Juíza rejeita denúncia contra capitães da tortura a Frei Tito

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – A Justiça Federal de São Paulo rejeitou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra dois capitães do Exército acusados de torturar o Frei Tito de Alencar Lima, em 1970, durante a ditadura do regime militar brasileiro. Os oficiais seriam os responsáveis pelas sessões de torturas contra Tito.
 
Preso em novembro de 1969, pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em São Paulo, acusado de oferecer infraestrutura a Carlos Marighella, Tito foi submetido à palmatória e choques elétricos. Em fevereiro de 1970, foi retirado do presídio de Tiradentes e levado para a sede da Operação Bandeirantes (OBAN). Durante três dias, bateram sua cabeça na parede e deram-lhe choques por todo o corpo, mais repetidamente em sua boca “para receber a hóstia”.
 
Tito foi frade católico e assumiu a direção da Juventude Estudantil Católica em 1963, quando morou no Recife. Mudou-se para São Paulo para estudar Filosofia na Universidade de São Paulo e, em outubro de 1968, foi fichado pela polícia por participar do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (São Paulo).
 
Quando foi levado para a OBAN, os torturadores queriam que Frei Tito denunciasse quem o ajudou a conseguir o sítio em Ibiúna para o Congresso da UNE e que assinasse um depoimento atestando que dominicanos haviam participado de assaltos a bancos. Nessa época, tentou se suicidar e foi socorrido a tempo, no hospital militar, em Cambuci.
 
Na prisão, escreveu sobre a sua tortura, em artigo que correu pelo mundo (leia aqui), divulgado, entre outros diários, pelas revistas Look e Europeo. Em dezembro de 1970, foi incluído na lista de presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher, sequestrado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Em 1971, foi banido do Brasil pelo governo Médici e seguiu para o Chile, onde também sofreu ameaça e fugiu para a Itália, em seguida Paris. Traumatizado pela tortura, Frei Tito fez tratamento psiquiátrico, mas não aguentou e cometeu suicídio, em 1974.
 
O Ministério Público Federal acusou Homero César Machado, à época capitão de Artilharia, e Maurício Lopes Lima, capitão de Infantaria, de chefiarem as equipes de interrogatório da OBAN, que antecedeu o DOI/CODI do antigo II Exército, que torturaram Tito.
 
De acordo com a Procuradoria da República, “o delito praticado pelos denunciados se qualifica como crime contra a humanidade, sendo imprescritível, de acordo com o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)”. Mas a juíza Louise Vilela Leite Filgueiras Borer, da 8ª Vara Federal Criminal em São Paulo, pautou-se pela Lei da Anistia para rejeitar a denúncia contra os dois capitães da repressão.
 
A juíza afirmou que a “Lei 6.683 de 1979 [Lei da Anistia] perdoou a todos que cometeram crimes políticos, religiosos, servidores públicos civis e militares, sindicalistas, entre outros, entre os anos de 1961 e 1979′”. Ela justificou que o compromisso assumido pelo Brasil com a CIDH não pode ser superior às decisões da própria Constituição Federal, que por meio de interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010, reconheceu a Lei da Anistia.
 
Com informações do Estadão e de Memórias da Ditadura

9 Comentários

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  1. Juristas e setores da sociedade discordam dessa Lei

    “Várias entidades de defesa dos direitos dos seres humanos, familiares de perseguidos políticos e a OAB apoiam a tese de que a Lei de Anistia não beneficiou os “agentes do Estado” que tenham praticado torturas e assassinatos na ditadura militar, afirmando que o texto da lei não diz isso, nem poderia dizer, já que o Brasil é signatário de diversos documentos da ONU, segundo os quais a tortura é um crime comum, e imprescritível

    O Conselho Federal da OAB ingressou, em agosto de 2008, no STF com uma ação (ADPF, n° 153) que solicita declarar que a Lei de Anistia não incluí crimes praticados por agentes da didadura – tortura, desaparecimento, homicídios e outros”.

                                                                                             Cezar Britto, presidente nacional da OAB

  2. O juizismo dessa gente já

    O juizismo dessa gente já ultrapassou os limites do ridículo: quer dizer que, mesmo sendo a tortura considerada crime hediondo, essa “coisica”, só porque aprovada num concurso, se acha no direito de continuar torturando os direitos humanos? Se ignorância, má-fé e outras porcarias do gênero desse prêmios, essa tiraria o primeiro lugar. Cadeia nela!

  3. Enquanto a Lei da Anistia não

    Enquanto a Lei da Anistia não for revogada pelo Congresso ou considerada inválida pelo STF – acatando-se assim a decisão da OEA – os juizes de primeira instância nada poderão fazer senão se curvar à autoridade da mesma. Se a denuncia fosse aceita, os denunciados entrariam com HC e conseguiriam o trancamento da ação por falta de causa. E depois entrariam com ação de indenização contra o Estado em razão de estarem sendo “indevidamente molestados”. Por mais absurdo que isto possa parecer, infelizmente é assim que as coisas funcionam. No Brasil os criminosos da Ditadura são “vítimas” de perseguição judicial indevida passíveis de receber indenização, isto para não dizer que eles seguem recebendo salários e aposentadorias pagas pelo Estado com os tributos arrecadados das suas próprias vítimas. 

     

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