Contra a missão tecnocrática do Banco Central, por Luís Nassif

Os bancos centrais já buscam outros objetivos além da estabilidade de preços. A maioria tem um papel na regulamentação financeira.

A disfuncionalidade dos Bancos Centrais já chegou à União Europeia. É o que se depreende do artigo do Martins Sandbu, do Financial Times.

Sandbu analisa os desafios geopolíticos dos países. E, a partir daí, o papel limitadíssimo do Banco Central, de considerar o combate à inflação sua única função.

Ao longo de milênios, diz ele, controlar o fornecimento da moeda é um poder real, que está no centro da arte da governar e da influência geopolítica.

Hoje em dia, o poder de controlar a moeda é amplamente acumulado por bancos centrais tecnocráticos independentes com mandatos estreitos, muitas vezes legalistas — e mentalidades ainda mais estreitas. Ou seja, o BC brasileiro têm características estreitamente comuns com seus congêneres europeus.

O Banco Central Europeu tem dois mandatos: estabilidade de preços e apoio às políticas econômicas gerais da União Europeia.

Por exemplo, a UE precisa mobilizar investimento privado em tecnologia digital, ambiental e defesa. No passado, o BCE oferecia aos bancos linhas de financiamento abaixo das taxas normais de mercado, visando impulsionar os empréstimos comerciais. O nome era “operação de recompra de longo prazo direcionada”. Baseou-se em política similar do Banco da Inglaterra com seu “financiamento para empréstimos”.

Com base nessa experiência, Sandbu sugere incentivos semelhantes para que bancos expandissem o financiamento para setores considerados estratégicos “pelos líderes democraticamente eleitos da zona do euro”, acabando com o controle tecnocrático do BCE sobre a moeda, sem escolher vencedores individuais.

Seria um sistema de taxa dupla, mantido o compromisso de manter a taxa alvo baixa. Se tais incentivos eventualmente tornassem a demanda excessivamente inflacionária no agregado, a taxa de política principal seria ajustada para cima, reduzindo a atividade em setores não prioritários.

É bom lembrar que um médico, Oswaldo Aranha, no governo Vargas introduziu o sistema de taxas múltiplas de câmbio que permitiu ao país enfrentar o duro período de escassez de divisas. Em lugar de teorias monetárias complexas, simplesmente convocou o diretor da carteira de comércio exterior do Banco do Brasil, Herculano de Freitas, e solicitou-lhe uma saída prática para a falta de divisas.

Os bancos centrais já buscam outros objetivos além da estabilidade de preços. A maioria tem um papel na regulamentação financeira. O BCE tem alguma responsabilidade pelo papel internacional do euro. E, agora, se empenham nas moedas digitais.

Mas tem que se subordinar ao poder democraticamente eleito. Hoje em dia, diz Sandbu, delega-se a política monetária a tecnocratas, “por causa da da futilidade de tentar causar surpresas inflacionárias em agentes econômicos privados”. 

Em 2012. sob a liderança de Mario Draghi, então presidente do Banco Central Europeu (BCE), foi elaborado o Relatório Draghi, com medidas estratégias para fortalecer a União Econômica e Monetária (UEM) da União Europeia (UE). Esse relatório foi desenvolvido no contexto da crise da dívida soberana europeia e tinha como objetivo reforçar a resiliência da zona do euro a choques econômicos futuros.

O papel estratégico de um banco central é a realocação do capital em setores prioritários. “Mas eles universalmente fingem adotar uma postura de neutralidade em relação a isso”, diz Sandbu.,

Há muitas maneiras dos bancos centrais atuarem ativamente. Mas, salienta Sandbu, “o maior risco é escolher a impotência e ignorar completamente as capacidades geopolíticas dos bancos centrais”.

Antes que nosso Banco Central perca a legitimidade, seria conveniente que utilizasse os ótimos quadros técnicos de que dispõem para uma discussão séria sobre seu papel, como peça central do desenvolvimento, sem perder sua missão de regulador da moeda.

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18 Comentários

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  1. Como é publico e notório, desde o início do plano real, o controle do BACEN, foi entregue ao mercado financeiro. Dos presidentes aos diretores que por lá passaram tivemos os mais obedientes ao mercado e os que o fizeram com alguma relutância, daí podemos inferir que as abusivas taxas de juros praticadas, guarda pouca relação com combate à inflação e muito com a sofreguidão por lucros fáceis do clube da usura. Não adianta querermos fazer os facínoras entederem que suas premissas de combate à inflação são tecnicamente infundadas, pois contra interesses espúrios, não existe argumento.

  2. A missão do banco central é proteger o valor da nossa moeda e com isso preservar os brasileiros da inflação.
    A inflação rouba o poder de compra dos trabalhadores assalariados.
    Quando o governo gasta mais do que arrecada se endivida e provoca a destruição do investimento e por consequência da oferta.
    Projetos de investimento vão se tornando inviáveis em função do aumento dos custos tributários, operacionais e de capital. O resultado é a destruição da economia.
    Hoje está claro que a maior crise econômica da história do Brasil foi causada única e exclusivamente pela adoção desse modelo econômico falido do PT.

    1. Cara, como vc e inocente em acreditar nessas lorotas neoliberais…a Faria Lima está manipulando o mercado usando fakenews, estão putinhos com a pesquisa Quaest que mostra Lula reeleito em 2026. Querem que ele desista desde já.

    2. Leonardo, no seu rigor crítico ao PT esqueceu do principal, ou seja, por longos anos temos uma das maiores taxas de juros reais do mundo, injustificável sua colocação, mesmo porque fui durante 25 anos executivo financeiro, até 2004 portanto senti na pele o que pagar juros para nossos bancos.
      Sua avaliação é péssima.

    3. Alem do mais esse pessoal do PT detesta o trabalho, querem sempre dar um jeitinho de aumentar salario e reduzir o tempo de trabalho, vao levar o Brasil à recessao e o molusco será defenestrado em 2026

  3. Bancos centrais de países industrializados e moeda forte são uma coisa, e bancos centrais de países exportadores de commodities e moeda fraca, outra.
    Só tem uma coisa em comum: lá ou cá, são entidades privadas. Trabalham para o lucro de bancos e corporações.
    Dizem que o nosso nasceu autarquia; os de lá, nasceram privados.
    Para consumo externo, apresentam-se, entre outras coisas, como entidades voltadas para o controle dos preços e proteção dos salários.
    Quem quiser que acredite.
    O curioso é que as taxas de juros dos países ricos são baixas; as de países pobres, elevadíssimas. Quaisquer que sejam as causas técnicas disso, o resultado é conhecido: ricos cada vez mais ricos, pobres cada vez mais pobres. Estou falando de pessoas físicas.
    Nada mais natural; quem é rico quer ser mais rico.
    O pobre continua apenas querendo ser rico. Sonho que, ao contrário do outro, nunca acaba. Evidentemente, porque nunca se realiza.
    Minha tese é: o que os bancos centrais de países ricos não podem fazer lá, fazem aqui. Graças ao bendito livre fluxo de capitais. Ao câmbio. E o auxílio luxuoso de uma tributação para inglês ver. E desfrutar.
    Se uma indústria química tentar vender agrotóxicos cancerígenos lá, toma uma multa desgraçada e ainda corre o risco de o seu CEO ir em cana.
    Até a Erin Brockovich sabe disso.
    No entanto, a indústria química tem que vender o que produz; inclusive agrotóxicos cancerígenos.
    Onde vender?
    Fácil: em algum país que não tenha legislação proibitiva nesse setor, ou seja, em um país que não proteja os seus cidadãos desse veneno.
    E quando esse país, além de não legislar o assunto adequadamente, e nem proteger seus cidadãos, tem uma população de mais de 200 milhões de almas, estamos no paraíso. Lá eles, é claro.
    Creio que o mesmo acontece com as políticas econômicas dos bancos centrais desses mesmos países industrializados.
    Vamos para o Brasil, galera, lá eles tem taxa básica de juros de 12,25% ao ano! E vai aumentar nos próximos meses! Vamos manipular o câmbio, aqui em nossos escritórios com ar condicionado, com mulheres, uísque doze anos, e também aquele pózinho branco ali (que diabo é aquilo?), e sabe Deus mais lá o que! Vumbora, galera!
    Como eu sempre digo, o estado de miséria de países como o nosso triste Brasil não é econômica, sociológica, antropológica, ou o diabo; é uma questão cronológica e geográfica.
    Eles saíram primeiro, pelo mundo, para explorá-lo (em nome de Deus, claro).
    E nós temos riquezas a explorar.
    De quebra, nenhuma vontade de mudar esse estado de coisas, por parte de nossa elite mambembe e sabuja.
    Porque o povo, mesmo, sequer fica sabendo dessas elucubrações.

    1. Errado, cara pálida, essa situação foi alimentada pelo barbeiro politiqueiro, Bob Fields, que queimou 60biUSD de reservas durante o desgoverno Bozo e colocou juros a 2%aa sem o menor sentido.

  4. Nassif (e equipe), sugiro que façam uma série de vídeos relacionados à economia, mais especialmente, vídeos didáticos “revelando” a economia, não só a parte mais técnica, mas sim tirando esse véu de “técnico” de assuntos que tem viés de interesse particular e/ou político. Sinto que para a imensa maioria da população, e inclusive a que tende a apoiar o governo, e inclusive a que tenha ensino médio ou superior, as discussões ficam num patamar muito distante, abstrato, quase ficcional. Poderiam fazer peças de 2 a 3 minutos (e recortes menores ainda) respondendo perguntas: porque o dólar sobe ? quem ganha com isso ? e os juros, sobem porque, e precisam subir? o que é movimento especulativo, como é feito, quem faz? se essas variáveis mudam é ruim (ou bom) para todo mundo, ou é diferente para o investidor e o assalariado ? os grandes grupos de mídia tem condições de fazer um debate econômico não enviesado ? juros, câmbio, taxa básica de juros, onde vivem, de que se alimentam ? quem ganha e quem perde quando mais do orçamento vai para pagar juros ? e porque não paramos de vender títulos ? o que poderia acontecer se a taxa de juros fosse aqui como é outros países ?
    Com pequenos pílulas de informação disseminadas pelas redes fica mais fácil desarmar o discurso geral, e entender qual posição nesse jogo todo.

  5. Desde que foram inventados, na ciranda holandesa a serviço da agiotagem generalizada, que os bancos centrais, invariavelmente são galinheiros cheios de raposas na cola. De vez em quando, no comando. O dinheiro é um mecanismo de exercício do poder regulador do Estado; mas sempre tem “Estados paralelos” a dar pitaco. Até que venha o próximo desastre. Como aconteceu na Holanda, pela primeira vez. É no que dá agiota, digo, banqueiro mandando em banco central.

  6. Vejo verdades e excessos no teu texto. Sim, seguimos sendo colônia, antes portuguesa agora norte-americana. A América Latina como a África ainda somos território a ser explorado por países colonialistas de antes e de agora. Para tanto colonizaram nossas elites no modelito sinhozinhos, prestadores de serviços e escravos. Esta é uma realidade inescapável e o Brasil é exemplar. Há áreas onde a colonização tem reações maiores outras menores.
    Neste jogo o BC é usado, como de resto a maioria das instituições, para perpetuar o tal “status quo”. O BC é uma das peças chaves para tanto: tem várias funções mas os dignos presidentes são independentes de governos com bandeiras de esquerda, submissos aos de direita mas, sempre, em favor do 0,5% dos brasileiros. E não só o BC. Nesta “independência” promovem suas suas manobras, por ações ou inações, para inviabilizar uns e facilitar para outros mas sempre favorecendo o 0,5 %. Infelizmente, Lula um grande presidente, não tem a característica do enfrentamento. Duvido muito – mas desejo estar errado – que Galípolo vá promover grandes alterações no BC. No futebol seria um meio de campo distribuindo a bola para a esquerda mas com preferências ao lado direito, um 8 e não um 10 na formação clássica.

  7. Caro Nassif, bom dia de Natal! Concordo com suas análises. Apenas acrescentaria um punhado de sal. Penso que está em marcha um processo de desestabilização do Governo, um segundo golpe. Os ganhos especulativos são apenas a grande cereja do crime de lesa pátria. Abraço.

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