Covid-19: Quanto mais lenta a vacinação, maior o número de mortes e maiores as chances de novas variantes

É a segunda semana consecutiva com taxas de crescimento abaixo de 0,2%. Mas preocupa perceber que a campanha de vacinação arrefeceu

Por Felipe A. P. L. Costa [*].

RESUMO. – Este artigo atualiza as estatísticas mundiais a respeito da pandemia da Covid-19 divulgadas em artigo anterior (aqui). No caso específico do Brasil, o artigo também atualiza os valores das taxas de crescimento (casos e mortes) publicados em outro artigo (aqui). Entre 2 e 8/8, essas taxas ficaram em 0,1621% (casos) e 0,1613% (mortes). São os valores mais baixos desde o início da pandemia. É a segunda semana consecutiva com taxas abaixo de 0,2%. Mas preocupa perceber que a campanha de vacinação arrefeceu. Levamos 18 dias para ir de 30% a 40% da população vacinada com ao menos uma dose. Todavia, levamos 27 dias para ir de 40% a 50%. Quanto mais gente a circular ou quanto mais lenta a vacinação, maior será o número de mortes. E mais: maiores serão as chances de que surjam variantes ainda mais infecciosas ou letais.

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1. UM BALANÇO DA SITUAÇÃO MUNDIAL.

Levando em conta as estatísticas obtidas na noite de ontem (8/8) [1], eis um balanço da situação mundial.

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(A) Em números absolutos, os 20 países [2] mais afetados estão a concentrar 78% dos casos (de um total de 202.635.280) e 81% das mortes (de um total de 4.292.478) [3].

(B) Entre esses 20 países, a taxa de letalidade segue em 2,2%. A taxa brasileira segue em 2,8%. (Os outros três países da América do Sul que também estão no topo da lista têm as seguintes taxas: Argentina, 2,1%; Colômbia, 2,5%; e Peru, 9,3%.)

(C) Nesses 20 países, receberam alta 142 milhões de indivíduos, o que corresponde a 90% dos casos. Em escala global, 183 milhões de indivíduos já receberam alta [4].

2. O RITMO ATUAL DA PANDEMIA NO PAÍS.

Ontem (8/8), de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados em todo o país mais 13.893 casos e 399 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 20.165.672 casos e 563.151 mortes.

Na comparação com as estatísticas da semana anterior (26/7-1/8), os números de casos e de mortes declinaram.

Foram registrados 227.314 novos casos – uma queda de quase 9% em relação à semana anterior (249.695). Foi a semana com o número mais baixo desde 16-22/11.

Desgraçadamente, porém, foram registradas 6.317 mortes – queda de 8,6% em relação à semana anterior (6.910). Foi a segunda semana consecutiva com menos de 7 mil mortes desde 11-17/1.

3. TAXAS DE CRESCIMENTO.

Os percentuais e os números absolutos referidos acima pouco ou nada dizem sobre o ritmo e o rumo da pandemia [5]. Para tanto, sigo a usar as taxas de crescimento no número de casos e de mortes.

Vejamos os resultados mais recentes.

Em comparação com os valores da semana anterior (26/7-1/8), as médias da semana passada (2-8/8) declinaram (ver a figura que acompanha este artigo).

A taxa de crescimento no número de casos caiu de 0,1802% (26/7-1/8) para 0,1621% (2-8/8) [6]. A taxa de crescimento no número de mortes caiu de 0,1785% (26/7-1/8) para 0,1613% (2-8/8).

Os valores acima são os mais baixos desde o  início da pandemia (ver a figura que acompanha este artigo) [6, 7].

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FIGURA. A figura que acompanha este artigo ilustra o comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 28/6/2020 e 8/8/2021. (Valores acima de 2% não são mostrados.) A sucessão mais prolongada de médias mais baixas nas duas séries (casos e mortes) foi observada entre 11/10 e 8/11, razão pela qual o período é referido aqui como o melhor mês. Logo em seguida, porém, note como as duas nuvens de pontos experimentaram rupturas e mudaram de rumo. E note como o apagão que houve na divulgação das estatísticas, na segunda quinzena de dezembro, rebaixou artificialmente as duas trajetórias. A campanha de vacinação teve início em 17/1. Os percentuais em azul escuro (1%, 5% etc.) indicam a parcela da população brasileira vacinada com ao menos uma dose, entre 1/2 (0,99%) e 5/8/2021 (50,8%) [8]. A chamada CPI da Covid foi oficialmente instalada em 27/4.

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CODA.

As sucessivas quedas observadas nas taxas de crescimento (casos e mortes), ao que tudo indica, são reflexos da campanha de vacinação. Essas quedas, no entanto, ainda não autorizam o abandono das (frouxas) medidas de proteção que foram adotadas por governadores e prefeitos. Por quê? Porque as estatísticas (em números absolutos) ainda estão muito altas. Há muita gente circulando e quanto mais gente estiver a circular, maiores são as chances de que variantes ainda mais infecciosas e letais passem a predominar. (A variante delta, por exemplo, é muito mais infeciosa. Entre outras coisas, isso significa dizer que o tempo de exposição necessário para se estabelecer uma infecção é muito menor do que era com a variante original.)

De resto, cabe notar que o ritmo da vacinação arrefeceu nas últimas semanas. Levamos 18 dias (21/6-9/7) para ir de 30% a 40% da população vacinada com ao menos uma dose. Todavia, precisamos de 27 dias (9/7-5/8) para ir de 40% a 50%.

Não custa repetir: Quanto mais gente a circular ou quanto mais lenta a vacinação [9], maior será o número de mortes. E mais: maiores serão as chances de que surjam variantes ainda mais infecciosas ou letais.

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NOTAS.

[*] Há uma campanha de comercialização em curso envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço [email protected]. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Vale notar que certos países atualizam suas estatísticas uma única vez ao longo do dia; outros atualizam duas vezes ou mais; e há uns poucos que estão a fazê-lo de modo mais ou menos errático. Alguns países europeus (e.g., Suécia, Suíça e Espanha) insistem em não divulgar as estatísticas em feriados e fins de semana. A julgar pelo que informam os painéis, o comportamento da Suécia tem sido particularmente surpreendente e vexatório. Acompanho as estatísticas mundiais em dois painéis, Mapping 2019-nCov (Johns Hopkins University, EUA) e Worldometer: Coronavirus (Dadax, EUA).

[2] Os 20 primeiros países da lista podem ser arranjados em sete grupos: (a) Entre 34 e 36 milhões de casos – Estados Unidos; (b) Entre 30 e 32 milhões – Índia; (c) Entre 20 e 22 milhões – Brasil; (d) Entre 6 e 8 milhões – França, Rússia e Reino Unido; (e) Entre 4 e 6 milhões – Turquia, Argentina, Colômbia, Espanha, Itália e Irã; (f) Entre 2 e 4 milhões – Alemanha, Indonésia, México, Polônia, África do Sul, Ucrânia e Peru; e (g) Entre 1,9 e 2 milhões – Países Baixos.

[3] Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, tanto em escala mundial como nacional, ver os cinco volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

[4] Como comentei em artigos anteriores, fui levado a promover a seguinte mudança metodológica: as estatísticas de casos e mortes continuam a seguir o painel Mapping 2019-nCov, enquanto as de altas estão agora a seguir o painel Worldometer: Coronavirus.

[5] Insisto em dizer que a pandemia chegará ao fim sem que a maior parte da imprensa brasileira (grande ou pequena; reacionária ou progressista) se dê conta de que está a monitorar a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e bastante superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, em escala mundial e nacional, ver a referência citada na nota 3.

[6] Entre 19/10 e 8/8, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,5% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1), 0,66% (11-17/1), 0,59% (18-24/1), 0,57% (25-31/1), 0,49%(1-7/2), 0,46% (8-14/2), 0,48% (15-21/2), 0,53% (22-28/2), 0,62% (1-7/3), 0,59% (8-14/3), 0,63% (15-21/3), 0,63% (22-28/3), 0,5% (29/3-4/4), 0,54% (5-11/4), 0,48% (12-18/4), 0,4026% (19-25/4), 0,4075% (26/4-2/5), 0,4111% (3-9/5), 0,4114% (10-16/5), 0,4115% (17-23/5), 0,38% (24-30/5), 0,37% (31/5-6/6), 0,39% (7-13/6), 0,4174% (14-20/6), 0,39% (21-27/6), 0,27% (28/6-4/7), 0,2419% (5-11/7), 0,21% (12-18/7), 0,23% (19-25/7), 0,1802% (26/7-1/8) e 0,1621% (2-8/8); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1), 0,47% (11-17/1), 0,48% (18-24/1), 0,48% (25-31/1), 0,44%(1-7/2), 0,47% (8-14/2), 0,43% (15-21/2), 0,48% (22-28/2), 0,58% (1-7/3), 0,68% (8-14/3), 0,79% (15-21/3), 0,86% (22-28/3), 0,86% (29/3-4/4), 0,91% (5-11/4), 0,80% (12-18/4), 0,66% (19-25/4), 0,60% (26/4-2/5), 0,51% (3-9/5), 0,45% (10-16/5), 0,43% (17-23/5), 0,40% (24-30/5), 0,35% (31/5-6/6), 0,4171% (7-13/6), 0,4175% (14-20/6), 0,33% (21-27/6), 0,30% (28/6-4/7), 0,23% (5-11/7), 0,23% (12-18/7), 0,20% (19-25/7), 0,1785% (26/7-1/8) e 0,1613% (2-8/8).

Não custa lembrar: Os valores citados acima são médias semanais de uma taxa diária. Outra coisa: para fins de monitoramento, é importante ficar de olho nas taxas de crescimento (casos e mortes), não em valores absolutos. Considere uma taxa de crescimento de 0,5%. Se o total de casos no dia 1 está em 100.000, no dia 2 estará em 100.500 (= 100.000 x 1,005) e no dia 8 (sete dias depois), em 103.553 (= 100.000 x 1,0057; um acréscimo de 3.553 casos em relação ao dia 1); se o total no dia 1 está em 4.000.000, no dia 2 estará em 4.020.000 e no dia 8, em 4.142.118 (acréscimo de 142.118); se o no dia 1 o total está em 10.000.000, no dia 2 estará em 10.050.000 e no dia 8, em 10.355.294 (acréscimo de 355.294). Como se vê, embora os valores absolutos dos acréscimos referidos acima sejam muito desiguais (3.553, 142.118 e 355.294), todos equivalem ao mesmo percentual de aumento (~3,55%) em relação aos respectivos valores iniciais.

[7] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, ver referência citada na nota 3.

[8] Fonte: ‘Coronavirus (COVID-19) Vaccinations’ (Our World in Data, Oxford, Inglaterra).

[9] Como escrevi em artigos anteriores, uma saída rápida para a crise (minimizando o número de novos casos e, sobretudo, o de mortes) dependeria de dois fatores: (i) a adoção de medidas efetivas de proteção e confinamento; e (ii) uma massiva e acelerada campanha de vacinação.

Como também escrevi anteriormente, os efeitos da vacinação só seriam percebidos – na melhor das hipóteses – quando mais da metade dos brasileiros tivesse sido vacinada. (O que só será possível agora no segundo semestre.) De resto, devemos continuar tomando cuidado com as armadilhas mentais que cercam a campanha de vacinação. Três das quais seriam as seguintes: (1) a imunização individual não é instantânea nem nos livra de continuar adotando as medidas de proteção social (e.g., distanciamento espacial e uso de máscara); (2) a imunização coletiva só será alcançada depois que a maioria (> 75%) da população tiver sido vacinada; e (3) a população brasileira é grande, de sorte que a campanha irá demorar vários meses (mais de um ano, talvez).

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Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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