Os expedientes incorretos da construção pesada com a administração pública

Da Folha de S. Paulo

Nas direções certas

Por Janio de Freitas

Por uma vez em dois anos, o acaso foi dúbio com a Lava Jato e seus condutores. Apesar do atraso desnecessário e, pior, injustificável, a operação chega às bordas da arena onde se desenrola a grande corrupção: os negócios da construção pesada com a administração pública. Mas chegou na mesma ocasião em que o ministro Teori Zavascki e o procurador-geral da República Rodrigo Janot emitem, –por coincidência ou não– dois documentos importantes: o primeiro faz duros reparos a exorbitâncias do juiz Sergio Moro; o outro um chamado enérgico aos seus procuradores para respeitar a Constituição e a democracia, sem pretensões messiânicas e exibicionismos vaidosos.

O ministro Zavascki recuperou a parte do sistema jurídico duplamente violentada por Gilmar Mendes, que não se deu por impedido em uma causa sobre a qual já fizera furiosa definição pessoal, além de ser causa de outro ministro. Não custa lembrar, a propósito, um motivo a mais para o impedimento burlado: a advogada impetrante de tal causa é professora em um curso de que Gilmar Mendes é coproprietário. Zavascki chamou de volta ao Supremo as investigações sobre Lula, para que haja decisão legítima do tribunal a respeito. Pelas decisões de Moro consideradas “descabidas” por Zavascki, com firmes argumentos, a presunção é de que Sergio Moro também estará impedido de continuar com o caso de Lula.

Pelo noticiário, pareceu que duas defesas de Lula e do governo, por advogados e pela Advocacia Geral da União, foram “derrotadas” pelos ministros Rosa Weber e Luiz Fux. A rigor, nem foram examinadas no mérito, por usarem meio de recurso não aceito pelo tribunal. As respectivas teses voltarão por outra forma, dada a coerência de partes suas com o pronunciamento de Teori Zavascki.

Do seu lado, a Lava Jato encontrou na Odebrecht uma pista promissora, na lista numerosa de recebedores de pagamentos que “suspeita” serem ilegais. Como sempre, porém, a Lava Jato continua interessada em políticos. E é duvidoso que pagamentos para contratos de obras estejam na sua competência, na verdade restrita, como seu nome sugere, à investigação de lavagem de dinheiro e remessas ilegais para o exterior, a partir de atividades do doleiro Alberto Youssef. Esse propósito foi relegado. Um indício da sua grandeza: se o governo espera recuperar ao menos R$ 21 bilhões com retorno de depósitos de brasileiros no exterior –só aí, 3,5 vezes o presumido desvio na Petrobras–, esse dinheiro saiu por meio de doleiros. E continua saindo.

Não é, e nem é provável, que a maior evasão de dinheiro ilícito das empreiteiras tenha se destinado a políticos. A construção pesada cumpre contratos de bilhões. Hidrelétricas, estradas, metrôs, pontes, portos, aeroportos, estádios, quanto vale pagar pela manipulação de licitações dessa dimensão? E, depois, pelos aumentos, no decorrer das obras, de custos de um lado e lucros do outro. Mas não se trata, como se pensa aqui, de especialidade brasileira. No mundo todo, a indústria de construção pesada, seduzida pelos altos valores, vale-se de expedientes incorretos. E os seus talvez nem sejam os valores mais altos a atraírem tais expedientes, que dominam também a indústria bélica mundial. 

Redação

6 Comentários

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  1. O que  a lava jato encontrou

    O que  a lava jato encontrou não tem o nome de Lula e Dilma logo NÃO VEM AO CASO. Pelo menos agora até para o mais tapado coxinha, as coisas estão se aclarando. Não há busca de verdade nenhuma, há só o golpe pelo golpe.

  2. Um problema estrutural e o bode.

    O que a lista de Odebrecht  e suas declarações mostram é que temos um problema estrutural, que é muito maior do que o jurídico. Um problema que pode ser encaminhado no devido foro. Existe um dilema moral e político. Tratado no ambito da Lava Jato, a personalização da culpa em Oderbrecht,  e de alguns políticos escolhidos é o que provavelmente vai ocorrer. Mas se fosse tratada em sua real dimensão  talvez pudessemos ter um ganho real a partir desta famigerada operação.

    O pais é construido em cima de muitas leis implicitas. No que tange a cidadania se tem muitas leis de exclusão que não estaõ escritas, mas estão vigentes. Mas existem também as leis implicitas das relações entre o publico e o privado. Desde  o império os barões e outros intermediários cobravam pedágio para as conversas com o rei. Nossos políticos e partidos continuaram esta tradição. A lista da Oderbrecht apenas corrobora isto.  Se existe um setor  para estas relações com os poderes publicos, isto é apenas um sinal de organização   num contexto de moralidade totalmente duvidosa, mas que me parece totalmente institucionalizada.  Me parece que a sociedade como um todo tem que deixar de lado o cinismo  e enfrentar de forma clara e transparente este problema estrutural. Enquanto a lista é bombardeada e utilizada na mídia para a personalização da culpa em Marcelo Oderbrecht e alguns políticos, no congresso, mais uma vez aprovaram a doação empresarial para a campanha.

     

    A mídia e parte da sociedade estão mais uma vez atrás de um grande bode expiatório, para esconder sua falta de vontade de ,de fato, resolver o problema.

     

  3. Deixa quieto, seu Janio…

    “Hidrelétricas, estradas, metrôs, pontes, portos, aeroportos, estádios, quanto vale pagar pela manipulação de licitações dessa dimensão?”

    “a indústria bélica”

    Deixa quieto, seu Janio…

    Tá querendo que a Lava Jato não termine nunca?

  4. Esperava, pelo menos,

    uma anotação de Jânio sobre o que escreveu a ombudman ou ex (tudo vera, né?) da Folha. Terá sido um pito do Otavinho bem aceito?

    1. Não deixou transparecer nada

      Rui, se essa for a coluna seguida à da Vera Magalhães, acho que o Jânio foi um gentleman, coisa que o Otavio Filho parece não saber o que é. E também acho que a critica da Obudsman não merece mesmo resposta. 

  5. Serei repetitivo

    Por que é que a lista da Odebrecht contém doações ao PSDB e ao Aécio, mas as tais doações legais foram feitas em nome de outra empresa? Caixa-dois da Odebrecht e falsidade ideológica da doadora oficial?

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