Vitimismo e Denuncismo
por Fernando Nogueira da Costa
Compreendo a reação instintiva de intolerância diante de ideias discordantes por meio de uma combinação de fatores psicológicos, sociais e evolutivos. Quanto à evolução e ao instinto de sobrevivência, a mente humana foi moldada por milhões de anos para priorizar a sobrevivência em contextos de tribos e grupos pequenos.
Nesse ambiente de auto validação de ideias arraigadas, quaisquer discordâncias eram percebidas como ameaças à coesão do grupo – hoje predomina agrupamentos ideológicos –, pressupondo colocar em risco a segurança coletiva de compartilhamento de ideias uniformes. Assim, a tendência de reagir de forma defensiva e agressiva às ideias divergentes tem raízes evolutivas.
O cérebro interpreta a discordância como um ataque à identidade ou status, ativando mecanismos de defesa psicológica. Sentir-se “vítima” é uma forma de justificar a posição pessoal como moralmente superior.
Do contumaz vitimismo inicial, parte-se em seguida para a agressão pessoal. Quando é ativada a resposta de luta ou fuga, a agressão verbal ou pessoal surge como uma tentativa de “neutralizar a ameaça”.
As pessoas tendem a vincular suas crenças e ideias à sua identidade pessoal. Quando uma ideia contraria a quem mantém a velha opinião de maneira obstinada, ele sente a sua identidade estar sendo atacada.
Isso gera dissonância cognitiva. Trata-se do desconforto de confrontar informações contraditórias às crenças pré-estabelecidas. Leva a reações emocionais exacerbadas.
Pior é a personalização do debate. Ao invés de separar a ideia da pessoa, o cérebro, em estado emocional, tende a confundir crítica às ideias com crítica pessoal.
Os maus argumentos são típicos do debate tacanho em rede social. Entre outros, sobressai a desqualificação do interlocutor – e não da ideia emitida para debate.
Chama-se de falácia genética o apego emocional, seja negativo, seja positivo, à origem do proponente de uma ideia. Surge quando um argumento – a “financeirização”, caso seja bem utilizada, possibilita a ascensão social – é desvalorizado ou defendido não por seu mérito, mas somente por causa da origem histórica da pessoa capaz de a defender com conhecimento de causa.
Na sociedade contemporânea, o orgulho e o status social estão ligados a como somos percebidos pelos outros. Ser publicamente confrontado ou desafiado ativa dinâmicas sociais no qual sobressai o papel do orgulho
O vitimismo é uma estratégia costumeira para evitar a sensação de humilhação ou perda de status. A defesa contra um sentimento de vergonha leva à agressão como reafirmação. O ataque pessoal funciona como uma tentativa de restaurar a posição de superioridade ou invalidar o outro antes de reconsiderar a ideia em debate.
Em muitas culturas, como no caso da brasileira, o ensino e a prática do diálogo construtivo são limitados. Isso cria um ambiente social onde divergências de ideias são tratadas como combates e não como oportunidades para aprendizado.
Falta de uma cultura de respeito à alteridade. Significa “ser o outro”. Designa o exercício de empatia, para colocar-se no lugar do outro, ao perceber o outro como uma pessoa singular com subjetividade própria.
A alteridade é o reconhecimento e o respeito das diferenças entre as pessoas. Sem ela, faz o outro de quem discorda ser visto como um adversário, não como um colaborador no debate público de ideias.
Lamentavelmente, o pensamento crítico da esquerda, essencial para manter um marxismo vivo, está obstruído por essa prática de “vitimização e agressão”, aliás, adotada também por gente de direita. Dificulta a separação entre os argumentos racionais e as reações emocionais.
No ambiente digital, onde o anonimato e a polarização são comuns, as reações emocionais são amplificadas. As redes sociais incentivam a polarização ideológica.
As pessoas são constantemente expostas a opiniões somente em reforço a suas próprias crenças, tornando ideias discordantes mais chocantes ou emocionalmente intoleráveis. Por exemplo, eu sugeri haver certos aspectos positivos na “financeirização”, para os trabalhadores fazerem reservas financeiras, nos ciclos da vida ativa, para suas longas aposentadorias com vida inativa.
Busca-se mais a recompensa por agressão violenta contra o interlocutor. Likes e compartilhamentos premiam respostas emocionais e ataques à honra alheia, perpetuando a intolerância.
Quanto aos caminhos para reflexão e superação dessa atitude de intolerância, é necessária a educação emocional. Para ser respeitado (e não apenas ignorado ou cancelado) cabe desenvolver a capacidade de reconhecer e gerenciar emoções em contextos de debate intelectual ou político.
O ideal seria a prática do diálogo socrático: estimular questionamentos e troca de ideias sem personalizar os argumentos. Para isso, necessita-se de empatia cognitiva para compreender o ponto de vista do outro como exercício intelectual e humano.
Assim, essas reações serão menos “instintivas” e mais o resultado de uma combinação de fatores mental e emocionalmente trabalhados. Promoveria uma convivência mais tolerante e produtiva.
Um bom debate evita o pensamento binário preto ou branco com o terceiro excluído. A falsa dicotomia reduz tudo no âmbito da discussão a duas categorias opostas: ao rejeitar uma das opções – a possibilidade de mobilidade financeira de trabalhadores esforçados e bem-preparados –, o interlocutor não teria alternativa a não ser aceitar a outra: “o capitalismo ainda é aquele do século XIX”.
Em lugar de estudar e pesquisar, é mais fácil se utilizar da falácia do espantalho: apresentar de forma caricata o argumento da outra pessoa, com o objetivo de atacar essa falsa ideia em vez do argumento em si. Na falta de bons contra-argumentos, parte-se para a desqualificação do interlocutor – e não da ideia em debate.
A falácia genética é o apego emocional, seja negativo, seja positivo, à origem do proponente de uma ideia. Um argumento é desvalorizado ou defendido não por seu mérito, mas somente por causa da origem da pessoa capaz de a defender. São “acusações” do tipo “nasceu em berço-de-ouro”, “teve possibilidade de cursar as melhores escolas e universidades”, “não teve nenhum mérito em conseguir independência financeira com sua vida profissional” etc.
O apelo à hipocrisia é conhecido desde a Antiguidade, chamado de argumento tu quoque (“você também”). Os intolerantes rebatem uma acusação – a esquerda pensa equivocadamente sobre a “financeirização” – com outra acusação – “defensor do financismo e aliado a fascistas e rentistas” –, desviando a atenção da correção da acusação do pensamento esquerdista estar anacrônico diante a atual realidade, enfrentada por trabalhadores em busca de ascensão social.
Contra a evolução do pensamento, é comum se apontar uma suposta contradição entre o argumento da pessoa e suas ações ou afirmações anteriores. Por exemplo, “ – Eu gostava de seus posts, baixei diversos livros dele. Mas, de uns tempos para cá, ele se tornou um panglossiano [quem se caracteriza por grande otimismo, especialmente, em face de severas adversidades]”.
Leviano também é lançar “a culpa por associação”. Trata-se de desacreditar uma ideia ao associá-la a algum grupo malvisto em determinadas redes sociais. Por exemplo, “ele foi Diretor Executivo da Federação Brasileira de Bancos de 2003 a 2007”. Por esse convívio civilizado com banqueiros está condenado até a morte!
O argumento ad hominem (ataque ao homem) é a desqualificação do interlocutor por não ser especialista ou por juízo negativo de suas intenções. Ironiza-se o “Don Fernando” por ter obtido todos os títulos da carreira universitária em uma Universidade de excelência e ter “papo de botequim” a respeito de quem, em vez de se vitimizar eternamente, age em estudos, trabalhos e outras virtudes humanas.
Enfim, “atacar a pessoa em vez da opinião dela” tem a intenção de desviar a discussão e desacreditar uma nova interpretação do capitalismo atual. Só.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected].
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Don Fernando, eu não pensei que Schopenhauer estivesse certo sobre a Dialética Erística, mas ele está.
Veja bem, não se leve tão a sério.
Eu só debateria dentro dos critérios e categorias por ti reivindicados, se houvesse sentido no seu texto (que eu deixei bem claro entender não haver) ou se lhe respeitasse como interlocutor, o que, também deixei claro, não respeito, justamente por enquadrá-lo em uma categoria indigna de respeito.
Não sei porque isso o incomodou tanto, a ponto de perder tempo escrevendo esse texto.
Ou será que, contrariando o que você mesmo disse, você não respondeu nada do que lhe perguntei, e partiu para o (contra)ataque ad hominem?
Vá saber?
Vossa Sapiência não parece ter entendido, ou fingiu que não, e por isso não tenha respondido uma só pergunta que lhe foi feita, por exemplo:
Onde seu modelo deu certo?
Certo, entenda, do ponto de vista macro econômico, e em uma nação parecida como a nossa, ou do chamado sul global.
Mas vamos, com toda paciência, responder por você:
Não deu, em lugar algum, e esse é o entrave civilizatório que estamos, e que você quer resolver com mais “incivilização financeirizada”.
Sim, sistemas bancários e de crédito são até anteriores ao capitalismo. Como a escravidão, instituição conhecida desde a ANTIGUIDADE!
Mas é no capitalismo que eles se transformam em monstros devoradores de mundos! Foi no capitalismo que a escravidão sequestrou milhões de negros, e foi nesse modo de produção que a singela ideia de emprestar dinheiro e obter alguma remuneração pelo risco se transformou em uma orgia planetária e desenfreada, onde uma meia dúzia de donos de fundos arrasam (ou podem arrasar) um país com 6% de desemprego, 4.5% de inflação, e 4% de crescimento de PIB.
Sim, eles proporcionam um equilíbrio (ainda que precário) das forças motrizes do investimento e do capital amortizado, para evitar o chamado efeito “poça”.
As poupanças são, de todo modo, importantes, desde que sejam resultado de sobras, e não de subtração de meios de sobrevivência ou em prejuízo ao consumo necessário (e imanente) ao funcionamento do…do…do…? Isso! Do capitalismo.
É a mesma falácia do déficit fiscal, só que o déficit é uma ideia de poupança macroeconômica contábil…mas eu sei, tem jornalista e economista que dizem que para gerir o orçamento público é só aprender com as donas de casa, se não arrecadou não gasta (risos).
Zero déficit, dizem…rere…pois é, os gregos ensinam que o “zero” é uma ficção matemática, eu acho que foram os gregos que disseram…Zero não existe!
Ainda assim, voltando ao tema que lhe é caro, há um consenso geral que os modelos de poupanças individuais, em oposição aos modelos de partição futura (quando as gerações atuais sustentam as aposentadorias as vindouras) não são capazes de prover a securidade social desejada, a contento, senão como modelos suplementares (quando há renda para tanto), partindo de uma ideia básica:
– É do Estado a tarefa de regular os sistemas de previdência, e gerenciá-los, haja vista que os modelos econômicos capitalistas tendem à desigualdade permanente (como sua mola propulsora), e que essa desigualdade tende a aumentar na distribuição de proventos de aposentados, inclusive porque os sistemas financeiros arbitram remunerações e cuidados diferentes para esse tipo de credor!!!!
Não, meu senhor, o mercado não é justo, sem sincero, e na hora do pega para capar, os velhinhos ficam sem nada!
A “financeirização” proposta por Vossa Sapiência não é só uma estultice completa, tomando como legitimação narrativa alguns casos específicos, na inversão dialética, ou subversão da dialética, de querer tomar o particular para definir e descrever o todo.
É como se eu isentasse o capitalismo de suas males porque alguém, dentre milhões, conseguiu “ascender” socialmente!
O capitalismo funciona? Óbvio, mas para quem?
Comemorar a “financeirização” é como escusar a escravidão porque havia capitães do mato, ou escravos de ganho ou da casa grande, que não sofressem tanto.
Do ponto de vista econômico, que me parece enfadonho (ou arrogante da minha parte) ensinar a Vossa Sapiência é que não é possível às sociedades e aos governos, como já sabemos empiricamente, desde 1929, conter o ímpeto da “financeirização” das economias, ainda mais subtraindo a poupança individual de incautos que retiveram recursos em um longo e médio prazos (para aposentarem), porque o capitalismo e alguém já nos disse que: no longo prazo estaremos todos mortos!
Sim, meu senhor, começa com essa lenga lenga sua, de coisas boas e singelas, como garantir um dinheiro para velhinhos, ou como dar conta bancária aos mais pobres, ou financiar a casa própria, e termina como sempre termina: alavancagem obscena, resgate pelos governos dos infratores e mico para os pobres!
Em tempo, o sistema habitacional só não foi de ralo com o resto do planeta em 2008 porque era o mais rígido e menos financeirizado do planeta, com mas mãos de ferro da CEF, do grupo gestor do FGTS e do governo, e não por causa do perfeito funcionamento do mercado!!!!
Sim, meu senhor, o seu pensamento econômico está na base teórica do fascismo, quando dilui a sócio reprodução capitalista, e sua conformação de classes em indivíduos atomizados por poupanças individuais, potencializadas por tolas esperanças digitais e algoritmos, com os apostadores das BETs.
A questão é que na BET a gente sabe o que esperar, e obtém alguma adrenalina por isso.
Já no seu cassino, é só o revés!
Em tempo, Douglas Barreto da Mata, inspetor de polícia no Estado do Rio de Janeiro.
Semi analfabeto.
Astrólogo, conselheiro matrimonial, alquimista nas horas vagas.
Caçador de fascistas e rentistas.
Eu também ousei discordar de Dom Fernando, e já ia respondê-lo, mas creio que agora é desnecessário, tanto pela sua resposta, quanto pelo fato de Dom Fernando ter usado, em sua argumentação, essa excrescência adotada pela ideologia e o discurso neoliberal, o vitimismo. Que ele não percebe ser a mesma tática de desqualificar quem pensa diferente. Recuso-me a tratar com gente assim. Quanto ao fato de julgar ter sido atacado, é curioso, mas, salvo engano, ele é o único colaborador regular do GGN que consegue enxergar alguma virtude no financismo. Ou financeirização. Ou seja lá o que diabo for.
Antonio Uchoa Neto, burocrata da iniciativa privada, razoavelmente alfabetizado (um livro publicado, “Fenomenologia do Desempregado”, Kotter Editorial – lamentavelmente, uma edição um tanto descuidada, lançada sem revisão do texto) ateu, sem necessidade de aconselhamento matrimonial (eu mesmo resolvo minha porra, quase sempre em meu desfavor – não ganho uma), ainda não aposentado e, portanto, sem muitas horas vagas; não caço, mas odeio igualmente fascistas e rentistas. E quem quer que seja que passe pano para essa gente.
A capacidade de analisar as agressões em vez dos argumentos dos outros ajuda a perceber o momento certo de se retirar de discussões infrutíferas.
Errei muito, dado meu desequilíbrio emocional nesta semana, por motivo de luto.
Primeiro, errei por postar aqui um tópico de um livro que estou escrevendo, cujo público-alvo é constituído por alunos universitários. É Finanças comportamentais para o Planejamento da Vida Financeira o tema do meu próximo curso.
Segundo, por imaginar todos os leitores serem gente educada como meus alunos.
É perda de tempo escrever para gente sem educação.
Singelamente lembro que o tio Patinhas, financista por excelência, a mergulhar em seu piscinão não sobreviveria sem o trabalho seu e/ou de outros. Na base de qualquer sistema está o trabalho. Na história humana sabemos do homem, ou humanoide, “coletor” sobrevivente. Mas não se conhece nenhum financista que tenha sobrevivido comendo dinheiro. Sim, o financista é necessário SE inserido na produção mas o acumulador deve ser duramente penalizado pela legislação fiscal. É aberrante em qualquer regime. Aqui na “terrae brasilis” é privilegiado e o trabalho onerado. A escravidão realmente foi abolida ou rebatizada ?