Em um deserto de boas reportagens, a Folha publicou um trabalho detalhado, de autoria de Alexa Salomão, sobre a privatização da Eletrobras. Nele, ela mostra como tendo menos de 1% de participação nas ações com direito a voto, passou a controlar o Conselho Deliberativo da empresa. É o mesmo jogo que transformou Daniel Dantas em controlador da Brasil Telecom e da Telemig Celular, com parcela mínima de capital.
O que chama a atenção é o silêncio constrangedor de lideranças industriais e das próprias comercializadoras de energia, a um poder extraordinário nas mãos dos chamados “piranhas financeiros” – na figura de Jorge Paulo Lehman e da 3G.
O termo foi cunhado no Chile, pós-queda de Salvador Allende, quando financistas sem nenhum escrúpulo passaram a se apossar de bens públicos. Coube a Pinochet acabar com a brincadeira, mandar para a prisão o mais atrevido dos “piranhas” e reestatizar o maior banco público privatizado.
A Eletrobrás é peça central no equilíbrio do setor elétrico brasileiro. Possui quase 50% dos reservatórios nacionais. Tratam-se de peças centrais para o modelo elétrico, pois são o fator de equilíbrio para as flutuações das chuvas.
Quando há escassez de chuvas, os reservatórios ajudam a regularizar a oferta de água, impedindo a explosão de preços. Em períodos de abundância de chuvas, consegue reduzir o custo da energia.
O que acontecerá com a Eletrobras privatizada, sendo gerida da mesma maneira que as Americanas? Hoje em dia, ela é a grande fornecedora de energia contratada – com preço regulado, destinada às distribuidoras e ao abastecimento de residências e pequenas empresas. Com abundância de água, a energia poderia estar muito mais barata. Mas são beneficiados apenas os grandes grupos, que adquirem energia no mercado livre.
Justamente por isso, grandes consumidores de energia julgam estar a salvo dos malefícios trazidos pela privatização da Eletrobras.
O argumento para a privatização foi a necessidade de investimentos no setor. A primeira atitude da Eletrobras privatizada foi recomprar suas ações. Agora, está utilizando sobras de caixa para adquirir usinas hidrelétricas, aumentando a participação na geração.
O que ocorrerá em um ano de poucas chuvas? O país inteiro ficará nas mãos da Eletrobras, e do estilo Jorge Paulo Lehman. Conforme mostramos em vários artigos, o estilo Lehman consiste em explorar o máximo possível as empresas controladas, sugando recursos através da geração de dividendos, esmagando fornecedores e funcionários.
Com a geração de energia em suas mãos, a 3G jogará o preço da energia onde pretender, Nesse momento, grandes indústrias, comercializadoras, distribuidoras entenderão o monstro que foi criado sem nenhuma reação.
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Isso que aconteceu com a Eletrobrás seria impossível nos Estados Unidos, na França ou Grã-Bretanha. Ao contrário da elite americana, que sempre teve uma noção muito clara de país, de Estado como instrumento para a posse e controle do território americano, o mesmo valendo para a elite francesa e a britânica, a elite brasileira é invertebrada, imediatista, pensa apenas em “LUCRO AGORA”, jamais teve noção de Estado, jamais entendeu o Estado brasileiro como algo a ser defendido e fortalecido para com ele controlar o território, promover seu desenvolvimento e enriquecimento. A elite brasileira funcionou sempre como uma força invasora, cujo objetivo primeiro e único é saquear o território. Quem primeiro percebeu isso foi Joaquim Nabuco, depois Manuel Bomfim, que fez um diagnóstico da inércia e do parasitismo das forças sociais e econômicas que sempre impediram o desenvolvimento do país. Na Guerra do Paraguai o Exército acabou se consolidando como uma força progressista e promotora do desenvolvimento, em oposição aos fazendeiros e rentistas, esses particularmente dominantes no tráfico de escravos; funcionando assim até à ditadura de 1964, que terminou se justificando pelo enorme crescimento econômico que promoveu. A economia brasileira até 64 era uma bobagem periférica. Isso tudo acabou. Os militares que construíram Itaipu são hoje apenas uma corporação de privilégios, sem o menor interesse no país.