Como escapar da armadilha da política monetária, por Luís Nassif

Em algum momento, os economistas precisarão esquecer os dogmas da ortodoxia e buscar alternativas, como aquelas oferecidas pela Alemanha.

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Economista da PUC-São Paulo, Cristina Helena de Mello conheceu de perto a maneira como a Alemanha trabalha seus títulos públicos. Foi criada a Agência Financeira Alemã (Deutsche Finanzagentur), com objetivo de gerenciar a dívida pública. Ela é a única autorizada a comprar e vender títulos públicos.

A Agência emite diferentes tipos de títulos públicos para financiar o orçamento federal e refinanciar a dívida existente:

  • Bundesanleihen (Bunds): Títulos de longo prazo (10, 15 ou 30 anos).
  • Bundesobligationen (Bobls): Títulos de médio prazo (5 anos).
  • Schatzanweisungen (Schätze): Títulos de curto prazo (2 anos).
  • Bubills: Títulos de curtíssimo prazo (6 a 12 meses).

A Agência Financeira Alemã (Deutsche Finanzagentur) administra a dívida pública da Alemanha de maneira profissional e eficiente, utilizando estratégias que visam garantir o financiamento do governo federal a custos baixos e estáveis, enquanto gerencia riscos financeiros. Abaixo estão as principais funções e métodos da agência:

1. Emissão de Títulos Públicos

A Agência é responsável por emitir diferentes tipos de títulos para financiar a dívida pública, com prazos variados e características distintas:

  • Bunds: Títulos de longo prazo, geralmente com vencimento superior a 10 anos.
  • Bobls: Títulos de médio prazo, com vencimentos de 5 a 10 anos.
  • Schtaze: Títulos de curto prazo, com vencimentos de até 2 anos.
  • Bubills: Letras do tesouro de curto prazo, com vencimentos de 6 ou 12 meses.

Esses instrumentos são oferecidos aos investidores por meio de leilões públicos regulares, que são realizados na plataforma do Banco Central Alemão (Deutsche Bundesbank).

2. Gestão de Dívida Existente

  • Relação Risco-Custo: A agência trabalha para equilibrar os custos do serviço da dívida com os riscos associados às flutuações de mercado.
  • Refinanciamento: Quando títulos vencem, a agência os refinancia com novas emissões para garantir continuidade no pagamento das obrigações.
  • Controle da Taxa de Juros: Para minimizar custos, a agência monitora as condições de mercado e emite títulos em momentos oportunos. A Alemanha pode se dar ao luxo de taxas de juros negativas.

3. Planejamento e Transparência

  • Planejamento Anual: A Agência publica um cronograma detalhado das emissões de títulos para cada ano, permitindo previsibilidade para os investidores.
  • Transparência: Informações sobre a dívida pública, emissões e estratégias são publicadas regularmente, garantindo confiança dos mercados financeiros.

4. Gestão de Risco

  • Derivativos e Hedging: A Agência pode utilizar instrumentos financeiros, como swaps de taxa de juros, para gerenciar os riscos associados à dívida.
  • Diversificação de Investidores: A emissão de títulos é projetada para atrair uma ampla base de investidores, incluindo bancos, fundos de investimento e seguradoras.

5. Participação em Mercados Secundários

Embora a agência não opere diretamente nos mercados secundários, ela apoia a liquidez dos títulos alemães, o que aumenta sua atratividade e mantém baixos os custos de financiamento.

6. Centralização de Atividades

  • Desde 2000, a gestão da dívida pública alemã foi centralizada na Agência Financeira Alemã, que atua exclusivamente para o governo federal. Isso trouxe maior eficiência e redução de custos operacionais.

Devido à estabilidade econômica da Alemanha, os títulos públicos alemães são vistos como um dos investimentos mais seguros do mundo. A Agência Financeira Alemã desempenha um papel crucial nesse cenário, garantindo que a dívida pública seja gerida de forma sustentável e confiável, mesmo em períodos de incerteza global.

Os problemas da política monetária

Ao contrário da alemã, a política monetária brasileira padece de duas vulnerabilidades históricas. A primeira é a taxa Selic, reajustada a cada mudança nas projeções de inflação. A segunda são as operações compromissadas, pelas quais o Banco Central remunera as sobras de caixa dos bancos.

A eficácia da política monetária ocorre com títulos pré-fixados. Qualquer mudança na política provoca alterações nos preços do papel, dando muito maior eficácia aos juros.

Acontece que o país vinha da lembrança traumática do bloqueio de depósitos do governo Collor, e dos problemas para administrar a dívida pública e as contas externas com o Real.

O resultado foram instrumentos destinados a reduzir o receio dos investidores mas que, na prática, tiraram a eficácia da política monetária, obrigando o BC a pagar as mais altas taxas de juros reais do planeta – e a converter a política em processo de violenta concentração de renda.

Em algum momento, os economistas precisarão esquecer os dogmas da ortodoxia e buscar alternativas, como aquelas oferecidas pela Alemanha. Cristina diz que terá que ser um processo gradativo, bem planejado para evitar fugas de recursos e cambalhotas no câmbio.

Mas esta será a única saída definitiva para os desajustes da política monetária.

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6 Comentários

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  1. Ontem mesmo o governo disse que vai fazer de tudo pra baratear o preço dos alimentos

    Tenho amigos donos de mercado e restaurantes que afirmam que não podem baixar o preço porque os custos de energia elétrica e combustíveis no brasil são absurdos e que os alimentos encareceram por conta disso

    Lembrando que as agencias que aprovam os aumentos ANEEL e ANS estão apinhados de bolsonarentos que, assim como o BC quer o fim do governo Lula e o retorno à expropriação financeira praticada pelo governos anteriores

  2. Nassif, tem uma variável nesta equação desprezada por você, e pela moça.

    A posição relativa da Alemanha frente aos seus vizinhos e ao mundo. E claro, a do Brasil.

    A Alemanha é o vampiro da Europa, e drena quase toda a riqueza para si, possibilitando assim, gerir sua dívida como melhor lhe aprouver.

    O Brasil não dispõe de duas coisas:

    Condições macroeconômicas e geopolíticas para ousar algo nesse sentido, e como relação de causa e efeito recíproco (como o efeito Tostines), não tem um governo com “cojones” para tanto.

    O capitalismo no mundo é um beco sem saída. Nos países periféricos, é um beco sem saída a beira do penhasco.

  3. O Galípolo é um ótimo nome para introduzir essas ferramentas,nos momentos oportunos. No final das contas, o grande desafio é manter a inflação controlada com taxas de juros menores, o que não depende apenas do Banco Central. O governo federal tem o papel essencial de atuar nos mercados do setor real, gerenciando alíquotas dos impostos de importação e de exportação, fundos de estabilização de preços para combustíveis e energia e estoques reguladores.

  4. A grande questão, pelo menos aqui no Brasil, é que os nossos economistas ortodoxos, são despedidos de honestidade intelectual. Suas posições são determinadas pelo algorítmo do mercado, ou seja, são dotados de inteligência artificial e são seguidos pela imprensa livre de isenção.

  5. Ao afirmar que “a política monetária brasileira padece de duas vulnerabilidades históricas”. Efetivamente tais “vulnerabilidades” são os fundamentos do RENTISMO parasitário institucionalizado com o advento do “plano” REAL; pespegado ao País, quando FHC era o Ministro da Fazenda do governo Itamar Franco. A “justificativa” canhestra: acabar com a inflação! A turma de economistas neoliberais da PUC-RJ – que o André Araujo chamava de “Escola do Rio” – instituiram a práxis de gestão (“passiva”) de política monetária como a operacionalização – ex-ante – das expectativas (especulação) dos rentistas -, que os governos Lula/Dilma seguiram/seguem “bovinamente”. Quando ainda “era oposição”, Lula e o PT bradavam quanto à necessidade de AUDITAR a Dívida Pública (DP); quando tornarem-se “governo” esqueceram… O resultado é isso: uma DP exorbitante/escorchante, decorrente da “rolagem” e “enrolação” do papelório do endividamento do Setor Público, sem nenhuma aderência ao chamado “endivamento produtivo”, ou seja, aquele decorrente da captação de “emprestimentos” governamentais junto ao “setor privado” para investimentos em infra-estrutura e/ou alocação em bens públicos provedores de bem-estar social. Em tempos recentes o Governo não investe mais! Faz “concessões” e/ou “privatizações”. Também é importante lembrar o crescimento da DP, se avolumou quando o governo FHC assumiu o “risco cambial”, ao estatizar a “dívida externa” privada de residentes no País. Com efeito, não há meios (instrumentos) adequados – amparados na Teoria Econômica – de política monetária que desarme tal extorção/acharque que garante aos rentistas/especularadores com a DP o equivalente a quase 10%, anualmente, as Receitas da União. Num futuro inaudito, chegar-se-á a situação que o país terá um “Collor” 2. Sendo mais explícito: um governante que “queimará” todo esse “volume” de DP. Não por “esquerdismo revolucionário”; mas por “razões de Estado”… quem viver, verá.

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