Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O ‘mind set’ da guerra híbrida no filme ‘Batman’, por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Através do universo expandido das franquias, criar um “mind set” necessário para as “revoluções híbridas” planetárias da geopolítica dos EUA.

O ‘mind set’ da guerra híbrida no filme ‘Batman’

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Pouco depois dos atentados de 2001 nos EUA, o Governo Bush reuniu-se com os chefões da indústria do entretenimento, em um hotel de Beverly Hills, definindo uma Agenda Hollywood para os próximos 20 anos com as linhas gerais para produção de conteúdos. Entre elas, a intensificação das franquias de super-heróis das franquias Marvel e DC Comics. Mais do que impor valores americanos, a estratégia era de criar o “neurocinema”: através do universo expandido das franquias, criar um “mind set” necessário para as “revoluções híbridas” planetárias da geopolítica dos EUA. “Batman” (The Batman, 2022) de Matt Reeves é a produção mais acabada dessa Agenda – como o senso particular de justiça de Batman criou um monstro: uma versão Incel do Charada numa Gotham doente e decadente, no qual ressentimento e o senso de antipolítica pavimentam a ingovernabilidade necessária para todas as “revoluções coloridas” globais.

Em novembro de 2001, sob o impacto dos atentados de 11 de setembro, Karl Rove, vice-chefe da Casa Civil do governo George Bush, reuniu-se numa manhã com os chefões da indústria do entretenimento no aprazível Peninsula Hotel, em Beverly Hills.

Estavam lá Summer Redstone, dono do império Viacom (MTV e Estúdios Paramount), Rubert Murdoch (News Corporation, rede Fox, 20th Centrury Fox, rede de TV Star na Ásia e jornais The Times e The Sun), presidente da Walt Disney Co. Robert Iger, presidente da MGM Alex Yemenidijian, o chefe da Warner Bros. Television Tom Rothman. Além de diretores, atores de Hollywood e roteiristas.

Depois de uma reunião de 90 minutos foi criada uma agenda para Hollywood projetada para os próximos 20 anos: linhas gerais de criação de conteúdos (narrativas, temas, personagens etc.) buscando transformar TV e Cinema em braço dos esforços de propaganda de guerra.

Um dos resultados práticos foi a intensificação da exibição de franquias dos super-heróis da Marvel Comics e DC Comics como Homem Aranha, Batman, Os Vingadores, Homem de Ferro (no filme de estreia o protagonista Tony Stark é sequestrado por terroristas no Afeganistão), X-Men, entre outros.

Um divisor de águas: se na Guerra Fria foram os gibis da galeria de personagens de Walt Disney e as animações dos estúdios Hanna-Barbera que foram convocados como ferramenta ideológica para impor a inevitabilidade do capitalismo e do american way of life, principalmente para o quintal geopolítico da América do Sul, agora são as franquias cinematográficas dos super-heróis Marvel e DC Comics.

Porém, através de uma ferramenta mais sofisticada do que aquele da velha doutrinação ideológica da Guerra Fria: o neurocinema – o universo expandido dos super-heróis é convocado para que a percepção da opinião pública dos países alvos de guerra híbridas (“revoluções coloridas”) seja moldada não por valores explícitos de propaganda americana – mas pela amoralidade subliminar dos super-heróis aplicada à suposta solução para a corrupção e ingovernabilidade.  

A décima quarta versão da franquia, Batman (The Batman, 2022), de Matt Reeves (Planeta dos Macacos: A Guerra, Cloverfield: Monstro), é mais uma reinicialização do super-herói dos quadrinhos. E é dentro desse contexto descrito acima que deve ser interpretado essa nova encarnação do cavaleiro das trevas, agora interpretado pelo “crepuscular” Robert Pattinson – transpirando machismo violento visceral e uma raiva mal controlada que marcam a própria natureza do herói mascarado.

Se o Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan fez uma abordagem em questões metafísicas e amplas (caos versus ordem, segurança versus terrorismo etc.), Batman de Reeves dá continuidade a essa tensão dramática, transformado o supervilão Charada basicamente num clone do Coringa de Health Ledger, mas sem a maquiagem borrada e sem o jogo das decisões de alto risco sobre quem vive e quem tem que morrer. 

Na verdade, o Charada de Reeves é a fusão de influências de serial-killers de filmes como Se7en(1995), Jogos Mortais (2004) ou Zodíaco (2007). Vindo diretamente das profundezas da Dark Web, como um Incel (grupo de celibatários involuntários) branco obcecado pela sua visibilidade e buscando a atenção dos seus seguidores online – um arquétipo para o moderno teórico da conspiração QAnon que turbinou o fenômeno alt-rightpelo planeta, na trilha das revoluções coloridas.

É difícil não ver em Batman uma correlação direta com a escalada de eventos que culminaram com a invasão do Capitólio nos EUA após o resultado das eleições à presidência em 2021 e o solapamento das democracias liberais marcadas pela polarização por rejeição, pulverizando a possibilidade de um consenso pela aceitação.

Como veremos, Batman é uma sofisticada forma de propaganda mais do que subliminar, mas neurocientífica: apesar de Batman pedir que não busquemos a justiça ao invés da violência, conter o nosso desejo por sangue e buscar mudanças por meio da nossa humanidade comum, a mensagem é ambígua: se o Coringa de Nolan era a contraparte de Batman, o Charada de Reeves é um efeito copycat do herói mascarado – Batman é ameaçador e desequilibrado e suas ações parecem inspirar imitadores do terrorismo vigilante. Como Charada e seus seguidores Incels.

Trocando em miúdos, uma forma de propaganda indireta que mostra aquilo que pretende negar – um dos axiomas da midiologia: é impossível negar mostrando o objeto da própria negação. 

Batman tenta mostrar que é diferente do monstro que criou, ao abandonar a brutalidade para se concentrar em resgatar vítimas. Mas ambos partilham do mesmo discurso moralista da corrupção de Gotham City: das famílias fundadoras da cidade aos políticos e seu sistema eleitoral, todos são corruptos, não restando ao povo de Gotham senão o ressentimento, a revolta e o terror.

No fundo, Batman revela a engenharia social que alimenta toda revolução popular híbridas (RPH) das revoluções coloridas que pariram a alt-right internacional. Afinal, como o própria Batman fala a certa altura, “o medo é uma ferramenta” para depois se autodefinir como “A Vingança”.

O Filme

 Todas os principais elementos da franquia Batman estão lá: o Batmóvel, a robusta armadura e capa de Batman, os incríveis gadgets com a cortesia do mordomo Alfred. E, claro, o herói encapuzado taciturno, atormentado, buscando seu próprio senso de justiça noturna em uma Gotham City que está entrando numa espiral de miséria e decadência.

Mas nas mãos de Reeve, tudo parece incrivelmente vivo e novo. Consegue reiniciar um conto familiar dando tons épicos e até mesmo operístico. Isso porque Reeves sincroniza Batman com o espírito do tempo notabilizado pelo filme Coringa (Joker, 2019) – reflete a atual onda de ódio e ressentimento articulados pela Deep Web, fóruns e chans na Internet e pelo populismo de direita.

Batman é um vigilante que trabalha em cooperação com a polícia, que projeta um sinal de morcego no céu, com uma luz brilhante, como um chamado para ele e um aviso aos malfeitores que o antecipam. Em uma plataforma de metrô, uma gangue de jovens malfeitores, maquiados e vestidos ao estilo Coringa, estão agredindo um homem asiático. Para depois serem tomados pelo medo com a violenta intervenção de Batman, implorando ao encapuzado para não serem machucados. Batman descreve seu papel desconfortável como vingador – na verdade, ele diz ser a própria Vingança.

Mais adiante, uma tragédia sacode a cidade: o Charada (Paul Dano) assassina horrivelmente o prefeito de Gotham e cola no corpo da vítima um cartão de felicitações para o Batman e pistas para suas motivações e para sua próxima vítima – além da conspiração que ele descobriu nos bastidores políticos de Gotham e os perpetradores que ele está mirando. 

Ao provocar o Batman, o Charada também está fazendo dele um aliado involuntário, forçando-o a se juntar à mesma luta e informando-o da verdade subjacente e toda a hipocrisia que existe em Gotham, sobre a ordem social que o homem mascarado vingador se dedica a defender e preservar. O Charada descobriu que muitos dos funcionários da cidade, particularmente aqueles envolvidos na aplicação das leis, estão na lista de pagamentos de gângsteres; suas decisões judiciais estão inevitavelmente maculadas pela auto-negociação envolvendo políticos, policiais e mafiosos.

Batman é atraído ainda mais para a conspiração emaranhada quando acidentalmente encontra outra vingadora mascarada, Mulher-Gato (Zoë Kravitz), que trabalha em uma boate dirigida por um gângster chamado Oz, que é apelidado de Pinguim (Colin Farrell), e frequentado por outros criminosos, como um mafioso chamado Carmine Falcone (John Turturro), e funcionários corruptos. 

Quando sua colega de quarto e amante, Annika Koslov (a quem o Charada vinculou à conspiração) desaparece, Batman a ajuda a investigar e, em troca, ela o ajuda a desvendar a teia de corrupção que o Charada descobriu, além de capturar o próprio Charada. 

Enquanto isso, Batman está trabalhando em estreita colaboração com um detetive de polícia chamado Jim Gordon (Jeffrey Wright) que, ao colaborar na busca do Charada, está jogando o perigoso jogo de desmascarar colegas e superiores corruptos.

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Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

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  1. Quanta baboseira conspiratória. Queremos citações e fatos não imaginação jornalística. Me admira como algo pra falar de um filme pode virar um complô geopolítico.

  2. O tapa do Smith no Rock foi um pedido do Biden para justificar uma futura invasão americana no Canadá.
    Gostaria das fontes que justifiquem estas afirmações pois jurava que os filmes de héroi era gente querendo fazer $$$ com bilheteria e stream …

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