O desafio de um modelo exterminador do emprego, por Luís Nassif

Como o Brasil é um país que não consegue diagnosticar nem problemas do passado, dificilmente começará a discutir os problemas do futuro.

Uma medida crucial – diria, até, histórica – foi tomada ontem com baixíssima repercussão na imprensa. Hoje é capaz que os diários acordem e saiam batendo. Trata-se da decisão do governo de definir cotas para a importação de aço e imposto de importação.

Depois de décadas, é a primeira medida efetiva de proteção à produção nacional, além do imposto de importação para carros elétricos.

Foi pouco, abrangeu poucos produtos, mas quebrou-se o tabu. A produção nacional tem que voltar ao centro das políticas públicas.

Mesmo assim, não resolve o grande dilema da nova fase da industrialização: a geração de empregos. O alerta vem de Daniel Rodrik, um dos grandes economistas contemporâneos.

Ele analisa a atual onda de fabricação de semicondutores nos Estados Unidos. No início da abril, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company anunciou a instalação de uma fábrica no Arizona para fabricar os chips mais avançados do mundo. É investimento de US$ 65 bilhões, fortemente subsidiado pelo governo americano. Receberá US$ 6,6 bilhões em doações, é elegível para US$ 5 bilhões em empréstimos e ainda poderá reivindicar um crédito fiscal de até 25% do seu investimento.

Já a Intel receberá uma doação de US$ 8,5 bilhões e US$ 11 bilhões de empréstimos em condições generosas.

Os investimentos serão relevantes para aumentar a competitividade da indústria americana. E a redução de bons empregos foi um dos fatores que estimulou o populismo autoritário. 

Ocorre que, por trás de bordões como “aumento de produtividade”, esconde-se a eliminação de empregos. O que são os indicadores de produtividade? É o valor da produção dividido pelo número de trabalhadores envolvidos.

Segundo Rodrik, a produtividade do trabalho na indústria de transformação dos EUA cresceu quase 6 vezes desde 1950. Mas apenas de 1990 para cá a indústria perdeu 6 milhões de empregos, enquanto 73 milhões de empregos não-agrícolas foram criados, especialmente no setor de serviços.

Quando Trump assumiu, a indústria de transformação respondia por 8,6% dos empregos não-agrícolas. Quando terminou o governo, a participação tinha caído para 8,4%. Biden implementou um programa ambicioso de industrialização. Mas o emprego na indústria caiu para 8,2% dos empregos não-agrícolas.

Volte-se aos investimentos da TSMC no Arizona. Eles gerarão apenas 6 mil empregos, ou mais de US$ 10 milhões por posto de trabalho criado.

Esse fenômeno ocorre em todo mundo. A indústria alemã tem uma participação maior no PIB do que a americana. Mesmo assim, diz Rodrik, a porcentagem de empregados na indústria “caiu como uma rocha”. Mesmo na China, o emprego industrial está em queda há mais de uma década.

Constata Rodrik:

“Quer queiramos quer não, serviços como o retalho, o trabalho de cuidados e outros serviços pessoais continuarão a ser o principal motor da criação de emprego. Isso significa que precisamos de diferentes tipos de políticas de bons empregos, com maior enfoque na promoção da produtividade e na inovação favorável ao trabalho nos serviços”.

Esse quadro obrigará a se repensar a Previdência Social. Não se trata mais de tirar benefícios dos aposentados. Mas a base de contribuição precisa urgentemente evoluir para o faturamento, e não para a folha de salários.

Como o Brasil é um país que não consegue diagnosticar nem problemas do passado, dificilmente começará a discutir os problemas do futuro. Mas não custa alertar.

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Luis Nassif

9 Comentários

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  1. Não é só o emprego que está sendo exterminado, Nassif. Todos aqueles que prestam serviços (advogados, dentistas, engenheiros, mecânicos, etc) estão sendo jogados na lata do lixo. Em 2023 ganhei 10% do que ganhava em 2015 (um rendimento menor que o que tinha quando era estagiário). Quando acabar o que tenho guardado o que eu vou comer: propaganda do governo Lula? Não foi para isso que eu votei nele.

  2. não é só problema da previdencia.
    sem emprego não tem consumo. se não tem consumo as industrias fecham. se as industrias fecham os capitalistas não ganham. esse é o dilema.
    é ruim em.

  3. Uau, um dos melhores economistas atuais?

    E?

    O que isso quer dizer?

    Nada, absolutamente nada.

    O único acerto dele foi sobre a natureza dos empregos, serviços e outros de caráter não produtivo ou derivado de setores principais.

    A questão, senhores, eu vou desenhar:

    Não há como girar a roda da história aí contrário.

    O capitalismo está no fim.

    O meio virou fim em si, quer dizer, meios.

    Mercado virou moeda(padrão de troca).

    E o valor virou anti valor(juros).

    Não há mais produção que extraia uma mais valia (mais valor) voltada a realimentar a produção de bens de consumo por quem produz (trabalho).

    O juro se reproduz pela alavancagem e não como remuneração amortizada do capital.

    O produto não é mais o bem, mas o dado e o serviço.

    Já era.

    Tal processo acelera ainda mais a condição descartável das periferias (nós).

    Se não tributar e emitir moeda, já era.

    Quer dizer, já era de qualquer jeito, mas pelo menos, seria um atraso para que respiremos.

    1. Gostei do vaticínio “o capitalismo está no fim”. Só gostaria de saber o que vem em seguida, não os sonhos, mas o que a realidade projeta.
      E quanto ao atraso para que respiremos, e nossos filhos e netos?

      1. Tá no texto, Evandro.

        Anarco(sem estado) narco (óbvio) rentismo digital extrativista (mineração de dados).

        Uma espécie de feudalismo digital ultra violento e ultra individualista.

        Sem capitalismo, o estado perde sus razão de ser, assim como suas formas externas (superestrutura) de controle das suss sócio reproduções.

        Isso poderia ter acontecido via luta de classes, com a superação dialética e dominação pela classe produtora dos meios de produção.

        Não deu.

        Eles entenderam Marx melhor que a esquerda.

        Agora já era…
        É torcer para um fim rápido e indolor, que não teremos.

  4. Nassif, convide o professor Nildo Ouriques, pois, ao que parece, ele tem um diagnóstico muito bem definido dos problemas passados que nos levou a esse brutal subdesenvolvimento e dependência.

  5. Tá no texto, Evandro.

    Anarco(sem estado) narco (óbvio) rentismo digital extrativista (mineração de dados).

    Uma espécie de feudalismo digital ultra violento e ultra individualista.

    Sem capitalismo, o estado perde sus razão de ser, assim como suas formas externas (superestrutura) de controle das suss sócio reproduções.

    Isso poderia ter acontecido via luta de classes, com a superação dialética e dominação pela classe produtora dos meios de produção.

    Não deu.

    Eles entenderam Marx melhor que a esquerda.

    Agora já era…
    É torcer para um fim rápido e indolor, que não teremos.

  6. Nassif, essa transferência de governança, para o mercado, é uma situação preocupante e será a nova escravização, não pode meia dúzia de bilionários, usando a tecnologia, e defenestrando a razão humana e seus empregos, vivencia cultural e política. Já se fala nesse meio controlador e de donos de inteligência artificial e redes sociais, que o problema agora é remunerar minimamente os seres humanos, porém há outro problema quem vai comprar a produção 100% automatizada, me fez lembra um filme antigo com o Woody Allen chamado Sleeper, o mais curioso disso é que as soberanias dos estados, estão sendo transferidas para esse malucos, e não há uma reação dos seres humanos e nem dos seus representantes.

  7. “Esse quadro obrigará a se repensar a Previdência Social. Não se trata mais de tirar benefícios dos aposentados. Mas a base de contribuição precisa urgentemente evoluir para o faturamento, e não para a folha de salários.”

    Excelente ponto. Acrescento outro: a tributação sobre grandes fortunas poderia ser alcançada como critério para progressividade no imposto de renda; isto é, a definição da alíquota de IR não deveria ser exclusivamente com base na própria renda, mas também no montante de bens e direitos. Muito patrimônio, menos necessidade de renda extra a engordá-lo… Distribua a riqueza, se quiser alíquotas menores!

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