Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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Para dar alcance ao Isolamento Social devemos proteger o Idoso e o Doente Crônico, por Ion de Andrade

O Lockdown foi o que permitiu à China controlar a COVID-19. Atualmente, os modelos matemáticos demonstram redução importante do contágio quando ele é aplicado.

Para dar alcance ao Isolamento Social devemos proteger o Idoso e o Doente Crônico

por Ion de Andrade

Vamos abordar nesse texto os elementos que justificam que a estratégia brasileira de enfrentamento da COVID-19 conjugue o ISOLAMENTO SOCIAL e a PROTEÇÃO DO IDOSO e do DOENTE CRÔNICO.

A questão da idade

Os idosos representam cerca de 13,8% da população brasileira. No que toca às mortes pela COVID-19 essa faixa etária é responsável nos Estados Unidos por cerca de 80% delas e na Itália por algo como 96% dos óbitos registrados pela doença.

A proporção de idosos na Itália, no entanto, é muito superior à do Brasil, lá eles representam 28,6% da população. Nos Estados Unidos os idosos são 22,1% do total. Se esse fator fosse o único a ser considerado, ter um quantitativo relativamente reduzido de idosos poderia contribuir para reduzir o número de óbitos no Brasil.

Nos Estados Unidos, os internamentos hospitalares pelos idosos representaram 72% do total de internamentos pela doença. Mas isso significa que as faixas etárias mais jovens responderam ainda por elevados 38% das hospitalizações.

No entanto, essa população com idade inferior a 60 anos, que corresponde nos Estados Unidos a 87,6% do total, o responsável por apenas cerca de 20% dos óbitos, ao passo que os 22,1% dos mais velhos, com idade superior a 60 anos, responderam por 80% do total de mortes. Uma assimetria imensa.

Essa evolução clinica mais benigna da doença nos mais jovens, que foram responsáveis por 38% dos internamentos, mas por 20% dos óbitos,  significa também custos hospitalares menores, menor sobrecarga para o sistema de saúde e poderia significar melhores condições de tratamento, caso a população de idosos pudesse ser protegida.

Essas proporções estatísticas que se referem aos Estados Unidos, não são transferíveis para nós exceto pelo fato de que constatamos que há uma assimetria entre gravidade e mortalidade entre as faixas etárias mais jovens que sofrem menos e as mais idosas que sofrem mais.

Os mais jovens se internam proporcionalmente menos, evoluem melhor e morrem menos. Os mais velhos se internam mais, evoluem com maior gravidade e falecem numa proporção muito maior.

Nos Estados Unidos, cada ponto percentual da população idosa eventualmente poupada da doença representaria 3,26% a menos de internamentos e 3,61% a menos de óbitos. Uma enormidade estatística. Na Itália esses números seriam ainda mais expressivos.

No Brasil, embora não possamos ainda fazer projeções, e apesar da nossa população idosa ser menos numerosa do que a dos Estados Unidos, somos obrigados a constatar que a proporção de idosos que vivem na pobreza e que acumularam desvantagens decorrentes da exclusão social, da fome, da miséria e de doenças crônicas, poderia indicar que protegê-los poderia resultar num impacto ainda maior na redução de óbitos e de internamentos do que o que vemos nos Estados Unidos.

 

Comorbidades

No Brasil cerca de 50 milhões de pessoas são portadores de doenças crônicas. Os pacientes crônicos, juntamente com os idosos, dos quais 83% são eles próprios portadores dessas doenças, representam o contingente mais numeroso e vulnerável à COVID-19, e, juntamente com os idosos, os que mais se internam e os que mais morrem.

 

Isolamento Social

O Isolamento Social e sua forma mais rígida, conhecida por Lockdown, vêm sendo o único método de controle da doença. O Lockdown foi o que permitiu à China controlar a COVID-19. Atualmente, os modelos matemáticos demonstram redução importante do contágio quando ele é aplicado.

O Isolamento Social e o Lockdown entretanto, exceto por orientações relativamente  vagas, não têm sido complementado por uma Política Pública e de Educação em Saúde de suporte à necessidade de que o idoso e o doente crônico sejam protegidos no próprio contexto dos seus domicílios e famílias.

Trata-se de uma fragilidade da proposta, que trata a todos, jovens e idosos, como se fossem iguais, e não são. Essa fragilidade se acompanha do risco de que o idoso possa ser contaminado em casa por um parente mais jovem no qual a doença poderá até ter sido leve ou assintomática.

Isso significa que o Isolamento Social requer esse aperfeiçoamento metodológico, posicionando o idoso e o doente crônico no centro dessa política. Se há alguém que deve ser ainda mais protegido no contexto do Isolamento Social é o idoso e o doente crônico.

 

Elementos para a reflexão sobre um modelo

O Brasil está tendo o privilégio de assistir em primeiro lugar na China, depois na Itália e agora nos Estados Unidos o comportamento de uma doença que surpreendeu a todos.

O sofrimento desses povos nos entregou uma epidemiologia, grupos de risco, perfis de adoecimento e letalidade e medicamentos testados que podem trazer esperança a milhões.

O nosso modelo deve levar em conta essa experiência aprendida por outros povos para ser aperfeiçoado.

A política de Isolamento Social deve ser complementada pela compreensão de que no centro desse isolamento existe um idoso ou idosa e um doente crônico que são o núcleo sobre o qual deve atuar com mais rigor e disciplina.

Para que isso ocorra é preciso, dentre outras coisas:

a.    Que os idosos saibam, mesmo os mais autônomos, que devem ter uma vida social mínima e que só devem sair de casa em situações de extrema necessidade;

b.    Que as famílias se esforcem para que o idoso possa usufruir de algum grau de isolamento em casa;

c.    Que as medidas higiênicas recomendadas no contexto da COVID-19 sejam seguidas pelos idosos com a colaboração decisiva dos seus grupos familiares, vizinhos e amigos;

d.    Que as visitas aos idosos se limitem à necessidade, respeitando as normas da etiqueta respiratória da saudação à distância, vedada a visita de familiares sintomáticos e de crianças pois, infelizmente os netos não adoecem, mas transmitem o coronavírus;

e.    Que o Poder Público e a mídia divulguem a imensa relevância da proteção dos idosos e portadores de doenças crônicas para a sociedade como um todo e não somente para eles próprios

f.     Que as famílias mais pobres sejam ajudadas a proteger os seus idosos pelo Poder Público e pela Sociedade Civil Organizada em cada bairro. Onde há Estratégia Saúde da Família, os Projetos Terapêuticos Singulares podem ser utilizados como ferramenta de abordagem de situações familiares mais difíceis;

g.    Que esse conjunto de propostas seja rigorosamente cumprido;

h.    Que, sem prejuízo salarial, os empregados com mais de 60 anos sejam autorizados a ir para casa por tempo indeterminado e cumpram as recomendações recomendadas.

Cada ponto percentual da população de idosos ou de doentes crônicos protegido da doença poderá reduzir em três, talvez quatro pontos as taxas de mortalidade e de internamentos hospitalares.

O modelo de enfrentamento da COVID-19 para o Brasil é manter o Isolamento Social e agregar a ele a Proteção dos idosos e doentes crônicos.

Não podemos titubear!

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

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