O calote que a Vibra pretende aplicar no mercado, por Luís Nassif

Vibra deu início a um golpe que poderá superar, em falta de limites, o que Lemann aprontou com a Americanas

Com correção: a Cosan participa da Raizen, não da Vibra.

Os CRIs da BR Distribuidora

Em 2007, a BR Distribuidora emitiu CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) afim de captar recursos para construir sua sede, o Edifício Lubrax. Pelos CRIs, o investidor aplica um dinheiro na construção de um imóvel e sua renda virá do contrato de aluguel do próprio imóvel.

O CRI da BR oferecia correção de IPCA +5,0769% ao ano, e um contrato de aluguel até julho de 2031. A BR Distribuidora captou cerca de R$ 276 milhões com a emissão dos CRIs.

A operação foi estruturada por meio da Brazilian Securities Companhia de Securitização. Os CRIs foram lastreados por recebíveis imobiliários, mais especificamente pelos aluguéis pagos pelas unidades da BR Distribuidora.

Os pagamentos de juros eram realizados semestralmente, oferecendo um fluxo de caixa regular aos investidores.

A operação foi importante para reforçar a confiança dos investidores no uso de CRIs como um instrumento de financiamento seguro e atrativo, especialmente quando lastreados por recebíveis de empresas de grande porte e com boa reputação.

No mês passado, no entanto, a Vibra deu início a um golpe que poderá superar, em falta de limites e de imaginação, o que Jorge Paulo Lemann aprontou com as Americanas.

Primeiro, a Vibra entrou com uma ação uma ação judicial contra a Confidere OGB, proprietária do imóvel, questionando as cláusulas do contrato de locação. Alegava que o aluguel de R$ 5 milhões por mês era excessivo e havia descumprimento do contrato pela Considere.

Ora, o edifício era da Considere, mas os aluguéis eram da securitizadora e, através dela, dos detentores de CRIs, pelo menos até 2031. A Considere entrou em crise e o prédio foi vendido por decisão judicial. Mas o leilão judicial, corretamente, vendeu o prédio com ônus de que o comprador cumprisse o contrato.A própria Vibra arrematou com o lance de R$ 133 milhões, valor abaixo do lance mínimo inicial de R$ 212 milhões.

A razão do desconto é que, até 2031, os aluguéis não iriam para o proprietário do edifício, mas para a securitizadora.

O golpe 

O passo seguinte foi declarar à empresa securitizadora que, já que comprou o prédio, não pagaria mais aluguel. Em abril, deu o primeiro calote.  O valor dos aluguéis futuros é de pelo menos R$ 427,8 milhões, segundo cálculos do mercado.

O cálculo da Vibra foi simples. O calote não seria aplicado em um grande banco, mas em um fundo com pouco mais de mil investidores pessoa física. Haveria uma disputa na justiça, na qual tentaria convencer algum juiz incauto dessa lógica confusa. A mídia não entraria na defesa dos investidores, porque, afinal, a Vibra e a BR são grandes anunciantes.

E, aí, se armaria o que ela imaginou ser o golpe perfeito:

  1. A Vibra conseguiu adquirir o edifício por metade do preço, justamente porque os aluguéis futuros estavam comprometidos com o contrato com a CRI.
  2. Ganhou um imenso desconto e, em seguida, economizará deixando de pagar os aluguéis contratualmente devidos. O preço foi baixo justamente devido aos compromissos futuros com aluguel.

Digamos que “A” seja o inquilino, “B” seja o CRI detentor do direito de receber alugueis durante os próximos 7 anos e “C” seja o dono do prédio com direito de receber alugueis apenas a partir do oitavo ano (ou usar o prédio gratuitamente a partir do oitavo ano). Se a Vibra comprar o prédio de “C” e comprar os CRIs de “B”, então, sim, ela terá os direitos de receber alugueis nos 7 primeiros anos e também o direito de usar o prédio gratuitamente a partir do oitavo ano. 

Nesse caso, ela pode cancelar o Contrato de Aluguel alegando que não tem sentido “pagar a si mesma”. Mas a Vibra não comprou de “B” os CRIs. Comprou apenas de “C” o prédio com ônus pagar alugueis a “B” por 7 anos. Assim, ela não é parte e contraparte nos 7 primeiros anos. Ela é apenas devedora dos alugueis, não é simultaneamente credora dos alugueis.

Confesso que, em décadas de jornalismo econômico, é a tentativa mais canhestra de calote que presenciei. Não apenas pelo primarismo, mas pela não avaliação das consequências.

Primeiro, porque a reputação da Vibra no mercado despencará da mesma maneira que a dos três sócios da 3G.

Segundo, porque comprometerá um instrumento de financiamento que, apenas em 2023, captou R$ 48,8 bilhões.

Terceiro porque, se a tese for aceita, será a desmoralização final da segurança jurídica nos contratos.

Quarto porque ficará comprovado que a venda de estatais sempre vem cercada de negócios obscuros.

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14 Comentários

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  1. Em nome “a perda de reputação da empresa não pode abalar o mercado nem o país” o tesouro injetará dinheiro. E tudo continuará abrantes no quintal de dantes …

  2. O Autor acha que “se a tese for aceita, será a desmoralização final da segurança jurídica nos contratos.” Ora, qualquer juiz brazuca sabe, hoje em dia, que pode dar tanto uma determinada sentença numa ação quanto a sentença exatamente oposta, pois estará coberto pela jurispudência ou jurimpudência do STF, que lá na corte supimpa – a corte remota, viajante, gastante e palestrante mundo neoliberal afora – estão cagando e andando para diferenças entre pudores e impudores, lá tudo é permitido.

    Para não ser acusado de injúria, calúnia ou difamação, cito um exemplo: na revisão da vida toda, em 01/12/2022 a corte supimpa deu uma sentença e, apenas 15 meses depois, sem nenhum cataclisma social, guerra ou coisa que ou valha, ou seja, com tudo como dantes no quartel d’Abrantes, a supimpa corte, em 21/02/2024 deu a sentença exatamente oposta.

    E Nassif acha que a desmoralização da segurança jurídica ainda está por vir. Ah, os eternos otimistas.

  3. NASSIF VAMOS FALAR A REAL ESSSAS PRIVATIZAÇÕES RECENTES TUDO MUTRETA PURA COM VÁRIAS IRREGULARIDADES SÓ PRA DAR BILHÕES AOS EMPRESÁRIOS PRIVADOS EM DETRIMENTO DE UMA NAÇÃO INTEIRA!!!
    OBS.:NASSIF NÃO PODE ESCREVER ISSO MAS EU POSSO !!!

    1. Não sei o por quê, mas o Nassif nunca me respondeu se tem alguma cópia de uma revista que foi distribuída gratuitamente em vôos da VASP nos anos 90, onde ele entrevistou o Sérgio Motta então secretário do FHc sobre a PRIVATIZAÇÃO DAS TELES. Meu genro sumiu com meu exemplar, onde o Sérgio MOtta dizia ao Nassif que: “Até 1998 o governo investiria R$ 28 bilhões em melhorias das teles que depois seria privatizada e iniciava a entrevista dizendo que as TELES valiam R$ 130 bilhões, (sendo que o governo detinha apenas 60% das ações. E pasme elas foram vendidas com ágio de 200% por R$ 23 bilhões apenas.

  4. Nassif continua navegando com maestria nos mares da economia e nos volumosos rios das finanças. Se mantém firme e atento aos sinais da sua experiência e também às leituras e aos alertas que surgem através das antenas de seu radar do conhecimento.

    Contudo pergunto quando cessará a ameaça de surgir fortes maremotos e trágicas tempestades devido ao possível namoro que o STF insinua com a insegurança jurídica?

    Eu entendo que enquanto o STF não se redimir e fechar a porteira que abriu, quando protagonizou o vergonhoso e covarde vexame de promover a distorção abusiva de ADIs em punhais traiçoeiros, que apunhalaram as costas da Constituição, da Legalidade, do Poder Judiciário e um pouco de milhares de aposentados.

    Enquanto não se desculparem pela grave e absurda distorção premeditada, debochada e multiplicada de valores e de beneficiados pela RVT, também irão assistir a multiplicação delinquente dos abusos e dos desrespeitos às leis e as supostas autoridades, que dela deveriam obedecer, respeitar e defender ao custo que for, sem ceder a qualquer tipo de tentação.

  5. Para ter noção de como a apuração da análise é ruim, basta constatar o conteúdo da foto que ilustra o texto: na imagem, vê-se o empresário Rubens Ometto, fundador da Cosan. Esta, por sua vez, não tem nada a ver com a Vibra (antiga BR Distribuidora). Se eu fosse a Cosan, processaria o “jornalista” e o “portal”.

    1. Tirando a foto trocada, algo mais na matéria está errado? Porque apenas trocar uma foto não invalida outros fatos. Pesquisei sobre o assunto e tem muitas matérias tratando isso como CALOTE.

  6. Todo o sistema humano de interação e convivência reside, antes de tudo, na confiança. Sem confiança não há relacionamento saudável. Nos negócios então, nem se fale. Houve quem dissesse um dia sorrindo: ” quero toda a terra e mais 5% “. Olha a maravilha, o cidadão queria a terra toda, o equivalente a 100% e o que sobrasse, apenas o que sobrasse ele tomaria pra ele, ou seja 5%.E então Todo mundo acreditou nele e confiou-lhe os seus valores. Surgiu então o banqueiro, afinal, por que não confiar tudo o que se tem a quem diz que vai tomar conta como se fosse próprio enquanto você não está. Esse cara está na bíblia, na parábola dos 10 talentos, já contada pelo divino aos seus discípulos. Hoje ele é banqueiro, segurador, construtor, especulador, e só tem um discurso, batido e sempre convicente: ” se você não sabe o que fazer com o seu dinheiro? dê-me que eu sei. E sabe, só quem não sabe é quem tem dinheiro sobrando e o confia a quem não trabalha, nunca tabalhou e sempre vai explorar a quem trabalha.

  7. Caro Nassif,
    Eu sou Debenturista da LIGHT e tomei um belo de um calote. Agora VIBRA?
    Está na hora de ter alguma agência classificando o risco de emissor nesse mercado de securitização privado. Eu basicamente não invisto mais em emissões de empresas com sede no Rio de Janeiro. O Risco é muitíssimo alto !

  8. A VIBRA exerceu seu “direito de preferência” como Locatária do imóvel, conforme previsto na Lei do Inquilinato. Ao tornar-se proprietária, deveria mesmo (do ponto de vista legal, não do ponto de vista moral) honrar o contrato que a CONFIDERE firmou com a securitizadora, e que tinha lastro no contrato desta com a VIBRA, note-se: contrato que perdeu o objeto na operação de compra e venda do imóvel?

    1. Quando as partes do contrato se confundem, esse perde o objeto. Obrigação que um sujeito assume consigo mesmo, cumpre se quiser. Os terceiros envolvidos que procurem seus direitos.

  9. É de arrepiar os cabelos a audácia desses abutres privateiros, que esgrimem uma tese vagabunda que qualquer estudante de direito saberia rebater (caso escancarado de violação da boa-fé objetiva nos contratos, venire contra factum proprium e enriquecimento sem causa). Se o Judiciário aceitar esse golpe de meio bilhão de reais lastreado numa tese jurídica de boteco como essa, CRIs e FIIs de papel sofrerão uma maxidesvalorização na marcação a mercado, ainda que não estejam expostos a risco semelhante, o que poderá significar o fim desses instrumentos. Espera-se que o juiz dê uma reprimenda épica nesses chicaneiros da Vibra, e que nunca mais consigam captar um tostão sequer no mercado de capitais, precisando recorrer a empréstimos bancários convencionais, a juros de agiota. A propósito, desde que privatizaram a BR, ainda por cima permitindo a esses privatas continuar a usar a marca da Petrobras, enganando o consumidor, nunca mais abasteci meus carros na bandeira. Boicotem a Víbora.

  10. https://jornalggn.com.br/coluna-economica/o-calote-que-a-vibra-pretende-aplicar-no-mercado-por-luis-nassif/

    https://jornalggn.com.br/coluna-economica/entenda-o-golpe-da-vibra-no-mercado-por-luis-nassif/

    Ainda sobre o infame calote/bote da “Víbora” nos investidores, venho compartilhar algumas outras informações relevantes que complementam os dois artigos publicados pelo Nassif (links acima). Nos últimos dias dei uma lida nos principais contratos e documentos envolvendo o prédio em questão, que fundamentaram a securitização dos recebíveis imobiliários e a emissão dos respectivos certificados, cujo pagamento agora é contestado pela sucessora da BR. Apesar de eu não possuir esse CRI em carteira (ou cotas de FII que o tenha), e não sofrer, pois, qualquer impacto direto do caso, detenho alguns títulos do gênero de outros emissores, o que me despertou o interesse de entender melhor os fundamentos dessa emissão específica e os eventuais riscos jurídicos sistêmicos desses títulos, ou seja, até onde pode haver contaminação.

    Como já bem explicado antes, a então BR Distribuidora contratou a construção de um prédio sob medida para suas necessidades, o qual se comprometeu a ocupar mediante locação de longo prazo (contrato conhecido como BTS, “built to suit”). A construtora passou adiante os direitos sobre os recebíveis futuros (aluguéis), que foram securitizados e vendidos a investidores, com os recursos revertendo para a construção do edifício. Construído este e passados mais de dez anos de plena vigência do contrato original, a construtora-proprietária entrou em dificuldade financeira, o prédio foi a leilão e a Vibra, sucessora da BR Distribuidora como locatária, em razão de sua privatização, arrematou-o com grande deságio, sem concorrentes, haja vista o contrato BTS estar registrado na matrícula do imóvel. A empresa surpreendentemente declarou então ao mercado que não mais possuía obrigação de pagar aluguel pelo uso do edifício, em razão da confusão contratual entre locador e locatário, e recomendou aos investidores prejudicados que executassem as garantias de seus títulos. Em resumo, essa é a história, mas há muitos outros detalhes dignos de nota – e mesmo outros ainda a serem melhor desvendados.

    Primeiramente, cumpre registrar que são três contratos interdependentes (ou quatro, se acrescentarmos o Termo de Securitização ao qual aderiram os investidores dos CRI) que formam o vínculo entre a locatária e os detentores dos títulos:

    1- Contrato BTS entre a Confidere OGB e a BR Distribuidora, chamado de “atípico” por não ser regulado pelo Código Civil, uma combinação siamesa de contratos de empreitada e locação, sem contudo recepcionar integralmente os respectivos dispositivos legais. Apesar de não ser um contrato tripartite, no qual cessionários de direitos imobiliários tenham participado diretamente, o instrumento é expresso em prever: a possibilidade de securitização de recebíveis, o uso do nome da BR como locatária para atrair investidores, a publicização do contrato via registros públicos e outros mecanismos, a possibilidade de venda, pela proprietária, do direito real de superfície (terreno com a acessão do empreendimento), a obrigatoriedade do contrato para todos os sucessores e cessionários, bem como o uso de arbitragem para solução de conflitos quanto ao pacto, embora com regramento e interpretação de acordo com as leis do Brasil.

    2- Compromisso de Venda e Compra do Domínio Útil (Direito de Superfície) do imóvel, entre a Confidere OGB e o Cidade Nova FII, fundo de tijolo estruturado pela própria construtora e sua holding (Synthesis Participações) para supostamente poder agregar outros eventuais sócios no empreendimento, provavelmente se a captação de recursos via securitização de recebíveis falhasse ou fosse insuficiente. O novo detentor desse direito real (não um simples direito obrigacional, contratual, mas vinculado à coisa em si) assume os poderes de construção e demolição, de usar e fruir a propriedade (perceber seus frutos naturais ou civis – como os aluguéis) e até mesmo revender a edificação, mantidos os direitos residuais dos proprietários originais, em geral quanto ao subsolo. Logo, o Cidade Nova FII passou também a ser o credor de pleno direito dos aluguéis da BR Distribuidora, como legítima sucessora da Confidere no contrato BTS.

    3- Contrato de Cessão de Créditos Imobiliários (direitos creditórios referentes aos aluguéis vincendos da BR), firmado entre o Cidade Nova FII e a Opea Securitizadora (então RB Capital), com a Synthesis Participações (controladora tanto da Confidere OGB quanto, àquele momento, do Cidade Nova FII) e seus sócios pessoas físicas como avalistas, porém sem estabelecer garantias reais (alienação fiduciária, hipoteca ou anticrese sobre o imóvel) contra o não-pagamento dos aluguéis pela BR Distribuidora, tida como uma locatária séria, sólida e muito dificilmente sujeita a falência (lembrando que o contrato BTS original permitia ainda o uso da marca BR na captação de investidores).

    4- Com lastro no contrato acima, a Opea em seguida emitiu CCIs (cédulas de crédito imobiliário), transferidas como garantia a um agente fiduciário a representar legalmente o coletivo de investidores, que por sua vez adquiriram da securitizadora os valores mobiliários em si (CRIs – Certificados de Recebíveis Imobiliários), na forma de adesão ao Termo de Securitização, que detalha toda a operação. Os valores pagos, deduzidos das respectivas comissões e participações, retornam cadeia acima, remunerando cada agente, passando pela securitizadora, o FII e desaguando enfim na Confidere, como recursos para a construção do imóvel.

    Todos esses negócios jurídicos corriam muito bem, plenamente adimplidos, até que o impeachment de Dilma abriu caminho para várias mudanças de rota na Petrobras; duas especialmente impactaram o caso presente: a privatização da subsidiária BR Distribuidora, tornada Vibra Energia S.A. (apesar do direito de continuar a usar a marca Petrobras, nada mais tem a ver com esta, o que até poderia ser questionado pelos MPs como fraude contra os consumidores), bem como o fechamento da Universidade Petrobras, a impressionante universidade corporativa da empresa que funcionava em edifício (“EDICIN”) no mesmo bairro da Cidade Nova, no Rio de Janeiro, a um quarteirão de distância do Edifício Lubrax (sede da BR/Vibra e cujos aluguéis são objeto da controvérsia) e situado bem de frente para a então sede da Confidere OGB/Cidade Nova FII/Synthesis Participações. Não cheguei a apurar se estas tinham alguma relação prolongada com a Petrobras também na locação do EDICIN, se foram impactadas financeiramente pela desocupação do prédio, o que deixo para a colaboração de outros colegas, mas de todo modo destaco abaixo um suposto efeito indireto.

    Desde que assumiu a antiga BR, a Vibra começou a questionar de várias formas o contrato BTS original, abrindo processos de arbitragem (sigilosos) contra cláusulas expressas do mesmo. Segundo os relatos disponíveis, primeiro tentou renegociar os valores dos aluguéis, supostamente com o argumento de que outros edifícios na região tinham m2 muito mais barato (seria justamente o EDICIN abandonado?), embora o preço do aluguel fosse cláusula essencial do BTS, para viabilizar a construção nos termos pretendidos; quando no fim de outubro de 2022 a Confidere fez o chamamento da Opea ao processo arbitral, como parte diretamente interessada e impactada, a Vibra tentou impedir, alegando que a securitizadora não é parte do contrato BTS. Um ano depois, começou a dar calote nos pagamentos e agora comunica oficialmente ao mercado que não pagará mais nada, com uma sopa de alegações duvidosas, como a de ter sido “obrigada” a adquirir o prédio no leilão para evitar sua aquisição por um concorrente, ou que a confusão jurídica entre locador e locatário extinguiria o contrato e todas suas obrigações; ora, vários argumentos fracos justapostos não fazem um argumento sólido, assim como um amontoado de indícios temperados por convicções não fazem uma prova.

    Vamos por partes, uma vez que há várias questões em jogo, além de algumas lacunas. Antes da Confidere ter entrado em crise e o imóvel ter ido a leilão, a Vibra era sucessora apenas da BR no contrato BTS, como simples locatária com obrigação de pagamento dos aluguéis à cessionária/sub-rogatária Opea, em virtude do encadeamento dos contratos de venda de direito real de superfície e de cessão de créditos imobiliários, todos de conhecimento da primeira. Quando o prédio foi a hasta pública, supostamente a propriedade integral do mesmo já estava reconsolidada, isto é, o direito real de superfície vendido ao Cidade Nova FII já havia retornado ao antigo proprietário, a Confidere; do contrário, o leilão da parte apenas desta última seria apenas de um valor residual do imóvel, sem o domínio útil, e a adquirente Vibra continuaria sem os poderes de uso e fruição do mesmo (enquanto um leilão apenas do direito de superfície, sob domínio então do FII, em nada modificaria o contrato BTS, passando a Vibra apenas a ser a nova superficiária, sem ocupar as posições contratuais da Confidere em ambos contratos).

    Se a propriedade estava reconsolidada sob o domínio da Confidere, não havia mais qualquer direito real gravado no imóvel, o que permitia seu leilão integral para um novo comprador (visando amealhar recursos para pagamento de credores diversos da construtora, estranhos ao negócio em questão); o adquirente do prédio não poderia, contudo, alegar desconhecimento do contrato atípico de locação existente (a Vibra como inquilino por longo prazo) nem que o pagamento dos “aluguéis” já estava devidamente cedido a outrem (a Opea), uma vez que estavam registrados na matrícula junto ao RGI. Ademais, um detalhe juridicamente importante: pela previsão expressa no contrato BTS da possibilidade de cessão de créditos e direitos, inclusive securitização, há bastante tempo já não havia mais a situação canônica de uma locatária continuar a pagar “aluguel” a uma locadora (ou a uma superficiária, enquanto existente), fosse ela quem fosse, e esta ter que repassar autonomamente os valores a um terceiro qualquer, em razão de outra obrigação completamente alheia ao negócio (por exemplo, se a Confidere em caráter pessoal dependesse do recebimento desses aluguéis para pagar o aluguel de outros imóveis que ocupava); não, a cessionária/sub-rogatária dos direitos creditórios em questão, a securitizadora, havia comprado à vista, especificamente e em ato jurídico perfeito, a dívida imobiliária da locatária do Edifício Lubrax, com o pleno conhecimento desta, que há anos inclusive já lhe efetuava diretamente os pagamentos devidos. São descabidas quaisquer alegações, pois, de que o vínculo da Confidere/Cidade Nova FII/Synthesis com a Opea era de natureza pessoal e que cabe a esta última apenas entrar no concurso de credores sobre a massa falida do grupo ou mesmo executar os avalistas (e eventualmente suportar as ações dos titulares de CRI contra si, com desdobramentos imprevisíveis sobre todo o mercado de CRIs e CRAs).

    Com a arrematação do edifício pela própria Vibra, o que aconteceu então? No contrato BTS, ela passou a ocupar tanto o polo de locatária como de locadora (“confusão”); todas as obrigações entre ESSAS partes ficam, pois, extintas, mas por óbvio não aquelas previamente transferidas a terceiros, haja vista se tratar de um contrato atípico firmado entre iguais, não um contrato padrão pela lei de locação. Como presumimos acima que já houvera o retorno do direito de superfície ao proprietário original, o segundo contrato já não existia, ainda antes da hasta, mas da mesma forma essa “confusão” entre (semi-)nu-proprietário e superficiário não anulava de modo algum a perfeita cessão dos créditos imobiliários já feita pelo FII para a securitizadora; logo, o vínculo obrigacional entre a Vibra e a Opea subsiste, independentemente de confusões supervenientes entre outras partes, do contrário todo o mercado de compra e venda de créditos e dívidas não se sustentaria, por completa insegurança jurídica. Pode-se inclusive verificar que existem muitos CRIs e CRAs no mercado lastreados em negócios entre subsidiárias e holdings; pela tese viboresca, em um breve exercício de reductio ad absurdum, bastaria então a subsidiária ser reincorporada pela holding para ocorrer a “confusão”, extinguir os direitos creditórios e dar calote nos investidores? Claro que não.

    Logo, creio que no processo arbitral, sigiloso, o argumento principal para o “calote” não seja a confusão entre polos, mas uma cláusula do contrato atípico que permite à locatária opor violações contratuais da locadora aos cessionários dos direitos creditórios. Porém, tal precisa ser lida não de forma avulsa, mas à luz do contrato como um todo, de que tal disposição visa proteger a locatária em caso de rescisão antecipada e desocupação por culpa da locadora (situação em que ela não é obrigada a continuar a pagar os aluguéis, devendo a locadora responder pelos créditos, por exemplo obtendo nova locatária). Não é o caso, a Vibra em nenhum momento foi impedida de continuar a ocupar o prédio, inclusive continua lá, em nenhum momento houve causa de rescisão antecipada – o fato do prédio ter ido a leilão por dividas da locadora não é causa expressa prevista para tal, uma vez que o contrato BTS está averbado no registro do imóvel. O discurso de que a Vibra estava correndo risco de um concorrente arrematar o prédio e acarretar-lhe problemas, o que a teria obrigado a adquirir o imóvel, é conversa para boi dormir, tanto é que não houve outros interessados. A Vibra esgrime uma hipótese remota, do futuro de pretérito, para justificar uma violação contratual no presente. Daí junta a listar argumentos furados para tentar robustecer a tese, como a tal história da confusão, esgrimida como um “Ovo de Colombo” jurídico – que até soa engraçado como anedota numa roda de advogados no boteco, mas que num processo parece coisa de advogado formado por faculdade particular de quinta categoria, como a propósito existem várias no Rio. Claro, salvo se não for uma forma de tentar diferir pagamentos a juros inferiores aos de mercado, de criar confusão (no sentido leigo), contando que a complexidade do caso e o elevado número de partes e contratos envolvidos levem a um longo litígio até ser confirmada sua obrigação – e mesmo a uma eventual “surpresa” na decisão dos árbitros, ainda mais em um caso de grande assimetria de poder econômico.

    (Uma curiosidade: outro Ovo de Colombo jurídico que teve seus 15 minutos de fama recentemente foi a tese da possibilidade de cobrança extrajudicial de dívida prescrita, acatada inicialmente no âmbito do conservador TJSP em vários processos, como um surto. Os autores da tese argumentavam que a prescrição legal de uma dívida impossibilitava sua cobrança judicial, mas deveria permanecer o direito de fazer cobranças extrajudiciais, seja por meio de importunação telefônica, mala direta, comunicações eletrônicas ou ainda inscrição em cadastros de proteção ao crédito. Pouco tempo depois o STJ acabou com a festa, argumentando com propriedade, em linhas gerais, que tal era uma leitura literal e reducionista do instituto da prescrição, que ignorava a função primordial do Direito de pacificar os conflitos. Coisa de quem tem uma visão puramente dogmática e instrumental das normas – quiçá leitores de resumões -, sem compreendê-las de verdade)

    Por fim, algumas considerações laterais sobre o que saiu na mídia até agora sobre esse caso. Primeiro, são completamente despropositadas as alegações de alguns analistas que o CRI em questão não possui garantias reais, que deveria ter sido prevista alienação fiduciária do imóvel em nome da securitizadora, etc.. OK, poderia até haver, mas tal não é obrigatório e muito menos impeditivo para os investidores brigarem por seus direitos; ademais, uma imensa quantidade de títulos no mercado não possui sequer garantias fidejussórias como esse, sendo de natureza quirografária ou até mesmo subordinada – como os CRAs do BTG e sua subsidiária Engelhart CTP, lançados no meio do ano passado, a maior emissão do gênero na história do país. As garantias reais sobre o imóvel deveriam ajudar principalmente como proteção dos investidores no caso final de insolvência/falência do devedor (no caso, a Vibra), não do antigo credor (a Confidere), uma vez que o novo proprietário do imóvel/sucessor estava sujeito a respeitar o contrato BTS, não podendo alegar desconhecimento; mas obviamente não é o caso aqui, a Vibra não só está plenamente solvente, como seu lucro trimestral é maior que o montante inteiro desse contrato.

    Segundo, parte da mídia vem sonegando alguns fatos do público ou, pior, tomando partido da Vibra com base em argumentos rasteiros como o fato de Nestor Cerveró ter sido um dos subscritores do contrato BTS pela BR Distribuidora, como se o lé tivesse a ver com o cré – e tome falação sobre os escândalos revelados pela famigerada Lava Jato. Ademais, pouco se fala sobre quem são os “acionistas de referência” da Vibra (transformada em corporation, com dispositivos semelhantes àqueles utilizados na privatização da Eletrobras, as famigeradas poison pills, com o objetivo de inviabilizar eventual reestatização); além de fundos das gestoras Dynamo e Black Rock, o fundo Samambaia, de Ronaldo Cezar Coelho (irmão de Arnaldo, o famoso ex-juiz – de futebol – e titular de uma afiliada da Rede Globo no sul fluminense), é o maior detentor de ações individuais, que possui ainda um acordo de voto com a Dynamo para na prática comandar a companhia. Não custa lembrar que o Samambaia também era acionista de referência da igualmente infame Light, junto com Beto Sicupira (sim, também o mesmo do rombão das Americanas) e um fundo do Santander, quando foi dado o calote nos debenturistas, que ainda se arrasta na pantanosa justiça fluminense. Junto com o Banco Central e a escancarada manipulação da taxa de juros, esses calotes parecem querer destruir a credibilidade do mercado de capitais no Brasil, condenado talvez a ser um liliputiano negócio entre compadres.

    O que vai acontecer no sigiloso processo arbitral? Não faço ideia, Direito não é ciência exata e muito menos técnica isenta. Porém, se forem observadas tanto as normas específicas (os contratos em questão, as leis sobre cessão e securitização de recebíveis, etc.), como as normas gerais (o respeito à boa-fé objetiva nos contratos e a vedação do comportamento contraditório / venire contra factum proprium, as regras comuns do Direito dos Contratos e do Direito das Obrigações, as proteções contra os vícios dos negócios jurídicos – como fraude aos credores – e a vedação do enriquecimento sem causa), espera-se que a Vibra seja condenada não só a retomar os pagamentos, como ocorra o vencimento antecipado da dívida integral; valor a ser pago à vista aos milhares de investidores lesados, acrescido, claro, de juros e educativa multa.

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