O Banco Central, o ratinho de Pavlov e o homem de Bolsonaro, por Luís Nassif

Qualquer intenção de colaboração entre Fazenda e Banco Central será atrapalhada pelas convicções bolso-mercadistas de Campos Neto.

O que esperar do Banco Central no relacionamento com um governo desenvolvimentista?

A ideia do Ministro Fernando Haddad, da Fazenda, não é o confronto, mas o de implementações que transformem o BC em uma instituição minimamente autônoma?

Como assim, não é um BC independente? Em relação ao governo, sim; em relação ao mercado, sua posição é de total subserviência.

O mercado define as expectativas de inflação, através do Copom. Também define o nível do câmbio, através de uns poucos players com grande poder de fogo e articulação típica dos ambientes cartelizados. Opera o mercado futuro de taxas de juros, sem a menor interferência do Banco Central. 

Controlando as expectativas de inflação, de taxa longa de juros, facilmente induz o Banco Central a operar a Selic na direção pretendida. 

Ué, mas o BC não tem discernimento próprio para definir políticas monetárias autônomas?

Não. O BC foi treinado para operar taxas como o ratinho de Pavlov. Se a expectativa de inflação do mercado sobe, suba-se a Selic. Se as taxas de juros longas operadas pelo mercado sobem, aumenta-se a Selic. Se o governo anuncia a mera intenção de desenvolver o país, o BC solta uma Nota alertando que as expectativas se deterioraram e haverá nova alta dos juros.

Não há nenhuma curiosidade, nenhuma competência técnica para entender os efeitos da cartelização no ambiente de negócios do mercado de taxas ou na formação de expectativas pelo mercado, ou mesmo um mínimo de responsabilidade para entender os impactos dessas decisões sobre emprego, renda, saúde, infraestrutura. O BC é um aquário com uma porta giratória.

Por tudo isso, provavelmente três ideias estarão na mesa para que o BC passe, efetivamente, a atuar como uma instituição independente:

  1. O BC passar a atuar no mercado de câmbio, para impedir oscilações especulativas.
  2. O BC passar a atuar no mercado de taxas, definindo a estrutura de taxas, em vez de deixar nas mãos do mercado.
  3. Alguma mudança no sistema de recompra, no uso de títulos públicos para monitorar a liquidez da economia.

Aí, então, espera-se que o ratinho de Pavlov possa se mover ante novo modelo de formação de expectativas.

O passo final e definitivo, para evitar o poder deletério das políticas monetárias, será a volta ao controle dos capitais, a retomada de princípios de Breton Woods, impedindo o jogo escandaloso de moedas. Maas ainda não é tema no radar da equipe econômica.

O papel de Campos Neto é nítido. Ele se aconselha com o mercado, como admitiu o próprio André Esteves em seminário no seu banco, o BTG Pactual.

Na outra ponta, tem mostrado total falta de compromissos no trabalho com a Fazenda. Conforme a repórter Malu Gaspar, em O Globo

Segundo ela, “quando Lula decidiu que falaria na Argentina sobre o plano de lançar uma moeda comum, (…) o ministério, então, pediu ao BC que enviasse um relatório com informações sobre esse mecanismo para subsidiar o trabalho. Mas não recebeu resposta nenhuma. Depois disso, o ministério tentou fazer reuniões com o BC para discutir detalhes do pacote fiscal do governo e outras medidas em estudo. Mas Campos Neto não teria participado, porque estava no exterior”.

Na véspera da divulgação do comunicado, Galípolo e Haddad chegaram a se reunir com Campos Neto e ouviram dele que não se preocupassem com os juros porque não haveria grandes surpresas. E o que se viu foi uma nota alarmista, bem mais do que o próprio tom do relatório do Copom.

Tudo isso, somado ao fato de Campos Neto participar de um grupo de WhatsApp com Ministros bolsonaristas, ter comparecido à posse de Tarcísio de Freitas no governo de São Paulo, ter ido votar de camisa amarela, reforçam a certeza de que se trata de um quadro bolsonarista plantado no coração da economia de Lula.

Ou seja, qualquer intenção de colaboração entre Fazenda e Banco Central será atrapalhada pelas convicções bolso-mercadistas de Campos Neto.

Luis Nassif

19 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Essa diretória do Banco Central é toda oriunda do sistema financeiro, dos bancos e afins. Gostaria de ver o Governo Lula alterando isso , indicar André Lara Resende e algumas lideranças da área produtiva como presente da Fiesp

  2. Para presidente do Banco Central indico o Nassif e fim de autonomia. A que serve as agências? os combustíveis adulterados são vendidos nos postos de gasolina e a ANP nem se toca. Remédios ruins são vendidos pela internet e nas farmácias e a ANS não toma medidas; Alimentos que estão tornando a população extremamente gordas estão nos supermercados e ninguém toma providências. Os rios e nascentes sedo destruídos e a ANA fica inerte. Defensivos agrícolas que matam são liberados.As agências são cabides de emprego que em mais de vinte anos nada demonstraram.

  3. Há várias notas na imprensa avisando que não há a menor chance do Senado tirar Campos Neto da presidência do BC, onde tem mandato até o final de 2024, e é também nula a possibilidade de Câmara e Senado votarem outra lei, anulando a independência do Banco Central. Então, se isso é verdadeiro, só vejo uma saída: o governo Lula negociar com Campos Neto.

  4. Não consigo ler a expressão “convicções bolso-mercadistas de Campos Neto.” Não só porque a palavra ‘convicção’ soa amaldiçoada aos meus ouvidos nesses tempos moro-weberianos, mas porque não vejo o que qualquer convicção que porventura esse Campos Neto possa ter a respeito do que quer que seja, influencie qualquer de suas ações e atitudes à frente do BC. Ele pode ser tudo, funcionário do Mercado Financeiro, beneficiário desse mesmo Mercado, áulico ou sabujo da Faria Lima, mas suas eventuais convicções não desempenham papel nenhum nisso. Ele pertence a esse maravilhoso mundo novo da financeirização, desconhece qualquer coisa fora dessa redoma, provavelmente despreza a pessoa de Bolsonaro como qualquer outra pessoa minimamente civilizada ou razoavelmente informada despreza; é como um Rothschild, ou seja, desde que permitam a ele controlar a emissão de dinheiro no país, ele está andando e andando para o presidente de plantão. Agora, se você atravessar o caminho dele, ou seja, aquele caminho que leva ao ganho fácil e sem trabalho (a não ser o dos outros), se prepare para ser ‘suicidado’ dentro de um palácio presidencial em chamas, ou para passar uma boa temporada numa masmorra em Curitiba.
    Financistas não tem convicções; isso é trabalho sujo, que eles deixam para os juristas, rosas e sérgios da vida, infelizmente abundantes aqui nessas paragens. O mercado, tal como aquele outro deus antropomorfo, exige ser obedecido e adorado. Campos Neto, bom menino obediente e temente ao seu Deus, somente tem ouvidos e olhos para atender e servir ao seu senhor.
    #somostodosratinhosdepavlov

  5. Retrato da nossa Pusilanimidade: Presidente eleito, Governo empossado, Cidadãos ávidos pelo Progresso… Aí aparece um Office-boy dos rentistas excretando mais juros impunemente…

  6. Nos autos da ADI 7273, que foi proposta pelo PV, a presidência da república defendeu há alguns dias a constitucionalidade da norma que permitiu ao Banco Central legitimar transações com toneladas de ouro extraídas ilegal e criminosamente por garimpeiros das áreas indígenas. Na prática, a presidência não apenas considera uma tecnicalidade mais importante do que o genocídio Yanomami. Ele quer que esse tido de incidente continue ocorrendo no futuro com ajuda do Banco Central. Algumas vezes a pressão de Lula contra o presidente do BC é verdadeira, outras ela é Fake. Isso precisa ser colocado em pratos limpos.

  7. É evidente que a sociedade brasileira, tirando a parcela infima da população banco financista ou a zelite drogada no vício da jurolândia e sua míRdia, NÃO QUER JUROS ALTOS. Portanto é inacreditável o barulho que se faz quando alguém apenas diz que temos os juros mais altos do planeta. Este é o país onde se defende tudo ao contrário na narrativa pública(da).

  8. Pelo visto deixaram o mercado colocar uma ameba robot no comando do BC. Agora é pensar em uma maneira legal de extirpar este cancro submisso, do atraso, do comando daquele que nunca deveria ser dependente e escravo do mercado.

  9. Ciro Gomes é o oposto do PT, apesar de ser mais desenvolvimentista, e republicana e honestamente declarou o que deve ser feito: o Presidente convida Campos Neto a se demitir de seu cargo. Sem espinafrar ninguém. Com Estado e Economia não se brinca.

  10. Pergunta inocente: a lei é igual para todos conforme manda a Constituição? Se é, por que os membros do COPOM têm imunidade total? Segunda pergunta inocente: favorecer deliberadamente o mescado vadio, digo, financeiro, em detrimento dos interesses do País, não seria crime de traição? Terceira pergunta inocente: por que, então, a imunidade?

  11. Fora Faria Lima. Fora Campos Neto. Acredito que o jornalista Luis Nassif seria um grande presidente do BC. Ajudaria nas Cozinhas Solidárias do MTST, na saúde dos Yanomâmis, na reforma agrária do MST, no orçamento da Saúde, no Minha Casa minha Vida, no Bolsa Família, na recuperação da educação básica. Ou seja, acredito em um BC voltado para o povo que sustenta esse Brasilzão.

  12. A pressão precisa continuar.
    ….Faz parte do jogo quando O presidente do BC tem um mandato, assim são em outros países……

    Em geral o Presidente do BC pede demissão e o governo indica um novo mandatário…..
    …No mais é da política ao criticar publicamente e enfaticamente a política do Banco Central, o governo do presidente Lula passa a responsabilidade pelas dificuldades na recuperação econômica ao Banco Central.
    ….mas ao passar bola da responsabilidade, é preciso continuar jogando, aumentos reais para o salário mínimo, expandir os financiamentos do BNDES, E DO projeto Minha casa Minha Vida.
    ….na faixa do Salário Mínimo e do Bolsa Família, tudo que se recebe vira consumo…

    E bola para frente…, Bem para frente…

  13. Antes das eleições li nesses blogs de mercado financeiro que mesmo com Lula na presidência eles tinham o controle do país por meio do BC.E bradavam na matéria: ” O BC é nosso”.

  14. Só procurar podres do cata. Escancarar a influência de setores interessados no aumento dos juros. Agora o problema da compra sigilosa de ouro pelo BC já é um bom começo, caso confirmado.

  15. A Câmara dos Deputados aprovou na noite de quarta-feira, 10, o projeto de autonomia do Banco Central (PLP 19/2019), que define os mandatos do presidente e dos diretores do BC com vigência não coincidente com o do presidente da República e desvincula dos ministérios a instituição financeira que é um dos principais instrumentos das políticas econômicas de governo. A proposta, aprovada por 339 votos a 114, teve origem no Senado e por isso será enviada à sanção presidencial. O projeto recebeu críticas por alinhar o BC à especulação financeira.

    O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou uma síntese na qual alerta que a iniciativa representa o enfraquecimento da autonomia de governos eleitos sobre a economia.
    “Se é importante a autonomia, por que não damos duplo papel, como nos Estados Unidos, cujo órgão tem de se preocupar também com o emprego, evitando a especulação financeira pura?”, indagou Enio Verri, líder do PT

    “O presidente da República não poderá mais trocar a diretoria do Banco Central, exceto em situações especiais. Se, por exemplo, em 2022, o país eleger um novo presidente, com um projeto de retomada da atividade econômica, geração de empregos, desenvolvimento econômico, com redução das desigualdades, ele terá sérios problemas para seguir adiante com os propósitos que o elegeram”, ilustra.

    A justificativa dos defensores das mudanças é que, com o descasamento dos mandatos, seria evitado o risco de interferência do governo na política monetária do país, principalmente em períodos eleitorais.

    “No entanto, é preciso observar que o Banco Central tem autonomia operacional, o que significa que a proposta aprovada representa, na verdade, o enfraquecimento dos mecanismos de política econômica à disposição do governo eleito pela população – seja ele qual for – para enfrentar os graves problemas do país relacionados à desigualdade, ao desemprego, à renda, ao poder de compra dos brasileiros e aos serviços públicos”, diz o comunicado.

    O Dieese cita um estudo do Banco Mundial que identificou nexos entre o aumento da desigualdade e arranjos das instituições responsáveis pela política monetária.

  16. Achar que o Roberto Campos Neto, filho de Roberto Campos Junior, e neto do Roberto Campos, (falecido banqueiro da ditadura militar) está preocupado com o desenvolvimento do Brasil é acreditar que a terra é plana ou que Papai Noel existe. Esses caras só se preocupam com a parte bem de cima da pirâmide. Prá eles o povo é um detalhe (afirmação de Zélia Cardoso de Melo, ministro da fazenda do governo Collor). O Lula tem que continuar batendo não no BCB, e sim no RCN. Água mole em pedra
    burra um dia ou fura ou ela (a pedra) vira poeira.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador