O pacto do governo Lula com o mercado, por Luís Nassif

O país já teve financistas que pensavam em ser grandes empresários de um grande país. É hora de abrir espaço para eventuais novas vocações.

Há um campo para um pacto entre governo Lula e o mercado, que não passa pela ideia fixa do déficit zero, do arcabouço e outras inutilidades monetárias. Trata-se de um pacto em torno da neoindustrialização.

Explico.

Há um capital financeiro virtuoso e outro deletério. O deletério tornou-se tão disseminado que se esquece dos aspectos virtuosos do capital financeiro.

O deletério é o modelo atual, no qual há o seguinte moto contínuo:

  1. As políticas restritivas impedem o crescimento da economia.
  2. Mesmo assim, o capital financeiro exige valorização constante dos ativos.
  3. Essa valorização se dá despregando o valor financeiro do valor real dos ativios. Por valor real, entende-se o fluxo de resultados de cada investimento, na forma de dividendos, aluguéis e quetais.
  4. Para atender a essa lógica, adota-se o padrão Jack Welch-Jorge Paulo Lehman. Trata-se de aumentar desmedidamente os resultados imediatos da empresa, ainda que à custa da perpetuação da empresa. Surgem as demissões e os layoffs dos funcionários mais capacitados, a redução dos gastos com segurança, com desenvolvimento. Os exemplos recentes de Kraft Heinz Company, Brumadinho, Americanas, Enel, Light são eloquentes. No plano internacional, a General Eletric e a Boeing estão aí para comprovar os malefícios do modelo.  Aumentam de forma irracional os dividendos, sugam a empresa até o osso e, depois, jogam fora.

O modelo virtuoso é aquele que ajuda nos processos de transformação radical da economia, quando surgem novos setores. O empresário tradicional tem enorme dificuldade em reciclar sua empresa. Afinal, sempre trabalhou dentro de um modelo. É nesse momento que o capital financeiro é fundamental na chamada destruição criativa, ajudando no financiamento de novos setores.

A implantação da indústria automobilística no Brasil, no período JK, foi um caso clássico. No CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da Fundação Getúlio Vargas, há uma carta pessoal de uma senhora a Getúlio Vargas, reclamando dos judeus que fugiram para o Brasil. Dizia ela que eles foram acolhidos pelo país, mas aplicavam seu capital na Argentina. A razão óbvia era o maior desenvolvimento do mercado de capitais da Argentina.

No caso da indústria automobilística, JK impôs duas condições:

  1. A empresa principal deveria ter capital brasileiro. Foi assim que a Monteiro Aranha adquiriu 20% da Volkswagen do Brasil e outros grupos se tornaram sócios de outras montadoras. Firmou-se, ali, um pacto com o grande capital financeiro do país.
  2. Exigiu-se que o setor de autopeças fosse de capital nacional. É por aí que José Mindlin monta a Metal Leve e surgem outras empresas de capital nacional. 

Não se deve esquecer que as Indústrias Klabin passam a fabricar papel e celulose a partir de condições impostas por Getúlio Vargas em um acordo com os Estados Unidos.

Caso o governo Lula decida impor regras similares no programa da neoindustrialização, haveria todas as condições de trazer parte do capital financeiro para financiar as novas empresas e, aí, tendo como cenário futuro, o mercado mundial, e não a manipulação de dividendos que mata empresas..

O país já teve financistas que pensavam em ser grandes empresários de um grande país. É hora de abrir espaço para eventuais novas vocações.

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4 Comentários

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  1. Não há espaço político para isso. E o passado recente recomenda que não realizem qualquer aproximação com o lulismo. O Banco Rural fez e desfez desde os anos 80, mas só foi punido (o banco e seus dirigentes) por se aliar ao PT no episódio que ficou erradamente conhecido como mensalão (palmas para Roberto Jefferson e para Renata Lo Prete: eles ganharam ao dar esse nome em entrevista na FSP em 12/06/2005). André Estevão foi punido pela Sete Brasil; a família Odebrecht pelo conjunto da obra, que chegou mesmo ao submarino nuclear; todos as demais empresas punidas (Andrade-Gutierrez, OAS, etc) na lavajato. Não há empresas e pessoas físicas punidas por se aliar ao tucanismo em SP, MG, GO, CE, RS, MS ou ES ou no próprio governo FHC. Quem se aventurará nessa situação? Ah! Há uma exceção, que explica a regra: Walfrido dos Mares Guia.

  2. PS:

    O problema que o enfraquecimento dos estados nacionais e das cadeias produtivas foi tamanho, com a junção de dois meios: o mercado e as empresa digitais, criando a totalidade capitalista, que aconteceu duas coisas:

    – o capitalismo está ruindo e;

    – qualquer estado nacional que tentar barrar esse processo vai ser engolido pela totalidade, um exemplo?

    Qual é a relação dos fundos com as empresas do tipo Elon Musk?

    Eles hesitariam em apagar dados sensíveis, ou bloquear, ou usar estes dados contra nossa frágil soberania (ou de qualquer outro estado nacional) se contrariados seus interesse?

    Pois é…é disso que se trata.

  3. E qual será a próxima transformação radical da economia? Que novos setores surgirão que estarão infensos à cooptaçao pelo Algoritmo? A era das transformações radicais que nos esperam serão todas concentradoras, de meios, de produção, de distribuição, de tudo. A natureza monopolista do Capital já não comporta novas expansões, somente alterações de escala. Não existe capital virtuoso; este somente é virtuoso para seus proprietários. À medida que os capitais excedentes tem que se deslocar de seu leito natal, ele mostra a face verdadeira, que é sempre predatória para os recursos naturais e humanos que explora e dos quais se alimenta. Mesmo que se descubram novas fontes e jazidas, do que quer que seja, sua exploração só poderá ser feita por países que tem saldo comercial, ou seja, tem excedentes advindos da indústria de transformação. O Brasil é como aquele pobre que conseguiu juntar uma pequena poupança, e não pode gastá-la com nada, senão perde tudo. Se começa a pagar despesas correntes com essa poupança, um dia ela acaba e ele vai pra rua com o pires na mão. O último bonde para a industrialização já passou faz tempo, Nassif, e nós não subimos nele. Essa neoindustrialização, se vier, estará nas mãos do Capital, que, quando isso acontecer, será somente financeiro. O mundo que se exploda, pois eles não estão preocupados com isso. Já tem seus bunkers prontos para recebê-los.

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