
É possível redefinir os termos do debate
por Luis Felipe Miguel
A mobilização nas ruas e nas redes contra o PL 1904 – conhecido como PL da Gravidez Infantil ou PL do Estupro — tem surtido efeito.
O governo e o PT foram forçados de sair de sua passividade oportunista. Não queriam entrar na briga porque achavam que aprovação do retrocesso era “inevitável”, mas acabaram por se posicionar em oposição ao projeto, mesmo que, muitas vezes, de forma bem mais tímida do que o desejável.
Até o presidente Lula se pronunciou, é verdade que de um jeito anda mais recuado e cheio de dedos que o habitual, na linha do “sou contra o aborto, mas…”.
Também está sendo bonito ver os porta-vozes da direita esperneando nas plataformas sociodigitais, reclamando que a esquerda está “desvirtuando” o sentido do projeto. Um sinal claro de que se sentem acuados no debate público.
O mentor do projeto veio à público anunciar que vai apresentar outro, aumentando a pena para estupradores. Uma pretensa saída pelo punitivismo. Mas ele percebeu que está pegando mal.
Mais importante ainda, Arthur Lira, que estava usando o projeto como arma para acuar o governo e impor sua escolha para sua própria sucessão na presidência da Câmara, agora está dizendo que não vai votar a toque de caixa e vai dar tempo para o debate, mesmo tendo sido aprovado o regime de urgência.
Essa perspectiva de vitória, rara nos tempos quer correm, mostra que uma explicação simples e direta do que está em jogo – se possível, acompanhada de uma rotulagem “lacradora” – permite avançar no debate público. Foi assim com a PEC das Praias, está sendo com esse PL.
O caso é ainda mais relevante porque está em tema o direito ao aborto, que a direita vê como sendo sua “bala de prata”, aquilo que é mobilizado sempre que se quer acuar o campo progressista e levá-lo a uma derrota garantida.
O problema é que a mobilização da direita, sobre a questão, é permanente. Está nos influenciadores, nos parlamentares que têm essa temática como prioridade número um, nos vídeos “educativos” da Brasil Paralelo, nas pregações nos templos. Nós, por outro lado, dependemos de mobilizações pontuais, que muitas vezes se mostram como tendo fôlego curto.
Creio que qualquer avanço nessa temática depende da capacidade de dar um salto de qualidade na discussão e pautar o direito ao aborto de forma permanente, sem temer o enfrentamento e o debate. Não se trata de uma questão impossível de ser vencida, como mostram os exemplos de muitos outros países, inclusive aqui na América Latina.
Travar o debate sobre o acesso ao aborto seguro para todas as mulheres que assim o desejarem significa, em primeiro lugar, dar à questão o peso que ela efetivamente tem: um problema maior de saúde pública e uma exigência da cidadania das mulheres, reconhecidas como agentes morais plenas.
Além disso, significa retirar da direita essa capacidade permanente de chantagem, que é, de fato, alimentada pela covardia da grande maioria da esquerda parlamentar e partidária, que prefere fugir da discussão.
Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).
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O pior que a pauta de “costumes” , aborto, saída temporária de presos e porte de droga, mascara uma boiada econômica.
Mas este Congresso foi eleito e de certa forma espelha o pensamento do povo.
Os liberais* se perderam em algum ponto do caminho.
*Democracia liberal, tadinha.