou a suposição de que, por dispor da maior reserva de petróleo e de alimentos, os países do BRICS montariam uma frente contra os Estados Unidos.

Há um desconhecimento amplo sobre o funcionamento de organismos multilaterais. Cada país tem sua política interna, sua política externa, seus interesses regionais. Só faltava, agora, uma organização multilateral, como os BRICS, articulando as políticas nacionais.

Ou então, como o articulista do Estadão supondo que o Brasil estaria apoiando o BRICS apenas para obter apoio para fazer parte do Conselho de Segurança da ONU. Como se a lógica do BRICS fosse servir de escada para a ONU.

O BRICS é consequência direta da falência do multilateralismo criado com o acordo de Bretton Woods. Pelo acordo, haveria um controle do fluxo de capitais, impedindo ataques especulativos a moedas. Países em dificuldades com as contas externas receberiam ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional (|FMI), mediante várias condicionantes, e, depois, financiamentos do Banco Mundial, para investimentos estruturantes.

Com o fim da paridade dólar-ouro, nos anos 70, e com a financeirização selvagem que se seguiu, o FMI tornou-se um mero porto seguro para especuladores. É só conferir o que aconteceu com o Brasil em fins de 1998. O câmbio apreciado produziu um desequilíbrio nas contas externas. O FMI ajudou com um empréstimo de emergência. Em vez de reservá-lo para importações essenciais, o então Ministro da Fazenda Pedro Malan utilizou para garantir uma saída segura para os especuladores.

Na crise de 2008, o papel do FMI e dos bancos centrais ficou mais nítido, quase destruindo países para preservar interesses da banca.

Na crise de 2002, o Banco Latinoamericano de Comércio Exterior (Bladex) foi mais útil para garantir dólares para o Brasil do que todo o sistema FMI.

Mais que isso, em todo período de auto-estima nacional, a autonomia na diplomacia externa foi ponto de honra. Foi assim com Juscelino Kubitschek, quando Augusto Frederico Schmidt planejou a Operação Panamericana. Ou mesmo na ditadura militar, com o chanceler Azeredo da Silveira articulando com países do sul. E, especialmente, após o advento da era Lula-Celso Amorim, na qual o Brasil assume um protagonismo mundial inédito.

Lembro-me das conversas com André Araújo – que tinha relações estreitas com o Departamento de Estado norte-americano. Ele mostrava a decepção com a busca de protagonismo pelo Brasil. De fato, o soft power brasileiro se espalhava pela África, pela América Latina, eram implantados escritórios da Embrapa em países africanos. E os americanos decepcionados. Tinham reservado para o Brasil o papel de representante maior da diplomacia estadunidense para o sul global, e o Brasil queria atuar por conta própria.

Nos seus dois governos, Lula conseguiu consolidar uma dimensão internacional. Teria tido papel central na tentativa de um acordo nuclear entre EUA e Irã, não fosse o recuo vergonhoso de Obama. Mas conseguiu o feito de desfilar em carro aberto em Israel e na Palestina, mostrando seu papel de agente da paz mundial.

O BRICS visará reconstituir o papel perdido do Banco Mundial. Visará trazer alternativas ao dólar, obter financiamentos aos países membros, criar formas de facilitar o comércio entre eles. E obrigará o sistema FMI-Banco Mundial a reagir, voltando a recuperar parte da relevância que tiveram em outros tempos.

6 Comentários

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  1. Não só isso, Nassif. A proeminência econômica, política e diplomática dos EUA decorreu de um acidente histórico, de uma artimanha e; da ambígua situação da União Europeia. Ao contrário da Europa, os EUA não foi destruído na II Guerra Mundial; a Guerra Fria congelou a hegemonia norte-americana; concorrente econômica dos EUA, a UE é militarmente submissa à agenda militar norte-americana imposta pela OTAN. A França tentou reconstruir seu protagonismo e falhou. Num mundo em que o protagonismo dos EUA somente podia ser combatido através do verdadeiro multilateralismo, o isolamento francês foi percebido como anacrônico. Após se tornar protagonista na arena econômica, o Japão manteve sua relação submissa em relação aos EUA. Todos os demais países aceitaram de uma maneira ou de outra a hegemonia do White Ass Apes Empire norte-americano. O BRICS foi o único bloco que construiu uma opção econômica viável de longo prazo aproveitando outro acidente histórico: o orgulho dos governantes dos EUA os tornou cegos para o inevitável declínio do poder de sedução de uma ideologia que produz exclusão social dentro dos países e assimetrias diplomáticas indesejáveis em escala global. Ao se agarrar ao neoliberalismo os norte-americanos destruíram sua própria capacidade de liderar o que quer que seja. E agora eles estão atordoados, oscilando entre o sonho estúpido da Casa Branca de conquistar o espaço e o pesadelo dos bilionários gringos que se dedicam à construção de bunkers de luxo com medo pavor de uma guerra nuclear encarada como opção válida para impedir o descongelamento da histórica que tornará os EUA um país como outro qualquer.

  2. Lula fez papel de bobo dos chineses nessa história. O Brics se tornou um instrumento de Xi Jinping no único assunto realmente sério que importa aos chineses: o confronto aberto com os Estados Unidos. Tanto é que a China esperava enfiar mais uns 20 países no bloco, apenas e somente apenas porque isso interessa a eles, aos seus negócios e ao seu conflito estratégico com os americanos, nada mais. O Banco do Brics fica em Xangai porque o dinheiro é chinês, já que o Brasil não tem dinheiro nem pra si mesmo. Só esse detalhe já resume a história do bloco. Lula não conseguiu sequer colocar no comunicado final da reunião uma menção à uma vaga permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, velho sonho do PT. Os chineses não aceitaram. Houve apenas uma simpática menção ao assunto na conferência, nada mais. A razão é simples: seja quem for o líder do país, a China JAMAIS aceitará o Japão com assento permanente, dada a secular história de invasões japonesas ao território chinês – dez milhões de chineses morreram na útlima invasão japonesa, em 1937. Da mesma forma, eles nunca dirão, mas tambpém nunca aceitarão a Índia no Conselho de Segurança, porque as duas potências são rivais na luta pelo domínio geopolítico da Ásia, de resto a mesma Índia dos Brics também participa do QUAD, o bloco antichinês do Pacífico, liderado pelos Estados Unidos. Outra rivalidade que não será superada: os russos nunca vão permitir uma vaga para a Alemanha no único órgão da ONU que realmente tem algum poder, o Conselho de Segurança, porque não se esquecem dos 26 milhões de mortos que os alemães provocaram na União Soviética na Segunda Guerra. Dito isso, se Japão, Alemanha e Índia, três países mais ricos e mais importantes do que o Brasil não se sentarão numa cadeira daquele sonhado conselho, não será o Brasil que o fará. Lula e o PT passarão a eternidade sonhando com essa cadeira na ONU, porque ela nunca virá. O que sobra de real dessa reunião do Brics? A entrada de quatro ditaduras do Oriente Médio. Na próxima reunião veremos fotos dos árabes sorridentes, o príncipe saudita esquartejador de jornalistas e o sheik-ditador que estiver no comando dos Emirados no momento; também teremos o ditador-religioso do Irã, que aliás usa um turbante muito mais charmoso nas fotos do que as toalhas que os árabes amarram na cabeça e o general-ditador do Egito. Ainda foram chamadas para a festa chinesa – o Brasil é coadjuvante – a infeliz Etiópia, devastada por mais de 50 anos de guerras civis e a moribunda Argentina, onde aliás os dois candidatos que lideram a corrida presidencial, Javier Milei, da extrema-direita alucinada, e Patrícia Bullrich, da direita civilizada rechaçaram o convite no mesmo dia, a Argentina não estará na foto da próxima reunião do Brics.

  3. Por falar em Conselho de Segurança, um detalhe nunca lembrado na imprensa cotidiana de esquerda ou direita, tanto faz. Quando a ONU estava sendo montada em 1944, Roosevelt queria dar um assento permanente no Conselho ao Brasil. O presidente americano desejava por mais um grande país do continente no time de comando, e só havia o Brasil como alternativa, apesar de ser muito pobre na época, mas a dimensão geográfica do país contava muito, e o Canadá não servia, era colônia britânica. Fora isso, Roosevelt sempre gostou de Getúlio Vargas. A ideia não prosperou porque Stalin vetou.

  4. Nassifão,o 77 tá fazendo o esforço necessário para haver um equilíbrio melhor no mundo, diferente do que ocorre no Brasil ao qual se vive uma era de entopercimento do País, todos querem ganhar muito e nem o mínimo necessário ao povo querem dar,vejamos judiciário, cúpula militar,classe política com aumentos salariais e benesses extraordinários,nossa burguesia agora só querendo especular na bolsa de valores,fundos de investimentos imobiliários e etc.. uma verdadeira CIRANDA JOGATINA FINANCEIRA,estamos numa ERA IMPRODUTIVA aonde jogam o povo na facilidade das drogas, álcool,crime numa espécie de era do ópio chinês só q no Brasil, até a internet q diziam q seria o melhor dos mundos e… quantas empresas dominam a internet?O agro é pop?O futuro está claramente sendo uma era medieval tipo os Reis ricaços dentro dos seus castelos luxuosos e em volta só a miséria dos seus súditos, nossos jovens agora aprendem essa jogatina até nós jogos pela internet de apostas e os pagtos recebidos por pix sem lastro nenhum tipo só números algoritmos estamos e ufa sem mais,obg ggn !!!

  5. Esta, talvez, seja a última chance para o Brasil romper esse cordão umbilical que o mantém, letargicamente, como ex-colônia. China e Índia, em determinado momento, e com todos as falhas e vícios de origem que carregam em si, romperam com suas metrópoles, as explícitas e as subentendidas; a Rússia, de fato, nunca foi subjugada. As experiências são ricas e falam por si. As circunstâncias e as possibilidades estão à vista, da mesma forma. Falta a vontade. Lamento dizer isso, mas Lula está mais para Gandhi do que para Mao, ou Nehru. O pacifista indiano não encarnou, de fato, uma ruptura; era um homem de sua casta, e encarava naturalmente a desigualdade dentro de seu país, sem compreender que a relação com a metrópole reproduzia o mesmo padrão nefasto. Ou seja, almejava a liberdade em relação à opressão externa, sem levar em conta que a desigualdade interna torna essa liberdade exclusividade de poucos. Assim como Gandhi encarava os ingleses, o sindicalista Lula, ainda que com aguda percepção da depravação absoluta que é a desigualdade, julgava que encarar os patrões na mesa de negociações serviria para diminuí-la ou mesmo extingui-la; conseguia apenas melhores salários e condições de trabalho, o que resultava apenas em pequenos ajustes que aumentavam os salários, mas igualmente o lucro dos patrões, já que este é salário não pago, e o repasse desse aumento para os preços das mercadorias, bens, e serviços tomavam de volta o que havia sido comemorado efusivamente como ganho. A Inglaterra ganhou a guerra em 1945, e perdeu a Índia, em 1948; o que tomou com uma mão, a outra teve que dar. Ou seja, tudo ficou na mesma, menos para Gandhi, que, homem de sua época e mentalidade, viu seu destino chegar nas mãos de uma casta inferior – um sikh, se não me engano. Não fosse o surgimento de Nehru, e sabe-se lá em que situação estaria a ìndia. A verdadeira ruptura foi a de Mao; e mesmo na China, foram necessárias algumas décadas para encontrar o seu caminho e o seu destino. Com todos os percalços, estão trilhando ele. E não me venham com conversa fiada de ditadura; o paraíso da Justiça, da Liberdade, e da Democracia, os Estados Unidos da América do Norte, também tem, em suas costas, milhões de mortos, com o agravante de serem todos em território alheio. Essa deve ser a última chance para o Brasil trilhar seu próprio caminho, e desfazer-se dessa eterna sujeição colonial, que já foi aos portugueses, aos ingleses, e aos americanos. Que não seja, agora, aos chineses, e confio que a China quer que andemos lado e lado, e não em fila. Muito menos indiana. É a última chance, Brasil. Lula, a estrada está aberta para que se junte, não apenas aos iguais de Mandela, mas a Nehru, Deng, e outros poucos que largaram as mãos que os seguravam, e optaram por caminhar lado a lado, livres.

  6. Excelente artigo, que com inteligencia aborda a questão e toca nos pontos mais importantes referentes ao sistema monetário internacional, ou, na verdade, à ausência dele.
    Desde o início, BM foi o instrumento do que tem sido chamado de diplomacia ou imperialismo do dólar. O FMI e o BM são apenas uma ferramenta dessas políticas e suas funções são promover fluxos de capital especulativo e, por meio da dívida induzida, o ajuste estrutural para colonizar e comprometer qualquer perspectiva sólida de crescimento autônomo.
    Portanto, o objetivo da criação dos BRICS é um retorno ao espírito original de BW, baseado nos conceitos de cooperação, solidariedade, contenção da especulação e crescimento simetrico.
    Embora em um contexto inevitavelmente dominado pelo dólar e pela financeirização neoliberal.
    No entanto, politicamente falando, um dos principais problemas para um país como o Brasil, por exemplo, é a situação de democracia fictícia predominante, alto coeficiente de Gini, extrema concentração de poder nas mãos de uma oligarquia burocrática e parasitária, em sua maioria mentalmente limitada, colonizada e dolarizada, o que representa um desafio e conflito com os objetivos que um governo mais sensível e democrático pode tentar de alcançar.

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