Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

João Grilo e Chicó. Episódio de hoje, A Sátira da Facada, por Armando Coelho Neto

Na prática, o autoflagelo, a autoimolação, o automartírio do ex-presidente alimenta o imaginário de quem nunca acreditou na tal facada.

Foto: Divulgação / Laura Campanella

João Grilo e Chicó. Episódio de hoje, A Sátira da Facada

por Armando Coelho Neto

Há quem afirme com muita ênfase que o ex-presidente, hoje hospitalizado, teria mesmo levado uma facada, em 2018. A responsabilidade profissional de jornalistas, personalidades públicas de todas as áreas, tem imposto escrúpulo ao lidar com a realidade palpável, sem conclusões suspeitas e precipitadas, teorias conspiratórias. Os fatos como tais divulgados pela grande mídia atestariam a verdade.

A facada rendeu, e está em curso uma intoxicação coletiva, num fluxo de mentiras, de forma a tornar suspeitas as versões que partem dos bolsopatas. De repente, a solidariedade e a bondade humanas, que deveriam prevalecer em momentos de fragilidade do próximo, são atropelados pela acidez da farsa, da exploração da compaixão. Nítidos sinais de uma sociedade mentalmente afetada.

O flagelo público no qual se transformou a internação do ex-presidente alimenta qualquer teoria conspiratória. Não é a primeira vez que ele se vitimiza, “expõe vísceras”, feridas, cicatrizes, bolsas coletoras de fezes e outras cenas patéticas. Seja por vontade própria ou impulsionado por apoiadores e profissionais de publicidade, o hospital virou puxadinho de seu gabinete político.

Na prática, o autoflagelo, a autoimolação, o automartírio do ex-presidente alimenta o imaginário de quem nunca acreditou na tal facada. Mas, ele sabe que alimentando a ideia do falso injustiçado, daquele “que quase morre durante uma campanha”, pode capitalizar, ampliar a compaixão pública de incautos, e tentar com isso se livrar de uma eventual condenação, tão certa quanto incerta.

O “Gabinete do Ódio” implantado no desgoverno passado nunca parou de funcionar, apenas mudou de endereço. E não adianta esperar providências de Alexandre Morais, mais que nunca alvo do mesmo covil, até por falta competência legal para isso, exceto nos casos vinculados à processos sob sua responsabilidade. E assim, os vídeos escabrosos disseminados nas redes são autoexplicáveis.

Até hoje, dez perguntas sobre tal facada estão sem resposta, revela matéria assinada Joaquim de Carvalho, veiculada no Brasil de Fato (*). Ainda que desqualificada por pessoas em tese sérias, há sim uma onda de mistérios em torno do caso, muito além das ligações feitas entre as coincidências havidas, do gênero: o agressor esteve, sim, no clube de tiro que filhos do Bozo frequentam.
O crasso e incomum erro da Polícia Federal no que tange à segurança do ex-capitão, então candidato, alimenta o espectro conspiratório. Na mesma linha, a estúpida falha da segurança pessoal do próprio candidato, cuja mote de campanha, além do falso moralismo e exploração religiosa, era “segurança” – muito embora seu grande reduto eleitoral não seja até hoje nenhum exemplo de segurança.

Há, porém, uma pergunta que ninguém faz. O que poderia ser uma mera simulação não poderia, por falha, converter-se em tragédia? A facada ocorreu em 6 de setembro de 2018, mas no dia 10 do mesmo mês, quando ainda internado, a página “Gospel Prime” no Facebook, exibia bênção na área abdominal do candidato, sob eufóricas orações de um pastor brasileiro que atuaria no Japão**.

O próprio vídeo, possivelmente anterior ao fato, sugere que algum problema já existia naquela região do corpo. Portanto, poderia ser objeto de cirurgia a qualquer momento. O lado conspiracionista deste escrevinhador permite especular que uma “simulação” poderia ser feita, só que no caso, teria dado errado, com desfecho trágico, assim como Odorico Paraguaçu, in O Bem Amado, da TV Globo.

Nesse sentido, facada foi tão real quanto os tiros contra Odorico, que havia planejado apenas uma falcatrua com Zeca Diabo. História e ficção juntas, os anais da política nacional e internacional estão prenhes de atentados reais e falsos em campanhas políticas. Uma pesquisa nas redes mostra alguns na Europa tendo o terrorismo como mote. No Brasil, há vários processos sobre falsos atentados.

No lamentável episódio, além do ex-capítão, a Democracia surge como vítima, e ficou claro quem dele tirou e ainda tira proveito. Não foi o Lula nem o Partido dos Trabalhadores.

Quem assistiu o “Século do Ego”, leu algo sobre “O Assassino Econômico”, assiste ao vivo falsos milagres de pastores picaretas que apoiam até hoje o inelegível. Quem tem notícias sobre as tramoias de Steve Bannon, Elon Musk, entre outros, tem razões para desconfiar, e até constrangido ironizar. Algo assim como reeditar João Grilo e Chicó, do saudoso Ariano Suaçuna. Episódio de hoje, A facada.

• https://www.brasildefato.com.br/2021/09/15/documentario-mostra-que-10-perguntas-sobre-facada-em-bolsonaro-permanecem-sem-resposta-ate-hoje/

** https://www.facebook.com/gospelprime/posts/550081038775338/

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

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