Celso Amorim: Campanha pela desnacionalização custará caro ao Brasil

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Instituto Lula

Campanha pela desnacionalização custará caro ao Brasil

Atrás do enganoso termo “privatização”, esconde-se uma campanha pela entrega de setores estratégicos a grupos internacionais — muitos deles, estatais

por Celso Amorim
 

De tempos em tempos esquenta no Brasil a discussão sobre as vantagens das privatizações para a economia do país. A crítica que trago é justamente ao uso do termo enganoso “privatização” nesta discussão. Ora, privatizar implica na ideia de que o processo de venda dos ativos do Estado brasileiro significa apenas a mudança do controle do Poder Público para empresas privadas, principalmente nacionais.

Seguramente, num futuro próximo, outros autores oferecerão ao tema a teoria elaborada que ele merece. Neste momento, quero fazer uma simples constatação: na verdade, o que se costuma chamar de “privatização” tem sido um processo de “desnacionalização”, em que os adquirentes controladores são quase sempre (se não sempre!) empresas ou consórcios estrangeiros, muitas vezes empresas estatais de outros países.

O uso do termo “privatização” é um exemplo da manipulação da opinião pública pela mídia (associada a poderosos interesses multinacionais). Fenômeno denunciado, em relação a outras situações, pelo grande linguista, filósofo e ativista político norte-americano, Noam Chomsky. Uma forma sofisticada de “fake news”.

O jogo de palavras não é inocente. Passa-se, com ele, a falsa impressão de que se busca sobretudo uma maior eficiência. Em tese, a empresa privada, no lugar da máquina supostamente pesada, empreguista e corrupta do Estado brasileiro, ofereceria essa eficiência.

Em teoria, poder-se-ia imaginar que as “privatizações” beneficiariam empresas de capital nacional, robustecendo a nossa burguesia. Mas não é assim. Além de não terem cacife para adquirir setores estratégicos, como o do petróleo, da eletricidade e da infraestrutura, as empresas nacionais (já combalidas pela verdadeira guerrilha judicial que triturou sua presença no mercado), perdem uma base de apoio importante para suas operações, já que, em muitos casos, seu cliente principal é justamente o Estado brasileiro (em seus vários níveis).

O caso exemplar da Embraer: “privatização” de uma empresa que já é privada

Exemplo eloquente e mais escandaloso dessa corrida pela desnacionalização — e neste caso sem disfarce — é o da Embraer, empresa privatizada há algumas décadas, mas sobre a qual o governo manteve algum controle (sobretudo no que diz respeito às orientações estratégicas) por meio do instrumento conhecido como “golden share”.

Fac-símile de notícia publicada no jornal Folha de S.Paulo em 8 de dezembro de 1994, data da venda da Embraer. Privatizar não é o bastante.
Fac-símile de notícia publicada no jornal Folha de S.Paulo em 8 de dezembro de 1994, data da venda da Embraer. Privatizar não é o bastante.

Aqui, não há como falar em privatização, até porque a indústria aeronáutica em questão já é privada, totalmente inserida no mercado global e de forma extremamente bem sucedida, diga-se de passagem. Trata-se, a todo custo, de passar o controle sobre o parque produtivo e tecnológico brasileiro a interesses não-nacionais. No caso, esses interesses são representados pela gigantesca empresa norte-americana Boeing, produtora de aviões civis e grande fornecedora das necessidades do Estado norte-americano — ou mais precisamente do Pentágono — em matéria aeroespacial.

Completa-se, assim, uma trama, iniciada há anos, com a tentativa de venda dos F-18 americanos à Força Aérea Brasileira. Caso efetivada, essa venda teria se constituído em uma operação comercial, sem nenhuma transferência de tecnologia. Pior que isso, haveria restrições ao uso da própria tecnologia embutida na aeronave, com a não abertura do “código fonte”, que condiciona o sistema de armas. Conforme versão que ouvi de alto funcionário da companhia brasileira, essa transação já contemplava uma “associação estratégica” entre a Embraer e a Boeing. Comparando a dimensão das duas empresas (cerca de 1 para 10 em valor de vendas), não é difícil de imaginar quem deteria o comando da associação.

Há aí, como em muitas situações similares, uma distinção essencial a fazer entre os interesses dos acionistas das empresas e o interesse da nação. A curto prazo, é muito provável que haja ganhos para os detentores de títulos da companhia a ser desnacionalizada (para usar o termo correto, não mistificado). Mas quem perde é o país: em autonomia e capacidade de inovação.

Numa situação com a Embraer controlada pela Boeing, alguém imagina que, em uma hipotética licitação, a nossa Força Aérea teria cacife para bancar uma opção eminentemente técnica, como a que ocorreu na compra dos Grippen, baseada, entre outros fatores, na transferência efetiva de tecnologia e na autonomia para fazer modificações que sejam do nosso interesse, como a incorporação de armamento brasileiro, sem falar na possibilidade de acessar mercados em países em desenvolvimento, especialmente na América Latina? É obvio que não. Nossa “escolha” estaria determinada de antemão.Teríamos que “optar” pelo avião produzido pela Boeing e sujeitar-nos às condições que fossem impostas pelo governo norte-americano ou pela própria empresa.

Neste caso, a ligação entre os setores civil e militar não é apenas financeira (com os lucros das vendas para a aviação comercial ajudando a pagar os investimentos da área de defesa, como apontou Pedro Celestino, em excelente texto). Ela é também de natureza técnica e industrial. Foi o aprendizado com a produção do AMX (em parceria com a Itália) que alavancou a produção dos jatos regionais, que tornaram a Embraer uma marca mundialmente conhecida e respeitada. Afora o aspecto empresarial, um mínimo de seriedade obrigaria a um estudo das implicações geopolíticas da operação planejada.

Mas o caso Embraer-Boeing, por mais importante que seja, é apenas um exemplo do processo de sistemática desnacionalização da nossa economia, cujo controle está sendo transferido, com determinação e rapidez nunca vistos, a interesses estrangeiros variados.

Em breve, pouco restará, em termos de ativos industriais e econômicos, que poderão ser chamados de brasileiros. Como certa vez, um filho meu perguntou, já há alguns anos diante de uma placa em grandes letras: “Pai, por que quando a gente lê “do Brasil” (em sequencia ao nome de uma empresa), significa que aquilo não é do Brasil?”.

Há povos que se ressentem de não terem se transformado em Estados. Em breve, seremos um caso parecido: o de um povo sem Nação. E tudo em nome de uma pretensa eficiência, que só beneficia, além dos compradores e seus governos, os felizardos miliardários que se tornam acionistas minoritários de grandes consórcios multinacionais. Pobre Brasil!

Celso Amorim é diplomata de carreira e serviu como ministro das Relações Exteriores nos governos Itamar Franco (1993-1994) e Lula (2003-2010) e como ministro da Defesa no governo Dilma Rousseff (2011-2014). Em 2009, foi eleito pela revista Foreign Policy como “melhor ministro das Relações Exteriores do mundo”.

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. Acordem ..PASSOU da hora de

    Acordem ..PASSOU da hora de tanta PASSIVIDADE !!!

    Tá na hora da OCUPAÇÂO PERMANENTE da Paulista  ..do Largo da Batata  ..Da Candelária  ..da Praça 7

    Não esperem pela volta as aulas !!! ..ali já terá sido tarde

    Só com o POVO nas ruas esse GOLPE se revela e escancara

    Este JUSTICIALISMO político tosco precisa parar !!!

    Manifestações, ocupações, acampamentos, shows permanentes..

    Os MILITARES precisam se revelar  ..ou são pelos CRAVOS  ..ou pelo coturno

    Foi assim da Praça Celestial  ..em Washington 63,75  ..na Primavera Arabe

    se não provocar estes NABABOS ficarão nos ditando o que fazer de seus castelos inespugnáveis !!!

     

  2. sobre privatização x

    sobre privatização x desnacionalização

    Não é trabalho de genio observar o que vem ocorrendo com o mundo nos ultimos 60 anos  ..principalmente pós II guerra

    Vem cá ?! Vc tem notícias da Asia, da Russia, India, China, da Indonésia ? ..da América Latina, dos nossos vizinhos ? Sabe o que tem ocorrido com estes povos que somados são mais de 70% da humanidade ? o que eles pensam, almejam, aonde poderiam se juntar a nós em nossas demandas e faltas ?

    Claro que vcs não sabem nada !!! ..os jornais, a mídia não traz  ..nem o cinema, as artes ..ninguém  ..e porque ?

    Pq vc é obrigado a saber do nascimento da neta da rainha da Inglaterra  ..da marca da sua calcinha  e da Lady Di  ..ou das preferências de Nixon e Obama ?  da história americana ..e nada do Japão ou da Africa ?

    Simples  ..alguns já decidiram por você que o BRASIL e o “Ocidente antes do Bósforo” tem que ser ANEXADOS e somados a um só comando  ..os EUA, e a povos Europeus

    E não é fruto da paranóia o que digo, é a realidade nua e crua  ..HOJE não falamos de privatização ou desnacionalização  ..mas de ANEXAÇÃO e absorção !!!  ..e o BRASIL é, se não o principal, um dos primeiros países da fila a servir de exemplo pra que esta PILHAGEM dê certo

    1. realmente…

      já li por aí, em vários locais e de verdadeiros experts do mercado mundial e da dominação forçada para o bem do planeta , que o Brasil tem tudo de que eles precisam para, pasme, melhor industrializar e revender. principalmente petróleo, minérios raros e água, certamente poderão contar com o apoio dos demais países porque será dito que é para salvar a humanidade

      desnecessário dizer que o que menos temos no Brasil é gente sendo tratada como humanos

  3. o pior inimigo de um país é um falso presidente…

    como podemos ver, Temer é um daqueles enganadores que não se contentam em vender apenas o que lhe pertence

    estão vendendo o Brasil com tudo dentro, incluindo nossa Constituição e nossas Leis,

     e vendendo para vários países, o que é mil vezes pior, por ser irrecuperável

  4. Aberrações de um Pais

    Se não fosse a perpétua manipulação da imprensa, penso que a maioria do povo brasileiro seria contra todas essas privatizações praticadas no Brasil. Mas como o Brazil não este nem ai para o Brasil, eles vão até o fim em seus objetivos.

    Li uma entrevista de uma intelecual argelina de origem francesa, Helène Cixous, que conta como era a sua vida na infância e juventude em Alger. O que me chama atenção no relato de Helène é o quão proximos são as “elites” argelina e brasileira. Abaixo, traduzo um trecho da entrevista para a revista francesa Télérama do mês de dezembro.

    “Minha experiência com a Argélia era a violência da guerra, uma superposição terrivel de racismo e preconceito e a exploração monstruosa de um povo. Bastava abrir os ohos para ver que nove milhões de pessoas viviam na pobreza; consideradas inferiores, não tinham direitos, não votavam, não eram escolarizadas. O povo argelino, a que nos chamava-mos de arabes, os indigènes, tinha fome. Eu via a miséria na minha porta, num bairro classe média de Alger […] Não era possivel viver nesse Pais. A ideia de que se pudesse ter posse sobre um povo e explora-lo, era uma ideia aberrante, da qual, no caso da Argélia, os franceses se acomodaram muito bem”.  

    No Brasil, podemos dizer que toda uma casta se acomodou muito bem.

    1. triste realidade mesmo…

      perder o futuro de uma geração é perder tudo…………………….

      um futuro do qual os próprios brasileiros que estão calados ante os que se consideram braZlleiros

      podem dizer que estão livres, uma desgraça que já se anuncia

  5. Diante da provável inabilitação do Lula a melhor alternativa…

    Diante da provável inabilitação do Lula a melhor alternativa para 2018 é o Requião. O senador do Paraná é o melhor quadro da esquerda depois do Lula e o que melhor representa os interesses nacionais e a esquerda. Quanto ao Ciro Gomes, apesar das suas qualidades, é muito instável e pouco confiável.

    A saída para 2018 seria o Requião se filiar ao PT e se lençar candidato ao Planalto com o apoio do Lula.

    1. Ciro se mostra não só

      Ciro se mostra não só instável, como cinico  ..traíra

      Hoje me parece claro que o compromisso dele, é com ele mesmo

      Veja por quantos partidos passou ? ..nenhum prestava ? Só o bonzão se salvava

      sim, fala bem, é fluente ..quem o ouve, impressiona (a mim mesmo)  ..mas como economista já o vi errar até em calculo de inflação composta  ..e pra quem foi ministro da Fazenda, isso soa esquisito, não acha não ?

      Conhece a todos e de todos se diz amigo até  ..até lhe escapar-lhe um perdigoto mais ácido que o do ALIEN, o 8o passageiro

      ..sobre Requião  ..desculpe, mas acho que não seria páreo …não tem penetração nem carisma pras diversas apostas que a liberalidade libertina tem ensaiado pra defender seus ideários

      Requião só colaria se diante duma condenação inapelável de LULA seus votos fossem transferidos quase que na totalidade  ..impossível de se prever

      como resumiu o colega mais abaixo  ..ta dificil

      Particulamente não acredito em eleições LIMPAS em 2018  ..pra começar as urnas hoje já são americanas e a promessa de impressão dos votos ficou MUITO, mas muito aquem do que a lei já previa 

      ..FORA que ainda, duvide-o-dó, que a solução pra esse enrosco Institucional saia de algum candidato NOVATO, desacostumado às praticas de negociação política

      Colega, ou o POVÃO vai pra rua desentocar e descortinar este GOLPE  ..cobrando uma posição clara, por exemplo, dos militares, ou o que esta ai veio pra ficar uns VINTE ANOS

    2. Ciro Gomes, apesar das suas

      Ciro Gomes, apesar das suas qualidades, é muito instável e pouco confiável.

      Demonstre dando exemplos de atos administrativos inconsequentes, como indicar como sucessor uma pessoa inábil politicamente, por exemplo. Ou quem sabe nomear como chefe de uma pasta importante alguém com ideologia e práticas totalmente contrárias a sua propensa orientação de governo.

       

  6. Já li muitos textos do

    Já li muitos textos do Ministro Celso Amorim e é a primeira vez que o vejo falando nesse tom. Sinal que a situação é realmente grave.

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