O passado mal explicado das telecomunicações no Brasil, por Samuel Possebon

As investigações da Polícia Federal acontecem tardiamente e precisariam olhar com lupa tudo o que aconteceu no período, muito além da Gamecorp. 

do Teletime

O passado mal explicado das telecomunicações no Brasil

por Samuel Possebon

Para que se possa afirmar que a recente operação “Mapa da Mina”, que liga investimentos da Oi e da Vivo em empresas ligadas ao filho do ex-presidente Lula, especialmente a Gamecorp, é de fato o mapa da mina de um grande escândalo de corrupção, seria necessário aprofundar a análise dos indícios de provas encontradas até aqui. Mas uma coisa é certa: estes investimentos, como outros, foram feitos em momentos em que a proximidade com o governo era disputada a tapa pelos acionistas das empresas de telecomunicações.

Quem acompanhava o mercado de telecomunicações na primeira década após a privatização, ou seja, entre 1998 e 2008, lembra o quanto era intensa a atuação dos grupos empresariais que controlavam as operadoras junto às principais lideranças políticas. Desde o momento da privatização, em que a demanda por recursos do BNDES e dos fundos de pensão era negociada nos mais altos escalões de Brasília, passando pelas operações no mínimo conflituosas entre os interesses dos acionistas das teles e a gestão das operadoras, pouca coisa passaria de forma limpa se fosse investigada a fundo.

Nenhuma empresa estava imune, mas havia dois grupos em que as relações escusas com o poder pareciam mais descaradas: a Brasil Telecom, gerida pelo Opportunity, e a Telemar, gerida por um conjunto de acionistas: La Fonte (da família Jereissati), GP (do trio bilionário Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles), Andrade Gutierrez e, de maneira indireta (porque o controle estava formalmente vedado pela Anatel), o Opportunity, de Daniel Dantas, ao lado do Citibank. Sem falar nos fundos de pensão e BNDES que financiavam os acionistas privados.

No período, não faltaram operações nebulosas. Durante a primeira década dos anos 2000 foram várias operações em que empresas pertencentes a estes acionistas foram compradas e vendidas pelas operadoras de telecomunicações. Pegasus, IG e a operação de celular e call center da Oi (que tinham os mesmos sócios da empresa como acionistas controladores) são alguns dos exemplos de maior evidência, gerando perdas gigantescas para as operadoras e lucros robustos para os acionistas. Parte significativa do buraco que a Oi carrega até hoje vem dessa época, mas não parou por ai.

Com a chegada de Lula e do PT ao governo, Daniel Dantas, do Opportunity, perdeu o acesso privilegiado que tivera junto ao governo e entrou em rota de colisão com outros sócios, como a canadense TIW, a Telecom Italia e, sobretudo, com fundos de pensão. Foram várias disputas societárias no período, que culminaram na sua destituição do poder sobre as teles em 2005, quando os fundos conseguiram o apoio do Citibank para ter o controle da Brasil Telecom de volta.

Mas, antes disso, Telemar e Brasil Telecom travavam uma corrida para ver quem conseguia a maior proximidade com o governo petista, e ambas passaram a disputar a Gamecorp, que tinha entre os sócios Fábio Luis Lula da Silva e os filhos de Jacó Bittar, amigo de longa data do presidente Lula. A Brasil Telecom, então controlada por Dantas, tentou comprar diretamente a Gamecorp. Não conseguiu, mas as investigações da Polícia Federal indicam, por exemplo, que empresas ligadas a Dantas (o relatório, segundo o site “O Antagonista”, cita a agência NBS) investiram na Gamecorp. O quanto destes investimentos se davam por vislumbrar uma efetiva oportunidade de negócios e o quanto era para manter a proximidade ao filho do presidente, ficará a critério das investigações apontar.

O fato é que, em um determinado momento, a Telemar levou a melhor, e em meados de 2005 conseguiu se tornar acionista da empresa de Fábio Luis. Era uma época em que as empresas que atuavam no mercado de serviços de valor adicionado (SVAs) em celular estavam em alta, mas os resultados financeiros ainda eram magros.

Na mesma época, Dantas perdia de vez o controle das operadoras de telecomunicações, a despeito de vários movimentos de aproximação do governo petista, como ficou evidenciado na CPMI dos Correios, que investigou o mensalão, quando as estreitas ligações entre as teles e as agências de Marcos Valério, por exemplo, vieram à tona.

Em 2007 começaram a surgir as especulações sobre uma possível fusão com entre Telemar e Brasil Telecom. Houve vários ensaios nesse sentido, com diferentes modelagens, mas o anúncio formal veio no começo de 2008. A operação precisava de uma aprovação regulatória até então impossível e só foi viabilizada por meio de um decreto presidencial, alterando as regras do setor (especificamente o Plano Geral de Outorgas) em 2009, num acordo em que todos os acionistas privados, tanto da Oi quanto da Brasil Telecom, saíram ganhando. GP, Andrade Gutierrez, La Fonte, Opportunity e Citibank ganharam no negócio, conta paga principalmente pelos fundos de pensão estatais e pelo BNDES. No caso específico de Daniel Dantas e do Opportunity, além de receber mais de US$ 1,5 bilhão pelas suas participações, conseguiu ainda a suspensão de uma série de ações judiciais contra os fundos de pensão. A desculpa do governo é que, com a operação, se criaria uma “super-tele” nacional, pronta para competir com as gigantes estrangeiras, o que nunca aconteceu.

Quem pagou a conta da operação, mais uma vez, foi a operação da Oi, que ficou com todo o passivo da Brasil Telecom junto à Anatel, uma imensa carga de obrigações regulatórias e bilhões de reais em ações judiciais referentes a planos de expansão que, por anos, foram patrocinadas por empresas do mesmo grupo Opportunity que controlava a Brasil Telecom.

Mas estas não foram as únicas operações que contaram com forte intervenção governamental no setor de telecomunicações. Um pouco depois, em meados de 2010 houve uma operação sincronizada em que a Telefônica adquiriu o controle da Vivo, comprando a participação da Portugal Telecom na empresa, e em seguida a Portugal Telecom se tornou acionista da Oi. Era uma operação há muitos anos desejada pelos espanhóis, mas os portugueses só topariam se conseguissem uma outra oportunidade no Brasil. O governo operou para que a Oi fosse esta alternativa. No princípio, o discurso de uma grande tele “luso-brasileira” soava um ridículo, ainda mais depois do fiasco da “super-tele nacional”. Mas não parou por aí.

Um pouco depois, outro apoio do governo para assegurar à Portugal Telecom o controle completo da Oi, com grandes ganhos para os acionistas controladores da operadora e prejuízos para a empresa. Mas logo ficou claro que a tele pagaria o pato de operações bastante suspeitas envolvendo os acionistas portugueses da Portugal Telecom. Mais um buraco, desta vez de quase 1 bilhão de euros, que ficou na conta da Oi, contribuindo mais um pouco para a derrocada da operadora.

Os indícios de irregularidades em muitas destas operações são conhecidos há pelo menos 10 anos, sem que nunca tenham sido objeto de escrutínio pelo Ministério Público ou Polícia Federal. Desde então a Oi foi à recuperação judicial, a Portugal Telecom deixou de existir e o PT deixou o governo. As investigações da Polícia Federal acontecem tardiamente e precisariam olhar com lupa tudo o que aconteceu no período, muito além da Gamecorp.

Também seria essencial que as investigações, para além de atores políticos, das operadoras e seus executivos, fossem atrás dos verdadeiros beneficiados: os acionistas que ganharam nestas inúmeras operações suspeitas.

Redação

5 Comentários

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  1. Grandes negócios são sempre precedidos de grande pesquisa e como tirar o maior proveito deste negócio. Neste sentido,a menos que se vislumbre uma grande irregularidade,qualquer ação em busca na criminalização desses negócios não passa de mero factóide onde,como sempre,alguns ganharão,e muito,na bolsa de valores.
    Se houve algum favorecimento,foi no periodo das privatizações,onde as tarifas subiram de forma exponencial de forma a possibilitar uma alta rentabilidade as empresas adquirentes do sistema telefônico nacional.
    Fora isso,foi tudo jogo empresarial,nada diferente de qualquer outra área,seja das cervejas ou dos supermercados,por exemplo.
    O que precisa ficar nítido em tudo isso é que nosso sistema jurídico,como um todo,precisa ser revisto. ele não pode continuar a servir a outros interesses que não seja o de fazer justiça.

  2. faltou a informação de que o grande interesse do governo em ajudar nas transações societárias era garantir que os créditos concedidos pelo BNDES desde a privatização fossem honrados. A grande dívida era da telefonia fixa, que já se mostrava um negócio em decadência. Sem a incorporação com a telefonia celular, o BNDES e os fundos públicos jamais recuperariam o que se emprestou e investiu.

    A operação tinha enorme interesse público.

  3. A investigação das operadoras de telecomunicações é semelhante a Operação Zelotes, que prometeu investigar a sonegação de grandes grupos como o Gerdau, etc… e acabou investigando o outro filho de Lula, prendendo um casal, torturando uma mulher em cadeira de rodas ( os Mautoni) , destruindo a vida profissional do filho de Lula, para depois chegar a uma fantasiosa ação de Lula já fora da presidência em defesa do contrato dos Grippen. Agora a investigação das operadoras de Tele não tem nada a ver com operadores telecomunicações tem a ver apenas com requentamento de acusações já julgadas para atingir Lula na figura de outro filho; Portanto o artigo fala de investigação que a Lava Jato nunca esteve interessada em fazer, da mesma maneira que prenderam e soltaram sem investigação e ou justificativa plausivel os funcionários da Mossack Fonseca que tinham apartamentos em Guarujá. Da mesma forma como sempre se negou a investigar as Furnas de Aécio.Da mesma forma que o célebre caso Banestado .
    Além do mais seria muito interessante investigar todas as operações de privatização feitas por Guedes sempre realizadas por intermediários, isto é grupos do mercado, alguns dos quais ele é “ex-sócio”.

  4. Era isto as promessas da Redemocracia? Era este o socialismo e socialização prometidos por AntiCapitalistas da USP, de Guerrilhas dos anos 60, de Perseguidos Políticos, de diversas fases das Lideranças de UNE, de Sindicalistas? As Telecomunicações e Empresas 100% Brasileiras, pulverizadas em Ações de vários Planos de Expansão que tornavam o Cidadão Brasileiro, usuário destes Serviços, também num Acionista da Empresa, foram destruídos em benefício de Negociatas com Grupos Estrangeiros e Especulação Financeira? Empresas genuinamente Nacionais, que promoviam a área de telecomunicações em países vizinhos ao Nosso, transformando-se em MultiNacionais Brasileiras. Tudo destruído. Como o Filho de Sindicalista consegue chegar à sociedade destas Empresas? É também uma pergunta a ser respondida. Bilhões e bilhões de dólares de BNDES, usados para transformar uma Gigante Brasileira das Telecomunicações em MutliNacional Estrangeira? Dinheiro do Povo Brasileiro para financiar a compra de Empresa Brasileira e seus Empregos por uma Empresa Estrangeira? O que o Povo Brasileiro ganhou com isto? O que ganhamos em entregar tamanho Patrimônio Econômico, Financeiro, Estratégico, EMPREGOS a outros países? Quais as Marcas, Tecnologias, Royalties, Serviços, Empregos Qualificados restaram ao Povo Brasileiro depois destas Privatizações? Mas o pior de tudo, eram estas as promessas de Redemocracia de 40 anos passados? Números de IDH foram publicados novamente. Condição e falta de Empregos entre 14.000.000 de Brasileiros estão espalhados por todas ruas do país. Atraso descomunal em relação à maioria dos países do Mundo, inclusive Nosso vizinhos. E ainda estamos insistindo nesta barbárie? Entendemos porque as AÇÕES destas EMPRESAS ESTATAIS que foram PRIVATIZADAS, NUNCA foram oferecidas e pulverizadas entre a População Brasileira. Fortunas Trilionárias remetidas para fora do país. Não é bom que o Povo saiba como são feitas salsichas, nem privatizações. Onde está a parte do lucro de suas Empresas e Patrimônio entre os Brasileiros? Pobre país rico. Mas de muito, muito, muito fácil explicação. Era isto Redemocracia?

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