8 de janeiro foi a Primavera Brasileira, por Luís Nassif

A abrangência da tentativa de Primavera brasileira sugere uma articulação muito mais ampla do que uma conspirata bolsonarista

O 8 de Janeiro foi um caso clássico de Primavera, reeditando todas as primaveras que sacudiram o mundo a partir da década de 2010.  Vamos analisar as semelhanças com a Primavera da Ucrânia que, em 2014, derrubou o presidente Viktor Yanukovych.

Em novembro de 2013, ele decidiu suspender a assinatura de um acordo de associação com a União Europeia, optando por fortalecer os laços com a Rússia. Sua decisão deflagrou o Euromaidan, uma sucessão de protestos em massa.

Os protestos foram em um crescendo até que, em fevereiro de 2014, a violência explodiu. Pressionado, Yanukovich assinou um acordo com líderes da oposição, mediado por representantes da União Europeia. Mas, no mesmo dia, fugiu para o leste da Ucrânia e, posteriormente, para a Rússia.

A razão da sua fuga foram as ameaças concretas que sofreu, de assassinato. Na linha de frente, havia o Partido Svoboda, o C-14 e o Pravyi Sektor (Setor de Direita), que montaram suas próprias milícias armadas, muitas das quais passaram a integrar forças regulares ucranianas. E havia, também, os Kid Pretos ucranianos, o Batalhão Azov, liderado por Andriy Biletsky, além de policiais e militares da reserva ou que desertaram. A reação russa foi a anexação da Criméia em março daquele ano.

Em todo esse período, houve a atuação decisiva da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

Sob a liderança do Secretário de Estado John Kerry, os EUA forçaram uma reforma do Judiciário, com treinamento financiado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).

Os programas incluíam treinamento para juízes, promotores e funcionários do sistema judicial, criação de novas instituições ditas como anticorrupção, e participação na seleção dos novos juízes nomeados. Foi criado o Escritório Nacional Anticorrupção (NABU), com financiamento e treinamento das agências americanas, que levaram à Ucrânia ONGs especializadas em transparência e financiadas diretamente pelos EUA. Em nada reduziu a influência das oligarquias locais sobre o Judiciário.

A abrangência da tentativa de Primavera brasileira sugere uma articulação muito mais ampla do que uma conspirata planejada por um Braga Neto da vida.

Consistiu em todo um planejamento, com as multidões acampadas em torno de quartéis, rezando e pedindo golpe – uma maneira, aliás, de cooptar os militares, através de seus familiares. Depois, uma série de episódios-rastilho – que felizmente não explodiram. Houve o 7 de Setembro de 2021, com Bolsonaro afrontando diretamente o Supremo. Depois, os atentados em Brasilia, com invasão da sede da Polícia Federal e a tentativa de explodir o Aeroporto.

Finalmente, o 8 de janeiro, com o planejamento do assassinato de Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes.

As investigações vão pegar a primeira, segunda e terceira linhas. Mas, há muito mais por trás dessas primaveras.

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15 Comentários

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  1. Nasif,

    Há aspectos dos fenômenos chamados “Primaveras dos Golpes”.

    Mas, neste caso, faltou o ingrediente crucial:

    Os EUA, e todo seu aparato tecno-informacional-ideológico.

    Sim, o mesmo que obteve sucesso em 2016, esteve ausente em 8 de janeiro.

    Talvez esse seja o erro tático de avaliação deles.

    Mal comparando, não estavam maduras as condições, como não estavam em 1958, e 1961.

    O que houve em 8/01 parece muito com o roteiro dos seis passos do livro “Turner’s Diary”, um manual guerrilheiro da extrema-direita dos EUA, algo como o livro de Marighella.

    O filme A Ordem, Amazon Prime, com Jude Law, no papel do agente do FBI que desbaratou um grupo de mesmo nome, dissidente da Nação Ariana, em Ohio, é assustadoramente revelador.

    As diferenças, claro, são processos históricos diferentes na formação do caldo de cultura de violência política, apesar das óbvias imitações, se baseiam no fato de que as iniciativas estadunidenses são privadas, muito pela acerto constitucional federativo forte, e acesso às armas por indivíduos.

    No nosso caso, parece que a legislação e a fraqueza organizacional desses grupos transfere para o estado e as FFAA o protagonismo.

    Por enquanto, sorte nossa.

    Vale conferir o filme.

  2. Outra coisa, o mencionado diário dá a coesão dos eventos, desde as greves de caminhoneiros, blitz da PRF e os casos de abusos destas, a tentativa de invasão da PF, às mortes dos jornalista e ativista inglês na Amazônia, os incêndios florestais, as tentativas de atentado a bomba em BSB, e enfim, o 08 de janeiro.

    Veja o filme.

  3. Me perdoe alongar tanto, mas o tema é, ao mesmo tempo, instigante e assustador.

    A diferença crucial entre os EUA e o Brasil na aplicação do “Diário de Turner” é a seguinte, a meu ver:

    A imensa atomização federativa desses movimentos nos EUA impede a verticalização necessária ao sucesso nacional dessas iniciativas, e mais, as FFAA dos EUA têm grande problema em agir como ponta de lança de golpes, até porque, sua força externa, e seu alto poder institucional junto ao complexo bélico-industrial-petrolífero as mantêm ocupadas.

    Mas essa não é uma premissa imutável, que pode ser alterada com Trump/Musk (MAGA), mas a experiência nos mostra que ao chegarem ao poder pela via institucional, esses extremos tendem a convivência com o sistema.

    Aí, geralmente, se fragmentan ainda mais, remoendo frustrações que serão utilizadas e manejadas pelo status quo político.

    Essa teoria tem limites, certamente, e Hitler é o melhor exemplo de escalada da radicalização, mesmo depois da institucionalização do movimento no controle do Estado Alemão.

    Bush Jr/Cheney tentaram em 2001, mas ainda era cedo.

    Já no Brasil, nós temos o que eles queriam, esse engajamento das FFAA, “a hierarquia vertical”, mas justamente por causa da fraqueza das milícias políticas pelo país, que dependem do aparato estatal, sejam as FFAA, parlamentares, juízes, promotores e outros agentes públicos.

    O risco que corremos é a simbiose que vem se desenhando lentamente, com o recrutamento das narco milícias evangélicas, como o complexo de Israel no Rio, ou a versão empresarial paulista, o PCC.

    Sem uma intervenção corajosa na fonte de poder desses grupos, com o fim de esvaziar as formas de financiamento, neste caso, a proibição de vendas de drogas, ao mesmo tempo que se deve comprar de voltas as armas em suas mãos, nada surtirá efeito, na minha opinião.

    É claro que não há ingenuidade de supor que esses grupos desaparecerão, e não migrarão para outros setores de interesse, mas é lícito supor que nesse processo de transição, boa parte das operações tenham que ser legalizadas, e aí, ao alcance da fiscalização estatal.

    Outra fonte de poder social é a tremenda desigualdade social, que fornece o capital humano para tais operações, e claro, a situação das cadeias, afinal, no Brasil, todas estas operações foram criadas ali dentro.

    Por fim, mudança nas estruturas policiais, e judiciárias.

    Sem alterar a esteira tributária, descriminalizar o tráfico de drogas, o funcionamento da persecução e o sistema penal, acho que vamos direto para o abismo.

      1. Já conhecia uma parte da história, principalmente a união dos serviços secretos militares aliados com Luciano.

        Há um filme sobre o tema.

        Já o judeu presidente do sindicato foi inspiração de Puzzo na criação de Lyman Roth, personagem do Godfather.

        Vou tentar adquirir o livro.

        Obrigado pela ótima sugestão.

        Ótima e, igualmente, aterradora.

      2. Cyrela monza.
        Tem uma pessoa que se auto denomina filantropo.
        Os proprietários do condomínio reserva jardim na Barra Olímpica são muito sofridos.
        A cyrela monza tem um esquadrão paramilitar no condomínio reserva jardim na Barra Olímpica.
        O condomínio reserva jardim na Barra Olímpica é um ambiente obscuro.
        As vias públicas de acesso ao condomínio reserva jardim na Barra Olímpica tem uma malha de proteção para impor sua mera vontade. Algumas guaritas de proteção ao esquadrão paramilitar tem ar condicionado.
        A ASCIJA tem um quartel general paramilitar .
        O quartel general paramilitar impõe o sistema de transporte coletivo ônibus.
        O quartel general paramilitar impõe a terceirização.
        A terceirização tornou o Brasil uma Nação muito menos correto e a terceirização é muito mais caro.
        A terceirização foi uma imposição política no Brasil.
        Arrebentar cruelmente os políticos é obrigatório.
        Existe no condomínio reserva jardim na Barra Olímpica medidores individuais para aferir o consumo de água e a empresa com esta atribuição se recusa a fazer a aferição.
        A cyrela monza e carvalho hosken se auto denominam um estado.
        É um absurdo até onde estas mera construtoras levam este condomínio.

  4. É indubitável que a alucinação pode se espalhar, romper a membrana que separa ficção da realidade e eventualmente dominar ou destruir o campo político. Mas até mesmo a alucinação está sujeita à entropia. No mundo físico, esse fenômeno inexorável provoca o declínio da energia pela dissipação ou por seu consumo. A entropia faz a matéria prima de uma estrela decair de um estado a outro até que o desequilíbrio provoque a morte dela de uma maneira ou de outra. No mundo biológico, a entropia assegura a morte de cada ser vivo após um certo tempo. Sistemas políticos também declinam e são obrigados a se transformar para continuar existindo, mas sua perpetuação pode ser abreviada por um acidente de percurso (uma guerra civil, uma guerra externa, colapso ecológico, etc). As alucinações criadas para provocar mutações políticas e institucionais colapsam no mundo real quando os principais atores econômicos percebem que elas podem dar mais prejuízo do que lucro. A devoção exagerada aos EUA e o ódio bolsonarista contra a China foi encarado como um problema grave pelos exportadores de alimentos e minérios. Eles não aderiram ao golpe. Os banqueiros, que reciclam no país a riqueza monetária oriunda das exportações também ficaram muito preocupados com o crescimento de uma alucinação que poderia comprometer seus lucros futuros. Esse é o ponto, Nassif.

    1. Sim, mas a regra pode fugir aí controle.

      O nazifascismo europeu entre 1920 e 1945 mostram em entropia de realimentação dos ciclos de violência política, que sustentaram a própria imanência do fenômeno.

      Em outras palavras, a institucionalização do nazifascismo não implicou em desgaste de suas células alimentares no processo, ao contrário, transmutaram em células mais alimentadas pelo próprio fenômeno do qual se alimentavam, o ódio político.

      Causa e efeito recíprocas.

  5. Espero que abram a caixa preta da privataria bolsonarista….a propina dss joias em troca da venda da refinaria a preço simbolico é apenas a ponta do iceberg, pois se puxsr direito a capivara teremos outros casos tais como a venda da Eletrobras de lucros bilionarios mas vendida por uma merreca pro Paul Lema,…..o que dizer do Ministro da Fazenda o Guedes ter abocanhado a carteira do BB e, atraves da Eneva/BTG ter se apropriado de refinarias, jazidas de peteoleo e gas, ….o gas descoberto por Dilma, na Bacia do Parnaiba.

    Magina so fosse o Haddad usar o proprio cargo pra abocanhar o patrimonio nacional, mas isso foi permitido ao bolsonarismo: tudo vendido e mesmo assim o pais foi destruido e de 6a economia do mundo com Dilma, caiu pra 13a no final do Bozzo

    O Brssil alavancaria sua economua se a Marina não tivesse engavetado uma decusao tecnica, parece que o Ibama esta guardando as reservas de litio e petroleo pra fortecer e eternizar a extrema direita no poder…ou sera que ela pensa que Musk e Trump não estao de olho arquitetando um golpe contra Lula ….pra isso basta o sinal verde das big techs, pous foi assim em todas as primaveras colloridas aqui em junho de 2013 e reforçada pela Lava Jato. Oi

    1. O infelizmente, esse modelo não se enfraquece com a revelação de suas entranhas.

      Paradoxalmente, a primeira repulsa pelos atos praticados, servem de alimento para mais frustração, e mais ódio, que alimentam novas versões políticas ou versões políticas recicladas.

      Claro, que as redes sociais dão o suporte e alcance tecnológico que torna o fenômeno mais dramático.

    2. O Nassif às vezes dá uns saltos. Após esses movimentos golpistas ucranianos, na tal Primavera, não houve uma “anexação da Crimeia pela Rússia“.
      Os cidadãos da Crimeia decidiram, por meio de eleição, se integrarem à Rússia.

  6. Concordo com os comentários anteriores.
    Essa primavera brasileira não teve sucesso porque não houve articulação internacional. Ou seja, os militares brasileiros mais afoitos esqueceram de combinar com os “russos”.
    Eles precisam saber que são comandados. E quem manda no Brasil é o império da vez. Quando esse se retrai, seja por conta de uma crise inter imperial, como no período entre guerras, ou por um excesso de confiança de seu poder, como no final do século XXI, quem passa a mandar é o povo brasileiro. Daí a posse e eleição de Getúlio, depois JK, Jango (no primeiro período) e Lula (no segundo).
    Esses governos só caem quando o império acorda e retoma as rédeas de seu poder.
    Os militares seguem as ordens do poder mais forte.

  7. O teste desse novo sistema de golpes foi em 20 de maio de 2013. Milhares de beneficiários do Bolsa Família, em filas quilométricas na agências da Caixa Econômica, às sete do noite… sem nada na mídia, e com as redes sociais ainda restritas pelo uso ainda limitado do smartphone. Quem os avisou que Dilma iria “sacanear” com eles? Porque foram convencidos de que o governo que tornou possível o benefício, iria sacanear, tirando na calada da noite?
    E agora… se Sulla pôde… porque eu não posso também?
    (Sulla, o primeiro golpista bem sucedido na Res Pública romana)

  8. as jornadas de junho de 2013; as indicações ao stf pelo pt, com barroso lançando a cartilha para q se evite a judicialização excessiva, orientando a negatória de juízos à gratuidade de justiça (Recomendação nº 159/2024 do cnj); esse desgoverno e a não purgação da ditadura, com a loman de 1979 somada à interpetração da lei da anistia favorável aos torturadores contra legem ao que preicetua a Carta Política formam a barafunda da equação a que estamos imersoa. o brasil acabou e não haverá bolsa família e pé de meia que o salve.

  9. soma_se a isso a demissão de uma Mulher idônea e de notório saber do ministério da saúde às vésperas do 8 de Março exponenciado às declarações do ministro da fazenda sobre reforma tributária, como se isso soasse favorável ao Povão (Nós) dá a ideia do produto a que chegamos.

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