
A substância
por Felipe Bueno
Há dias em que o mundo, envelhecido, percebe que o fim está chegando. Em momentos como esse, ouve uma voz, desconhecida e sedutora, avisando que as coisas, como as conhecemos, já não fazem mais sentido. Mas há uma alternativa, um caminho a seguir! A solução está ao alcance, basta seguir as orientações da voz e libertar uma nova e melhor versão de si mesmo.
Nietzsche, por exemplo, alertou-nos para a morte de Deus e bradou que os ídolos deveriam ser destruídos. Mas não haveria razão para pânico ou desespero: o caos e a mediocridade reinantes seriam para os outros. A vontade de poder dos escolhidos então se realizaria, e revelaria ao mundo os verdadeiros ubermänner, e a eles – e apenas eles – o Destino obedeceria.
Quem lê até aqui e conhece um pouco a História e as escrituras sabe que Nietzsche, cujas palavras se adequam perfeitamente ao momento em que foram ditas, na virada do século XIX para o XX, bebia em fontes muito mais antigas, e seu estilo profético e escatológico poderia ser encontrado tanto em textos sagrados de milênios antes como nos dizeres, por exemplo, de seu conterrâneo e contemporâneo Karl Marx – aliás, também para alguns, sagrado. Justo ele que era contrário a essas coisas.
Outras vozes foram ouvidas em outros tempos. A romântica e individualista alma alemã, ferida pela primeira Guerra Mundial, abraçou as palavras e os atos de Adolf Hitler e seu projeto genocida.Tantas mortes e tanta destruição depois, ainda há quem leve em consideração o que ele disse um dia.
Tais vozes saem de bocas geradas sob a luz e também nos subterrâneos. Em incontáveis cenários ao longo dos séculos o roteiro pouco mudou: a comunidade – uma união de medos e incertezas individuais – primeiro estranha, depois normaliza e por último em grande parte abraça as causas do encantador de serpentes da ocasião, seus exércitos, suas armas e seus totens.
O encantador de serpentes é de carne e osso; já os exércitos, as armas e os totens hoje em dia podem ser virtuais, nem precisam existir de verdade.
A cada momento em que isso aconteceu, seguiu-se uma grande escuridão. Muitas vezes, aliás, determinadas comunidades nunca mais conseguiram alcançar novamente a luz.
No fim das contas Nietzsche estava certo em pelo menos uma coisa (em várias, na verdade): enquanto precisar de ídolos, a humanidade assim será até o último dia.
Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.