Daniel Afonso da Silva
Daniel Afonso da Silva é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e autor de "Muito além dos olhos azuis e outros escritos sobre relações internacionais contemporâneas". [email protected]
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Deixem o homem trabalhar, por Daniel Afonso da Silva

A fragilização do chefe administrativo das Forças Armadas é tudo que os afiliados dos generais Mourão, Heleno e Vilas-Bôas desejam.

AFP

Deixem o homem trabalhar

por Daniel Afonso da Silva

O ministro da Defesa do presidente Lula da Silva, José Múcio Monteiro, virou objeto de toda sorte de pressão antes mesmo da inauguração do governo no dia 1º de janeiro de 2023, mas na noite de terça-feira, 10, a fervura subiu e aliados de alguma hora começaram a ventilar que Múcio estaria prestes a sair; ou, melhor, cair. No dia seguinte pela manhã, o noticiário inteiro mobilizou a declaração enfática do ministro Múcio que dizia “empurrado eu não saio”. E, no cargo, ele segue.

Mas quem estaria a “empurrar” o conterrâneo pernambucano do presidente com o propósito consciente ou inconsciente de fragilizar a pasta mais estratégicas da Esplanada dos Ministérios – depois da área econômica – e garantidora da estabilidade do governo recém-instalado?

A pergunta é de Poliana. A resposta, nenhum pouco.

Todos querem a cabeça do ministro. Só o próprio presidente – mais um e outro – que não. O elogio mais gentil que ele tem recebido é o de impotente. A interpretação mais simpática sobre a sua nomeação a indica como desastrosa. Se essa quase ojeriza não fosse suficiente, os eventos do 8 de janeiro puseram uma marcação nas suas costas com a inscrição “alvo a ser abatido”. Mas ele resiste e o núcleo da presidência, também.

O Conselho Político do governo composto por PT, PSB, Solidariedade, PV, PSOL, PCdoB, Rede, Agir, PROS, Avante, PDT, PSD, MDB e Cidadania chegou ao consenso que ele precisa partir. Fizeram reunião e, ao que tudo indica, soltaram inclusive documento orientando essa posição.

Há o coro do “tchau, Múcio” que prenuncia que ele possa facilitar o processo renunciando e há o grupo do “fora, Múcio” que faz de tudo para reunir os artifícios para o presidente demiti-lo.

Os integrantes desse Conselho Político consideram o ministro Múcio “conciliador” demais. Querem alguém mais “aguerrido”. Que seja capaz de “calar” os militares. Um casca grossa, que não se resigne em “pôr ordem” na caserna.

O curioso desses aliados da presidência é que eles lavam roupa suja em praça pública, são sobressaltados demais para meditar em silêncio e “democráticos” em demasia para manter em sigilo posturas estridentes com potencial de contaminar a governabilidade do governo em instalação. Por serem todos muito marinados em política, eles sabem muito bem que, ao se engrossar o coro do “tchau” ou do “fora, Múcio”, estão todos jogando água no moinho dos bolsonaristas que compõe Forças, da oposição que torce contra o governo e da opinião pública publicada na grande mídia que aguarda qualquer deslize para pular do barco lulo-ptista-psdebista e exercer a sua insofismável “crítica construtiva”.

A fragilização do chefe administrativo das Forças Armadas é tudo que os afiliados dos generais Mourão, Heleno e Vilas-Bôas desejam. A saída do ministro em menos de duas semanas de governo simularia o bloqueio de uma turbina do avião quem nem chegou aos dez mil pés. Conseguintemente, o piloto, por experiente em voos livres, vai ser forçado ao pouso de emergência. Ele pode até promover uma aterrissagem sem maiores danos, mas o nível de estresse da turbulência da descida vai causar traumas dificilmente superáveis em toda a fuselagem.

Por saber disso que os ex-ministros da Defesa, de Nelson Jobim a Aldo Rebelo passando pelo Raul Jungmann, organizaram uma reunião na quarta-feira, 11, para construir um muro de contenção à fúria dos esquerdistas puritanos assemelhados a snipers políticos de ocasião.

O presidente Lula da Silva ainda não se pronunciou diretamente publicamente sobre o assunto. O ministro Flávio Dino pôs panos quentes sempre que pode. O ministro Alexandre Padilha também contemporizou. Mas a mensagem velada do silêncio do presidente e pouco imperativa dos demais não é outra, senão: deixem o homem trabalhar.

Os incidentes do 8 de janeiro parecem ter acelerado o envelhecimento do governo em meses, talvez anos. A maior parte dos ocupantes dos segundo e terceiro estalões nem foi nomeada. A opinião pública da pequena à grande mídia segue ainda atônita com as tormentas do domingo. A oposição, bolsonarista e outra, ainda assimila o choque das decisões do ministro Alexandre de Moraes. Mas, pasme-se, ninguém, a rigor, nem mesmo os militares, está com a tara da renovação ministerial e com mais olhos para o assento do ministro Múcio que os ditos aliados do governo.

Faz bem o ministro ao determinar que “empurrado eu não saio”. Mas falta o presidente exclamar em alto e bom som: deixem o homem [o ministro Múcio e ele próprio, Lula da Silva] trabalhar.

Daniel Afonso da Silva é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e autor de “Muito além dos olhos azuis e outros escritos sobre relações internacionais contemporâneas”.

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1 Comentário

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  1. Se o avião tá com uma das asas assim, melhor não fazer o pouso de emergência. Importa mais não fazer o que o inimigo quer. Como a História não se repete… Jamais Lula será Allende. Tampouco o PT é a esquerda espanhola dos anos 1932-39. Lula acabou de declarar que seu escolhido (tem certeza?) Múcio é de sua confiança. Até porquê eles tem estilo parecido. Mucio não é Pinochet, mas ocupa o lugar dele. Se a História não se repete, algumas estruturas permanecem. O que vai ser decisivo não é o lugar central desse tabuleiro que é o posto de ministro, mas a perspectiva que o PT e esse Governo tem para enfrentar a casta militar. Sem fulanizar, pero sem amolecer jamas!

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