Está em curso um atentado ao espírito da Constituição, por André Singer

Da Folha de S. Paulo

Há uma profunda ruptura em curso

Por André Singer

julgamento de Dilma Rousseff, cujo início efetivo teve lugar nesta quinta (25), no Senado, é mais importante pelo que oculta do que pelo que revela. A observância meticulosa dos dispositivos legais do processo faz parecer que tudo funciona de modo normal. Mas, por baixo da capa de legalidade, está em curso um atentado, que pode ser mortal, ao espírito da Constituição de 1988.

Os que têm paciência de acompanhar os debates entre a defesa e a acusação percebem que o tema de fundo é a política econômica desenvolvida pela presidente afastada no seu primeiro mandato. Os questionados decretos de suplementação orçamentária e pagamento do Plano Safra pelo Banco do Brasil, ambos de 2015, são meros pretextos para trazer à tona aquilo que realmente incomoda: os gastos de 2014.

Ocorre que tal conduta foi referendada nas urnas. Dilma acabou reeleita porque, apesar dos pesares, manteve o emprego e a renda dos trabalhadores, e isso não teria acontecido caso houvesse feitos os cortes que a ortodoxia econômica propunha. O fato de ter depois realizado o ajuste recessivo exigido, quando prometera não fazê-lo, é grave, mas não justifica o impeachment.

Se justificasse, Sarney precisaria ter sido afastado em 1987 e FHC em 1999. Respeitada a soberania popular, caberia ao eleitorado julgar, em 2018, o destino das forças políticas envolvidas no processo, tal como aconteceu em 1989 e 2002. Convém lembrar que, nos dois casos, a situação perdeu.

Mas, em decorrência da crise econômica, da Lava Jato e da presença de Eduardo Cunha à frente da Câmara, abriu-se uma tripla janela de oportunidade. Michel Temer enxergou a chance de chegar ao poder. Os partidos conservadores vislumbraram a possibilidade de arruinar o PT, talvez para sempre. Os capitais viram a oportunidade de fazer um acerto de contas com os avanços sociais previstos desde 1988 e postos em prática, no ritmo homeopático conhecido, pelo lulismo.

Por isso, a provável condenação de Dilma representa muito mais do que a perda de dois anos de estadia no Alvorada pela atual mandatária. Significa um golpe profundo contra a alma cidadã da Carta constitucional vigente. A maior demonstração está na PEC 241, que cria o teto para os gastos do Estado. Nas palavras do seu mentor, o ministro Henrique Meirelles, a 241 é nada mais nada menos que “a primeira mudança estrutural na questão da despesa pública desde a Constituição de 1988”.

Até que ponto o conservador espírito de 2016 conseguirá desfazer o que foi acumulado em torno de 1988 só a luta real dirá. Mas convém a sociedade brasileira tomar consciência de que, por baixo dos formalismos senatoriais, há uma violenta ruptura em curso nestes dias.

Redação

11 Comentários

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  1. Golpes

    André, creio que estamos apenas no primeiro golpe. Essa quadrilha que assaltou o poder naturalmente sabe que teremos uma campanha  para a presidência dentro de dezoito meses, talvez um pouco menos. Também não ignora que a melhor maneira de afastar o PT do poder pelas próximas décadas seria deixar a Dilma terminar seu mandato com a preferência abaixo de zero. Ora, nenhum gênio consertaria este país já no ano vindouro, de maneira a enfrentar a campanha eleitoral com um belo capital político. Logo, se ainda estiver em liberdade, a quadrilha vai impedir a eleição de 18. Como? Acabando com o presidencialismo. O Poder Executivo ficará legalmente nas mãos do bando, que indicará o Cunha para exercê-lo, caso Marcola rejeite a nomeação.

  2. Por donde anda FHC? O homi só

    Por donde anda FHC? O homi só aparece quando os ventos lhe são favoráveis. Por enquanto, aguarda, por certo, o final do julgamento para reaparecer com suas tiradas cínicas, de quem não tem um mínimo de moral para falar de Dilma.

     

    1. FHC não engana mais ninguém…

      sempre dando uma de exímio perito marinheiro, sem nunca ter encarado mar revolto

      ou bebido da tempestade, como a que temos agora……………………………..

      como Temer, sempre à espera de céu de brigadeiro ou de um grande navio de assistência hospitalar americano

       

  3. eufemismo de André Singer

    O MPF já inocentou Dilma de crime ou operação de crédito no caso das “pedaladas”. Não há qualquer crime de responsabilidade configurado contra Dilma, portanto a constituição está sendo violada frontalmente, não apenas em “espirito”  como alega Singer.  Estes colunistas da folha cheios de melindres para agradar o chefe são um saco.

    1. Sou insuspeito de

      Sou insuspeito de parcialidade, tenho aqui centenas de artigos que testemunham minhas analises mas para debater é preciso conhecer e essas informações colocadas no seu comentario estão incorretas.

      1.O que o MPF inocentou em relação à Presidente Dilma é o DELITO DE NATUREZA PENAL, que está afeito à Procuradoria Geral da Republica denunciar ou não, Dilma foi inocentada. Vou repetir, essa decisão do MPF não tem nada a ver com o processo de impeachment, são dois processos separados, distintos e incomunicaveis. Collor tambem foi inocentado no DELITO DE NATUREZA PENAL que se processa no STF.

      2.O que se julga no Congresso é crime de responabilidade,   DELITO DE NATUREZA POLITICA, que está afeito ao Congresso e não ao Judiciario,  são duas categorias distintas, esse delito só o Congresso pode julgar.

      3.Quem define se há ou não CRIME DE RESPONSABILIDADE é o Congresso transformado em Corte Judicante, com plenos poderes para definir se há ou não CRIME DE RESPONSABILIDADE, é o Congresso portanto quem vai dizer se há ou não crime, a decisão do Congresso é IRRECORRIVEL,  se o Congresso definir que ha crime politico, está decidido,. não cabe recurso ao Supremo, mesmo porque é o presidente do Supremo quem preside o julgamento, o que REFERENDA  a decisão sobre o impeachment, da qual não cabe recurso.

      4.Portanto o rito´que está sendo seguido é o que está na Constituição, se está errado e eu acho que está, será preciso mudar a Constituição e a lei ordinaria do impeachment, que é de 1950.

      1. no mínimo farsa dantesca

        Caro André. 

        Hoje o Le Monde classificou o processo contra Dilma ,senão um golpe de estado , uma farsa. Muito ironico descobrir apenas agora que apesar do plebiscito de 1993 estamos vivendo sob um parlamentarismo disfarçado. A mesma acusação feita a Dilma pesa sobre pelo menos 17 governadores de estados, sobre os senadores votantes pesam acusações muito mais graves do que imputam Dilma Roussef. Penso que somadas as faltas de referencias e a fragilidade de nossa democracia a decisão do MPF é o único indicador razoável acerca da idoneidade da presidenta.

        Ao permitir que os atos de Dilma se configurem como “crimes politicos” o STF joga irresponsavelmente a nação numa instabilidade imprevisível. Crime politico é o que atenta contra a lei de segurança nacional e hoje é o parlamento o risco a segurança nacional. Assim como muitos observadores internacionais, vejo uma orquestração golpista no impeachment de Dilma com muita motivação ideológica . Vejo a questão como problema técnico do qual o STF não pode se omitir. O jogo já está jogado e o resultado já está definido, entretanto não considero razoável jornalistas e meios de comunicação acobertando tanta hipocrisia.

  4. bem por aí mesmo…

    sem o golpe teriam que explicar durante a campanha para 2018 tudo o que estão fazendo agora

    e certamente não se elegeriam outra vez

    até no palavrório sem pé nem cabeça, se considerarmos a importância da questão principal, arvoram-se em donos da verdade ou mais importantes do que a própria Constituição

    defesa deveria bater por aí e forte…

    acusação não se explica por si só, ou seja, foi feita para quem não apresenta condições para entender, porque já decidido

     

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