Bolsonaro é ao mesmo tempo cúmplice e vítima da própria burrice, por Renato Bazan

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Bolsonaro é ao mesmo tempo cúmplice e vítima da própria burrice

por Renato Bazan

Ombro a ombro no mesmo palanque, cara a cara com a mesma repórter – assim estavam Onyx Lorenzoni e Jair Messias Bolsonaro na última sexta-feira (30), quando uma jornalista os interpelou sobre desistir de sediar a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP-25. O futuro ministro da Casa Civil e o próximo presidente se portavam tensos diante das câmeras, como participantes involuntários de um espetáculo.

“Nós não temos nada a ver com isso”, murmurou Onyx, virando a cara. “Isso é uma decisão do Itamaraty”. Procurou alguma coisa no horizonte e não encontrou.

“Houve participação minha nessa decisão”, revelou Jair, ao mesmo tempo, contrariado. O futuro presidente acredita que a ONU quer sequestrar a Amazônia do Brasil.

E o que pensa o próximo Ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo? Que o ambientalismo é causa de “escritores românticos”, que o aquecimento global é “uma invenção marxista” e que o PT é culpado pela “criminalização da carne vermelha”. Pequenas gemas que renderam-lhe o apelido de “Pastor Tarja Preta” entre os diplomatas.

Desde o início da histeria bolsonarista, transbordam textos sobre os cálculos políticos por trás da retórica incendiária do presidente-eleito, e mais ainda sobre o risco do fascismo crescente. São alertam verdadeiros, que recuperam grandes pensadores e paralelos com o começo do século XX. Mas há um elemento que muito incomoda nessas análises: uma tentativa de entender o mundo aritmeticamente, como se fôssemos sempre criaturas de causa-e-consequência, como se por trás de cada berro houvesse um movimento de xadrez.

Às vezes, a pessoa é só burra. Fala a maior asneira e toma os resultados como se fossem fruto de cálculo. Precisa conviver com as consequências do que disse.

O episódio da COP-25 é um desses clássicos momentos em que uma lambança feita torna-se diretriz. Não havia, entre os aliados de Bolsonaro, a noção de que defender causas ambientais era agredir a soberania brasileira. O próximo ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), dava naquele momento uma entrevista coletiva em que rasgava elogios para a Conferência do Clima. Questionado sobre a nova posição do governo, limitou-se a dizer: “Não conversei com o presidente ainda se a posição dele é essa. Obviamente a gente respeita”.

Fato similar ocorrera com os médicos cubanos apenas alguns dias antes, quando a incapacidade de negociação com Cuba e a OMS levou à retirada unilateral de 8 mil profissionais de todo o Brasil. Cegueira ideológica à parte, o fato concreto permanece: centenas de municípios acordaram sem um único médico para lhes prestar serviço, e a resposta da equipe Bolsonaro foi lançar um edital de emergência mais caro e menos eficiente que uma solução já implementada. Nem mesmo Temer, em sua cavalgada de trairagem, ousou colocar a saúde dos 30 milhões de atendidos em risco. Na balança dos prós e contras, apenas uma pessoa alucinada permitiria um cenário como este.

É o mesmo tipo de raciocínio, ou falta dele, que ocasionou a quase-mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém – um fato desnecessário, sem qualquer consequência favorável, que disparou uma crise internacional sem precedentes entre Brasil e Egito.

A mesma coisa pode ser dita sobre as declarações insultantes de Paulo Guedes contra o Mercosul, ou sobre as de Bolsonaro contra a China – respectivamente, o bloco geopolítico mais importante para questões de segurança nacional, e o nosso maior parceiro comercial.

Por que comprar essas brigas? Por que criar inimigos onde não há nada a ser ganho?

É bem verdade que Bolsonaro cresce diante da polêmica. Mas ele já está eleito, e terá que governar o Brasil de fato, propondo soluções e sofrendo as consequências por suas escolhas. Sua retórica de prostíbulo não ajudará em nada diante de um eventual embargo de carnes halal aos países árabes ou do congelamento do acordo comercial com a União Europeia. Seus memes de WhatsApp não serão substituto para as negociações bilaterais na Organização Mundial do Comércio.

Bolsonaro permanece nessa toada porque é incapaz de adotar outra linha. Nunca foi liderança, nunca propôs nenhuma lei relevante, nunca inventou nada nem administrou nenhuma empresa. Mesmo sendo militar, não sabe nem armar uma bomba. Bolsonaro não é Fernando Henrique, que concatenou a Privataria Tucana para se reeleger, nem Michel Temer, que tornou-se presidente com artifícios conspiratórios. Descobriu, no entanto, que o insulto e a violência são um grande negócio diante de uma população desesperada.

Sua mediocridade endêmica traduz-se agora em incapacidade de enxergar os próprios tropeços, e em aliados tão ignaros quanto ele próprio. Seu filho e herdeiro, Eduardo, vai à imprensa americana para dizer que “o Brasil jamais será socialista novamente” (quando foi?!); seu guru intelectual, Olavo, desprezado por toda a academia, ridiculariza até os próprios aliados, disparando que “por trás de todo liberal há um cu aberto implorando por uma pica comunista”; sua futura secretária de Direitos Humanos, Damares, foi à Câmara denunciar que o MEC estava ensinando meninas a “procurarem o tal ponto G” nas aulas de educação sexual.

Sem dúvida, há interesses políticos por trás de muitos atos idiotas, mas a equipe de Bolsonaro parece praticá-los por esporte. A burrice bolsonarista não é apenas artifício, mas também uma limitação real do futuro governo brasileiro. Sua incapacidade de articular-se politicamente com o Congresso e sua mente à prova de fatos transformarão o Brasil num navio à deriva nos próximos quatro anos. Tudo pode acontecer.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

10 Comentários

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  1. Nós somos mais vítimas do que

    Nós somos mais vítimas do que ele! Pois o coiso convive desde que nasceu com sua própria burrice 24 horas por dia (até dormindo, um sonho burro?).

    Nós seremos jogadas na incertezas da burrice sem freio e alucinada com as quais não temos familiaridade. Nem na época do Collor fomos tão burros. 

    Tudo pode acontecer como disse o autor desse excelente post

  2. Pois é, o Boça foi eleito

    Pois é, o Boça foi eleito como parlamentar para mandatos sucessivos com o mesmo caráter, o mesmo jeito de se dirigir ao seu eleitorado hidrófobo. Agora, eleito, fica aquela história, seu eleitorado é mais diverso, vai do medo à decepção, do cansaço à hidrofobia, do fascismo à religiosidade trevosa, e por aí vai.

    Ontem, eu assisti em um canal público uma entrvista com o Olavo de Carvalho. Minha nossa, que… inominável. Chegou a dizer que toda a imprensa é esquerdista, tá um vale-tudo mesmo pra não ter uma vírgula contra o governo que aqui se instalará. Mais um dia, mais um fio que se estica pra cama-de-gato. 

    Porém, é preciso se fiar nos fatos e não entrar nessas generalizações grosseiras e desmontar as frases de impacto. Não adianta. E desmontar a provocação. 

  3. Eu acredito que o navio

    Eu acredito que o navio naufragará bem antes de quatro anos.

    Mas, o bozo é a representação fiel do brasileiro médio: burro, ignaro,  na maioria dos assuntos só pensa até o próprio umbigo, preconceituoso, violento e……corrupto.

    Teremos o que merecemos.

  4. São, sim.

    Os boçalnaros são, sim, “consistentemente” inimigos de ONGs ambientalistas, de DHs, de indios, etc., não é de hoje. E sempre achando que se trata de uma mistura de hippies comunistas e interesses estrangeiros.

    O que a rotunda e orgulhosa ignorância deles jamais concebeu foram as correlações e consequencias econômicas desse xadrez todo. O que, por sua vez, reforça no bestunto deles se tratar de uma grande teia enredada pelo “marxismo cultural”. Afinal, ideologia é a unica coisa que ocupa a cachola dessa turma. Esses débeis mentais PRECISAM de um fantasma para combater; quanto maior, mais importante é a MISSÃO.

    Crianças às vezes têm amigos imaginarios; esses perturbados têm INIMIGOS IMAGINARIOS.

  5. Coloquei essa questão em

    Coloquei essa questão em comentário ao posto do Nassif. Acrescentei que o uso das redes sociais não era uma escolha do Sr. Bolsonaro e sua tropa, mas uma imposição de sua limitação mental. Não há dúvida de que teremos um governo coxinha, secundado pela gestapo de Moro e comandado pelos rentistas. e corporações.

  6. e o mais triste é que bastarão alguns meses de mandato para que

    a coisa, com STF e com tudo, comece a desandar e o Brasil caia mais uns degraus diante de um mundo em crise.

  7. Será que atingimos a plena democracia?

    Pelo menos quanto à escolha do chefe de governo E de Estado, parece que sim. O que é o brasileiro médio, se não um gigantesco homúnculo igualzinho ao presidente eleito? Podemos aplicar todos os predicados elencados no artigo também à maioria de nossa população. Ora, já ensinaram os filósofos, se todos os predicados são os mesmos, a essência dos dois é a mesma. Escrevo essa provocação para atiçar a reflexão. Ver o nosso povo somente como mercado consumidor a ser “desenvolvido” não é suficiente.

  8. Papai Noel

    Deve ser doloroso para um cara como o coiso descobrir que tudo o que ele achava que sabia, que tudo o que ele aprendeu na sua vida mesquinha era mentira.

    Deve ser mais doloroso ainda ser motivo de chacota para o mundo pela exibição  dessa ignorância tão crassa.

    Crescer - NOTÍCIAS - Papai Noel existe?

  9. Simples assim ?

    Indagora passei por um título como ‘Quando vão parar de achar que 2 + 2 é sempre 4 ?’

    Esse artigo é bem ‘4’ – ‘como são burros…’ ‘como são inconsequentes…’

    Os xexelentos acabam de ganhar uma eleição com essas novas ‘técnicas’ mentais e não vamos nem desconfiar que tem coisa diferente no ar ???

    Eu ainda não entendo, busco entender mas não entendo.

    Fui de Ciro e Haddad e assisti os brazuquinhas totalmente seduzidos pelos ‘argumentos’ dos xexelentos.

    ISSO SIM FOI UM FATO !

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