Uma política nacional de construção de creches, por Luís Nassif

Por que não direcionar as obras do PAC para a construção de creches com metas claras de oferta de vagas até 2030?

Governo Federal

O grande dilema da comunicação pública é um só: a incapacidade, até agora, de mostrar didaticamente à opinião pública as principais diferenças entre o projeto neoliberal e a social democracia e o papel do Estado nessa disputa.

Uma social-democracia defende a ampliação dos serviços públicos aos cidadãos de menor renda. Fazem parte desse modelo o SUS (Sistema Único de Saúde), a rede pública de ensino, os institutos federais, a universidade pública gratuita. 

No entanto, todo dia a opinião pública é sacudida pelas críticas ao tamanho do Estado, pela “gastança”, sem que a comunicação pública – e dos setores socialmente responsáveis – mostre didaticamente a diferença, para a população, entre um modelo e outro.

Sem esse contraponto, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, ou na Europa, prevalece um nível notável de ignorância líquida, do qual prevalece a direita. Como escreveu dia desses James Carville – o estrategista responsável pela vitória de Bill Clinton contra George Bush – “é a economia, estúpido!”.

Mas este “é a economia” precisa ser bem entendido. Não bastam indicadores econômicos favoráveis, como mostrou a derrota de Joe Biden ou o desgaste do governo Lula. A opinião pública não possui discernimento para entender relações de causalidade. O que muda comportamentos são medidas que beneficiam diretamente o cidadão. 

É o que explica Donald Trump ter vencido as eleições norte-americanas de cabo a rabo, como representante da indignação popular, mesmo com uma política econômica já anunciada de corte de impostos das grandes corporações e corte em programas sociais. A comunicação do Partido Democrata em nenhum momento soube explicar, para o cidadão comum, as diferenças entre suas propostas e as dos republicanos.

É o que explica a adesão, até hoje, ao bolsonarismo e à política econômica de Paulo Guedes, arrasando qualquer compromisso do Estado com políticas sociais, pesquisas. Ou o apoio a Tarcísio de Freitas, com privatizações que irão explodir as tarifas de saneamento, como já explodiram até os custos dos enterros em São Paulo, beneficiando grupos econômicos, dentre os quais firmas de engenharia de compadres militares.

Valeria a pena assistirem o TV GGN 20 horas de ontem, com João Cezar de Castro Rocha e Lênio Streck.

Qual a razão do sucesso dos seguidores da teoria da prosperidade, dentre os evangélicos? Oferecer apoio espiritual e, em muitos casos, apoio econômico aos seus fiéis. Ou seja, benefício direto. Décadas atrás, um direitista empedernido escreveu sobre a cara do brasileiro – merecendo uma capa da indescritível revista Veja. Apresentava o brasileiro pobre como desrespeitador da lei, dos hábitos civilizados em contraponto ao brasileiro instruído.

Na época, montamos um seminário com o jovem Renato Meirelles, que se tornara especialista na análise do público de baixa renda. Sua análise era certeira, em cima de demandas do dia a dia.

O rico quer exclusividade no seu consumo. É capaz da madame ter chilique se for a uma festa e descobrir outra senhora com vestido igual. O pobre compartilha suas descobertas de consumo.

Não peça a um rico para ficar com os seus filhos, se tiver um compromisso noturno de última hora. O pobre fica.

Ele estudava o potencial de consumo da periferia e das comunidades, em um momento em que políticas públicas melhoraram consideravelmente o poder aquisitivo dos mais pobres. Constatou que o pobre se intimida com desníveis sociais, especialmente em shoppings com vendedoras mais sofisticadas que a própria clientela. Desconfia dos jornais, da TV. Acredita na vizinhança, nas conversas nos armazéns e supermercados da periferia. A opinião dele se forma lá.

Qual a maior demanda das famílias pobres na atualidade, indaga Castro Rocha. Creches para seus filhos, especialmente em uma quadra da história na qual ampliou-se a necessidade da mulher trabalhar. Por que não direcionar as obras do PAC para a construção de creches com metas claras de oferta de vagas até 2030?

Creches atendem à principal demanda das famílias de baixa renda. Podem movimentar as pequenas empreiteiras municipais. Um programa desses, é verdade, exigiria um belo planejamento do governo federal, a montagem de sistemas de fiscalização das obras, envolvendo órgãos de controle, participação da sociedade civil.

Ora, o país tem uma tecnologia social invejável, com as conferências nacionais, os conselhos de participação, os conselhos tutelares, com a própria rede de igrejas, independentemente da religião professada.

Mais que isso, estudos do Instituto Alana mostraram que as sociedades mais criativas são aquelas que, nos primeiros anos de vida das crianças, proporcionam a elas atividades lúdicas. Quando implementou seu vitorioso programa de educação inclusiva, o Ministério da Educação, sob Fernando Haddad, montou salas especiais, com ferramentas de apoio à educação inclusiva que eram oferecidas a escolas que aderiram à inclusão. O MEC poderia fazer o mesmo com as creches, definindo modelos pedagógicos de estímulos sensoriais às crianças atendidas.

Em suma, é um programa que junta pequenas empreiteiras municipais, associações de secretarias da educação municipais, associações de prefeituras, MEC, órgãos de controle, conselhos tutelares, conselhos de participação de pais e mães. Enfim, um desafio à altura de uma Tereza Campello ou de outra grande empreendedora pública.

Há que se redescobrir o caminho das pedras na organização da sociedade em torno de grandes demandas como esta como a saída contra a barbárie do individualismo da ultradireita.

7 Comentários

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  1. As creches em Sampa principalmente são terceirizadas para emoresas de fachadas de políticos nima mamata bem gotosa mas já sei o estado está inchado e não presta !!! Obs. Nassif fui convidado tb para a posse da extrema direita conservadora ops quer dizer a direita conservadora do comédia Thuamp !!!

  2. Excelente ideia. Construir creches e pré-escolas é fundamental para que se alfabetize na idade certa, 8 anos. Há municípios em que 70% não se alfabetizam na idade certa. E não ficar pra traz é fundamental pra garantir a conclusão do ensino médio, o que aumenta em média 37% a renda familiar. Em cada estado, o défict de vagas em creches e pré-escolas é enorme. Apurar a evolução destes números anualmente é minha sugestão de pauta pro GGN.

  3. Perfeito Nassif! Ouvi o debate entre o professor Castro Rocha e o Lenio streck e já estou à espera do próximo, sugerido pelo segundo. Precisamos ajudar o governo com sugestões como essa das creches, fundamental.

  4. Sou de esquerda, se fosse americano votaria em Kamala Harris , mas ela não perdeu por causa da comunicação inadequada sobre a economia nos Estados Unidos, perdeu porquê representava o atual governo de Joe Biden que foi simplismente muito ruim, em seu governo houve a chegada de um governo radical no Afeganistão, os ataques de 7 de outubro em Israel e o atual conflito em Gaza, além da invasão da Ucrânia pela Rússia, não votaria em Trump, mas no governo Biden houve muito mais mortes que no governo Trump, nestes conflitos morreram mais de 600000 pessoas, o partido democrata não fez uma boa política externa.
    Além disso, Camala apoia a legalização do aborto e lá nos Estados Unidos a maior parte da população é contra esta prática, neste caso eu estou de acordo com Trump.
    O partido democrata tinha que ter escolhido alguém contra a legalização do aborto e que não representasse o governo Biden, ele nem deveria ter tentado a reeleição.
    Aqui no Brasil a esquerda deve abandonar esta ideia de legalizar o aborto, aqui no Brasil não existe esta ênfase muito grande no individualismo de que a pessoa é livre para fazer o que quiser, para mim este conseito se relaciona a um cauvinismo enviezado, esta crença defende que Deus escolheu as pessoas que seriam salvas, parece não se relacionar ao tema, só que se relaciona, já que esta crença se infiutrou muito nos EUA e as pessoas se sentiram um ouco exclusivas, inclusive as que se consideram sem religiões, elas começaram a pensar que suas ações são certas, esta temática influencia a esquerda de lá,dos EUA, lá também não tem um sistema único de saúde, como temos aqui no Brasil.
    Sobre o texto em se, concordo com a construção de novas creches, seria bom para a classe média porquê haveria mais concursos para professores e monitores, que seriam mulheres, o que garantiria a oportunidade de empregos com estabilidade, que é a forma correta.
    Se a esquerda brasileira abandonar a legalização do aborto ganha as próximas eleições.

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