Um governo encurralado e sem planos de vôo, por Luís Nassif

O terrorismo fiscal se manifesta em todos os momentos. A síndrome da “gastança” é o tema mais frequente dos jornais.

Na área econômica, a palavra mais falada é “sequestro”, um governo sequestrado pelo mercado. Para público externo, o discurso é de manter o arcabouço fiscal, ainda que ao custo da desvinculação dos benefícios do BCP, da transferência de recursos do FGTS para o Seguro Desemprego (esvaziando mais uma fonte de financiamento) e do afastamento gradativo de Lula da sua base.

Agora, acena-se com tributação de dividendos – uma cobrança que ocorre em qualquer país civilizado, mas por aqui é visto como heresia.

O único expediente estudado é conseguir com algum fundo soberano, talvez algum fundo chinês, recursos para a venda de títulos de longo prazo, diluindo um pouco o poder de chantagem do sequestrador – o tal do mercado, que detém 90% dos títulos públicos e conseguiu elevar o dólar e as taxas longas à máxima do ano com alguns petelecos.

Não se contabiliza o passivo dessa estratégia: o afastamento gradativo de Lula de sua base, o enfraquecimento de qualquer tentativa de política pública responsável. Mesmo à luz dos desastres da Enel e das enchentes de Porto Alegre, os prefeitos de ambas as cidades devem se reeleger, mostrando como a falta de uma lanterna, por parte do Brasil civilizado, leva a boiada para o matadouro..

O terrorismo fiscal se manifesta em todos os momentos. A síndrome da “gastança” é o tema mais frequente dos jornais. E não explicitam relações de causa-efeito entre cortes e disfuncionalidades do setor público. Hoje mesmo, a inoperância da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) é atribuída ao governo, que cortou parte de seu orçamento. O próximo passo será a desvinculação da saúde e educação.

Beco sem saída

Até onde se pretende chegar? A estratégia atual é um beco sem saída.

A dívida pública só fica estabilizada, como proporção do PIB, se a taxa real de juros for equivalente à taxa de crescimento do PIB. O IPCA anualizado de agosto de 2024 ficou em 4,24%.

No mesmo período, segundo o último relatório do Tesouro:

  1. O custo médio da Dívida Pública Mobiliária Federal Interna foi de 10,64%. Taxa real de 6,14%
  2. As LFTs (Letras Financeiras do Tesouro), que acompanham a taxa Selic, custaram 11,36%. Taxa real de 6,83%
  3. As LTNs (Letras do Tesouro Nacional), pré-fixadas, pagaram 10,53%. Taxa real de 6,03%.
  4. As NTN-C (Notas do Tesouro Nacional Série C), atreladas ao IGP-M, pagaram 14,85%. Taxa real de 10,18%,

Hoje em dia, a relação dívida/PIB está em 78,3%. Mantida a taxa real de 6% de custo da dívida, para estabilizar nesse patamar, o país deveria crescer 3% ao ano e gerar um superávit primário de 2,3%.

Se crescer a 2% ao ano e gerar um superávit de 1%, em 10 anos a relação dívida/PIB estará em mais de 100%.

No quadro atual, de sequestro da dívida pelo mercado, não há a menor possibilidade de escapar da armadilha. Com crescimento do PIB de 2% ao ano, para manter inalterada a relação dívida/PIB o superávit primário deveria ser de 3,1%.

O crescimento é estimulado pelo investimento público puxando o privado. Com obrigatoriedade de gerar superávit, não há espaço para investimento público – a não ser que se corte saúde, educação, BCP, salário-desemprego, pegue o boné e vá embora da política.

Quando a economia ameaça um pequeno aquecimento, poderia gerar receita fiscal para investimento. Mas, imediatamente, vem o terrorismo fiscal dizendo que aquecimento significa mais inflação. Como consequência, induz o sequestrado BC a aumentar a Selic, as taxas longas, para que o mercado se aproprie da receita fiscal excedente.

Compare com as taxas de juros reais de países desenvolvidos (taxa nominal descontada a inflação):

França: -0,29%

Estados Unidos: 1,75%

Japão: -2,54%

Tome a taxa básica real dos EUA: 1,75%. Se a do Brasil fosse semelhante, com a economia crescendo a 2% ao ano, a relação dívida/PIB cairia sem necessidade de nenhum superávit fiscal. E ainda sobrariam 0,25% do orçamento para investimentos públicos.

E como falar em investimento privado com as taxas de crédito em níveis assombrosamente elevados.

Dá para entender onde se dá a gastança?

O grande problema é que cada passo para escapar do “sequestrador” corrói o capital político do governo. E a síndrome de Estocolmo sepultará todos os sonhos de reconstrução de um novo país.

Como lembrou outro dia um entrevistado do GGN, sem ter atribuições constitucionais, o mercado refaz a Constituição a poder de marteladas e chantagens.

24 Comentários

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  1. O problema não é o governo estar encurralado. Isso era previsível. O problema é o governo estar acoelhado, sem iniciativa e totalmente à mercê da onda neoliberal. Nem o partido, nem o presidente, fazem qualquer esforço real para mobilizar os corações e mentes dos brasileiros. Então eles são recrutados pelas bolhas de mentira e desanimam.

    1. A incapacidade voluntária do governo federal em atuar contra os ditames do mercado é notória e lamentável. Lula trafega pelo “centrismo” onde sempre esteve. Antes ainda tinha alguma ousadia e deu dinamismo ao país. Mas agora está entregue e rendido ao mercado via diálogo com o Haddad. É prisioneiro consentido da mídia falida que vive e sobrevive às custas do BC e, portanto, jamais irá aceitar redução da SELIC para níveis que permitam crescimento do país e redução da dívida. Não se vê em Lula manifestações sistemáticas em contraposição à tomada do orçamento federal pelo mercado, gastança de 40% que não recebe o contraditório e atuação federal.
      A mídia que “combate”, falsamente, a existência da dívida “esquece” a redução do percentual via juros não-extorsivos e desenvolvimento, este dito como “gastança” mas não os juros indecentes do BC.

      1. “Acoelhados” estamos todos!… Porque o verdadeiro Poder é o Poder Econômico!… É aquele que nos corrompe ou violenta e nos “acoelha”!

  2. O GOVERNO ESTÁ SEQUESTRADO POR SUA PRÓPRIA DECISÃO. PRO QUE NÃO ALTERA A META DE INFLAÇÃO DE 3% PARA 4%? FRAQUEZA, MEDO E CUMPLICIDADE COM O RENTISMO. O INIMIGO DO GOVERNO NÃO ESTÁ NA FARIA LIMA. ESTÁ NO ESPELHO!

  3. “TUDO É PEQUENO NAS ASAS DA PANAIR”*
    (Paulo Bastos)
    Dizem que quanto mais adquirimos conhecimento, mais experimentamos o sofrimento. No meu caso, eu troco o “sofrimento” por indignação.
    Acabo de ler uma notícia sobre um adjutório do governo federal – é, Lula, nem tudo são flores! – às companhias aéreas, de R$ 4 bilhões!
    Segundo a notícia, “o valor não será considerado no cálculo da meta fiscal, evitando que isso impacte no fechamento das contas públicas.” Que bela mitigação (palavra da moda).
    Curioso: investimento em saúde e educação, ao contrário, prejudica a austeridade fiscal, segundo o mercado que, repetindo o mantra do liberalismo econômico, tem a cara de pau de defender “menos Estado”. Mas, só para o povo!
    O escárnio maior está em que nenhuma dessas socorridas companhias aéreas – com o dinheiro do contribuinte! – se dispôs a ceder uma só aeronave para resgatar brasileiros, recentemente, na Faixa de Gaza e no Líbano!
    Eu estou indignado! Que importa, porém? Os aeroportos estão abarrotados.
    ______________________________________________________________
    * Milton Nascimento, na canção “Saudade dos aviões da Panair”.

    1. O contraditório não é feito pelo governo que apanha pelo que faz e que deixa de fazer. Tem que apanhar mesmo por bobos.
      A maior rubrica do orçamento federal vai para uns poucos, percentualmente, e não é explicitado pelo governo federal.
      Apanham quietos pelo montante da dívida e não aclaram ao povaréu.
      Saúde, ensino, desenvolvimento, etc é “gastança” mas quase metade do orçamento não.

  4. Isso tudo porque o governo covarde do Lula não tem coragem de peitar essa gente.
    Peite, tenham um pouco de coragem.
    Taxe dividendos, estabeleça a taxa real de juros em 2%a.a. taxe fortunas, crie uma tabela progressiva de irpj como a que existe para pessoas físicas.
    Corrija a tabela do IRPF em 100% e crie aliquotas mais altas, tipo 35 e 42,5%.
    Se for para combater inflação, aumente o IOF sobre compras parceladas, aumente o compulsório dos bancos, etc etc
    TENTE, explique à população o porque das medidas e se o congresso não aprovar jogue a culpa da desgraça neles.
    CRIE coragem, ENFRENTE, desmascare o mercado para a população.
    TOME CORAGEM PORRA!
    Para isso tem de mandar o taxadd e a tebetucana embora para ontem.

    1. Jossimar qual a razão de taxar os super-ricos em 2 % se o salário e aposentadorias pagam quase 20% ?
      Mirem-se no exemplo “das mulheres de Atenas” ou nos países europeus.
      DE onde saiu a fortuna deles ?
      Por que não uma única alíquota para TODOS os ganhos ?
      Brasil quintal de uns colônia de outros . . .

  5. FHC diz que lei é ‘fim da era Vargas’ – 14/2/1995
    É o sonho de fegaçê (o pavão mysterioso) realizado!
    Getúlio: “Na carta, Getúlio denunciava que uma campanha subterrânea dos grupos internacionais aliara-se à dos grupos nacionais, procurando criar obstáculos ao regime de proteção ao trabalho, às limitações dos lucros excessivos e às propostas de criação da Petrobras e da Eletrobrás.”
    Salve-se quem puder!

  6. Bom, depois da “farra” das quatro eleições consecutivas, era de se esperar que o Mercado-O-Estado-Sou-Eu adotasse uma estratégia diferente. As encenações tipo ‘mensalão’, ‘lava-jato’ são boas para um de seus acólitos – a Mídia Corporativa – mas, a partir de um determinado ponto, tornam-se dispendiosas e contraproducentes, além de darem protagonismo a gente indesejável, como os moros e bolsonaros da vida. Melhor mesmo é esta chantagem sub-reptícia, subjacente, que chega ao destinatário certo – leia-se Fernando Haddad – e transfere a estes o ônus da impopularidade. O proscênio não serve aos bancos e corporações; para estes, não há falas que lhes garantam empatia ou popularidade. O papel de ‘mocinhos’ não lhes cai bem, e cinismo não angaria adeptos. Sobra o apelo à vaidade e ambição de terceiros – e Haddad e Simone Tebet cumpriram esse papel, ontem, aqui mesmo no GGN. Após os 580 dias, Lula definiu sua atuação política: apenas e tão somente naquele espaço que o binômio Bancos-Corporações lhe permite se mover. Qualquer indicação de querer fugir a esse curral é logo detonado, elegantemente e sem alarde, atacando os alvos certos. Corrupção, peculato, dar destaque a essas coisas é tiro no pé, se é que me entendem. Melhor mesmo adotar a sutileza (onde cabe a chantagem), e o apelo às fraquezas facilmente identificáveis, principalmente a ambição política.

  7. O deslanhe e o sucesso do governo são empedidos pelo Cèrbero . Uma cabeça é a Mìdia, a outra os financistas tipo o Campos, que lucram com a Selic, com os Juros e por fim os fascistas oportunistas que trabalham contra o Brasil tal qual o “presidente” ( com D minísculo que nem ele) da Aneel.

  8. Tudo isso é verdade mas o poder de manobra do governo é pequeno no atual cenário, contudo, passadas as eleições e colocados na cadeia os terroristas de 08 de janeiro o ambiente ficará mais respirável e o governo terá que adotar táticas diferentes para vencer os 2 anos até a próxima eleição e, estrategicamente, reforçar o caráter ideológico como ferramenta para conseguir um Congresso mais progressista e levar essas questões para o próximo mandato, a menos que Lula o faça com uma virada de foco; o deus mercado pode muito mas não pode tudo e tem limites também. O Brasil assiste a uma chantagem financeira pelo sistema bancário e por seus agentes na mídia e no Congresso; é hora de buscar quem realmente produz para lutar contra a insanidade da taxa Selic ( empresariado que vive de sua produção e trabalhadores que carregam seus negócios) e que hoje são reféns do sistema financeiro.

    1. Pelo que sei, muito de nosso empresariado que produz lucra mais com o “financeiro” do que com a produção!… Nossos financistas controlam muito mais do que o BC!

  9. É preciso desmascarar essa conversa mole de déficit divulgando, p.ex. que o déficit anual dos EUA é de quase 400 BILHÕES de dólares ou mais de 2,2 TRILHÕES de reais anuais.
    O déficit acumulado (dívida) está em cerca de 1,9 TRILHÕES de dólares ou mais de 10,6 TRILHÕES de reais.!
    O que falta ao governo atual é
    C-O-M-U-N-I-C-A-Ç-Ã-O.

      1. Sim Moacir, este “verdadeiro poder” nunca esteve com o todo da sociedade. Entre eleições, golpes e ditaduras, o braZil tem espasmos de autoridades democráticas e eterno poder dos <1%, fora o externo que os controla.
        Lula tem admirável habilidade politica mas apesar de tudo foi até preso por este poder de fato.
        Hoje, muito pior do que nos seus 2 primeiros mandatos, ele o enfrenta (míRdia, redes, empresários, banqueiros, ruralistas, religiosos, militares, poder externo, o pior congresso da história., etc.) apenas com sua habilidade.
        É pouco, mas é o que temos.
        Diferente disso, só "na porrada"…

  10. Nessas contas precisa projetar o aumento da arrecadação do IR, devido à tributação sobre o juro das aplicações financeiras. De qualquer forma, temos juros reais irreais. Em algum momento, o ajuste das contas públicas virá pela aceleração da inflação,e os assalariados pagarão a maior parte da história.

  11. Concordo que estamos (muito) mal. Porém, e MUITO respeitosamente, discordo da tese do “governo sequestrado”, posto que, como “saída”, o governo poderia convocar, por exemplo, uma banca de notáveis para arregimentar um NOVO rearranjo econômico, cuja a produção/industrialização coordenada fosse “A” questão central. Agora tem que existir CORAGEM e CRIATIVIDADE para tal. É melhor agora do que depois que tiver perdido a base social, vide o que aconteceu com a presidente Dilma. Nós sabemos que é possivel

  12. O tratamento a docentes das IFEs é, provavelmente, o maior (e pior) exemplo de como se atira no próprio pé. Passou despercebido, da grande mídia, a derrota acachapande da ex-governadora do CE e ex-Secretária Executiva do MEC de 2023 a 2024, Isolda Cela (PSB). Apoiada pelos irmãos Ivo (atual prefeito) e Cid Gomes (ex governador e ex prefeito), pelo prórpio marido Veveu Arruda(PT)ex prefeito da cidade, pelo governador Elmano (PT) e pelo proprio ministro da Educação e ex Governador Camilo Santana(PT), perdeu para um deputado estadual do União Brasil, Oscar Spindola Rodrigues Júnior, milionário e dono de faculdades privadas. É certo que há de se contar com desgaste do longevo domínio da cidade sob os Gomes e os aliados do PT, mas não se deve desconsiderar o que tem se passado no país inteiro. Sobral tem um Campus da UFC há quase 25 anos, com milhares de estudantes e de cidadãos atendidos por profissionais de Medicina e Odontologia. Há que se averigar até que ponto o desempenho sofrível da candidatura das esquerdas advém da insastifação docente como tratamento humilhante que o governo tem dispensado à catégoria (e também aos técnicos adminsitrativos) e dos cortes frequentes em verbas pra Saúde e Educação que impactam diretamente à população que depende de tais atendimentos. As universidades públicas federais contam com mais de um milhão de estudantes, fortemente influenciados pela percepção que os próprios têm das condições do ensino superior público e também pelos docentes e técnicos, que muito pouco obtiveram do governo na greve deste ano (bem menos que categorias públicas longe de comporem base política da esquerda, a quem o tratamento dispensado foi oposto – todas as polícias federais, por exemplo). Nosso PT tem tido histórico de mau tratamento às carreiras de profissionais da educação superior desde os governos Dilma, o que continua (o staff que corroeu a carrera docente nas não negociações de 2012 e 2015, por exemplo, é mantida no MGI hoje). O que se passou em Sobral de certo que se passou por desgaste na acadêmia, que se relfete no cotidiano da cidade, e que deve ser compreendido para que não se repita em larga escala (se é que já não o está ocorrendo) em 2026.

    1. Jorge Paulo Lehmann perdeu em Sobral. Além disso, procura-se ministro da Educação. Lula poderia permanecer um pouquinho no Brasil e conversar, conversar. Vale lembrar, também, que mesmo os rebaixados termos impostos pelo MGI/Fazenda/Planejamento aos docentes ainda não foram implementados.

  13. Só um desastre em proporções apocalípticos para dar condição ao governo de governar. Caso contrário, é sangrar até cair morto. A turma do algoritmo está arrogantemente sentada sob o poder, e falo não é de nerds, operadores; e sim de ladrões operando o sistema.

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