Tentando entender a intentona militar, por Luis Nassif

Caráter terrorista do golpe estava nítido desde 24 de dezembro, com a bomba colocada em caminhão de combustíveis

Ainda levará algum tempo para o levantamento de todos os episódios ligados à intentona de 8 de janeiro.

Na TV GGN de ontem, o professor João Roberto Martins Filho – especialista em questões militares – lembrou um detalhe relevante para entender a posição do Exército. Trata-se do artigo “Comandante exonerado defendeu resultado das urnas na última reunião com generais”, de Marcelo Godoy, no Estadão. Ela conta que o então chefe do Exército, general Júlio César de Arruda, em reunião do Alto Comando afirmou que era preciso respeitar o resultado das urnas e defender a democracia – o mesmo teor do discurso feito, na sequência, por seu futuro sucessor, general Tomás Miguel.

O discurso foi 4 dias após o ataque terrorista aos 3 Poderes.

O que significa isso? Que já tinha caído a ficha do Alto Comando sobre o desastre, para as Forças Armadas, da participação na armação da intentona militar. O caráter terrorista do golpe estava nítido desde a tentativa de atentado no dia 24 de dezembro, com a bomba colocada em um caminhão de combustíveis a caminho do aeroporto de Brasília. Presos, os terroristas confessaram que outro plano seria colocar a bomba no próprio salão de embarque do aeroporto.

É impossível que esse movimento não tenha sido detectado pelo Exército. Os terroristas estavam acampados em área do quartel, convivendo com famílias de militares e militares da reserva ou da ativa, à paisana. Estavam colados na sala do quartel general, separados apenas por um muro da inteligência do Exército.

Então, como não prever as consequências da invasão dos 3 poderes?

Mais que isso, junto aos malfeitores – trazidos de todos os cantos do país – havia famílias com crianças e adolescentes participando das invasões.  Será que não pensaram na possibilidade de uma tragédia, com mortos e feridos? Ou a intenção era justamente criar uma comoção nacional para obrigar o governo a decretar a GLO (Garantia da Lei e da Ordem), que colocaria o país em estado de sítio administrado pelos próprios militares?

Se for isso, ao colocar idosos, crianças e adolescentes na linha de frente, a irresponsabilidade atinge um nível inédito.

Por tudo o que foi dito, pode-se concluir:

  1. O discurso do general Tomás foi alinhado, antes, com o Alto Comando, incluindo o próprio general Arruda. Foi uma tentativa de saída honrosa.
  2. Arruda foi para o patíbulo por ser um primário, sem um mínimo de lustre intelectual ou visão política. Prova foi ter ameaçado três Ministros do governo, achando que sairia ileso do episódio.
  3. A rigor, o único ponto não previsto pelos militares foi o tamanho da repercussão negativa provocada pelas imagens de destruição dos palácios. O que é incrível! Achavam o quê? Que os terroristas limpariam os pés antes de invadir os edifícios e organizariam uma assembleia geral da plebe? O que comprova que a corporação militar viveu esses anos todos em uma bolha, alimentada por fantasias bolsonaristas.

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8 Comentários

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  1. Nassif, a resposta para a tua reflexão é que a ideia dos militares era mesmo promover uma tragédia, que lhes daria o mote para a quartelada disfarçada “garantia da lei e da ordem”. Impossível que a inteligência militar não tivesse detectado a movimentação. Simplesmente deixou o desastre acontecer, esperando pelo pior desfecho. O discurso de “respeitar o resultado das urnas” não passou de mera dissimulação, pois sabiam que uma quartelada tradicional seria repudiada internacionalmente. Os tempos são outros e eles entendem isso.
    Infelizmente, esse é o DNA dos nossos militares. Lembremos do famigerado “grupo secreto”, do caso “Para-sar” e do caso “Riocentro”. Atentados planejados por eles e felizmente falhados.
    Pra nossa sorte, simbolicamente, mais uma vez a bomba explodiu no colo deles.
    O governo Lula seguirá caminhando no fio da navalha, até que esta instituição seja reformada. Eles estarão sempre à espreita de uma oportunidade para um golpe.
    https://bananasnews.noblogs.org/

  2. Há tempos me pergunto sobre, afinal, o que o oficialato aprende nos cursos de formação, após passar a exigente e prestigiosa peneira das escolas militares. Fiquei muito intrigado quando passaram a vir a público os discursos baixo nível dos laureados generais quatro estrelas, da estirpe de Mourão, Heleno e Braga Neto. Este último, após a desastrosa intervenção no Rio de Janeiro, foi humilhado por ninguém menos que Paulo Guedes na famigerada reunião em que tentou apresentar o “Plano Pró-Brasil”, em que revelava suprema ignorância de economia e política.
    Curioso, acessei a Revista Agulhas Negras, que reune a produção intelectual de professores e cadetes da AMAN. Fiquei surpreso com o baixo nível dos trabalhos reunidos ali, em especial aqueles dedicados às discussões das ciências humanas (história, geopolítica, ciência política): havia artigos sobre a história política militar no Brasil, cujo conteúdo, além de puro pastiche ufanista, exibia bibliografia que reunia matérias de revistas do tipo “Aventuras na História” e vídeos do Youtube do “Brasil Paralelo”. Um artigo de melhor nível (para os padrões da AMAN), sobre Direito Internacional, era todo construído, na prática numa única referência de um autor estadunidense.
    Por fim, fui ver o curso de pós graduação stricto sensu em Ciências Militares, da ENCEME e notei que apenas um professor do programa é oficial do exército. Todos os demais são civis.
    Não conheço o mundo militar, mas fiquei com a forte impressão de que a formação intelectual militar no Brasil ficou muito atrás da média da formação intelectual civil no país. Se no Brasil agrário e semi-letrado da primeira metade do século XX, a casta militar era parte da inteligentsia brasileia (afinal, em terra de cegos, o caolho é rei), após a reabertura democrática e os avanços na educação civil criaram uma enorme diferença intelectual entre os egressos das universidades públicas e os egressos das faculdades militares. Me parece que, como consequência do negacionismo histórico sobre a ditadura sob o qual se encastelaram, os militares ficaram apartados da vida real do país e do mundo. É péssima a imagem que deixam: truculentos, desleais, negacionistas, incompetentes e ignorantes. Deve ser muito difícil para aqueles oficiais que ainda sabem pensar dialeticamente saber que por longo tempo terão como imagem do oficial médio o Eduardo Pazuelo.

  3. a unica solução para a questão militar no Brasil eh a aplicação imediata de políticas de acao afirmativa nao so nos colegios e academias militares como também em toda e qualquer progressão e ascensão de patente. Se as forcas armadas sao uma instituição de Estado, que se comportem como tal: um minimo de 50% de mulheres nas escolas e entre o oficialato, pelo menos 30% de negros e pardos e vagas destinadas a indigenas e PCD. Fim da justica especial, aposentadoria especial, hospitais segregados, conjuntos de apartamentos segregados, serviço militar obrigatório e demais anomalias. Os de farda precisam aprender q nao sao uma casta.

  4. Por mais que se pense que o general defenestrado do posto de comandante do exército tenha sido desastroso no trato com ministros de estado,internamente, isto é, entre seus pares,ele merecerá um busto ao lado de Caxias,talvez,até acima dele.
    Não fosse a sua atitude ameaçadora golpista e as prisões que seriam efetuadas garantiriam praticamente a eliminação do exército brasileiro como ele é hoje,ou seja,com seus atos,garantiu que a mamata golpista não se encerrará tão breve.

  5. Sobrou vontade, falou condições.

    Não por falta de vontade, que não teve golpe.

    Por todos os lados que se olhe, é nítida a vontade de se estabelecer por meio de um golpe.

    Mas primeiro estamos no capitalismo, e temos um classe dominante.

    Depois golpe e governos de conciliação suas últimos recursos de dominação.

    A total falta de apoio dos eleitores do ex-presidente , já é uma demonstração de falta de condições para um golpe, principalmente considerando a expressiva e assustadora votação do ex-presidente.

    O que leva a crer que os atores da tentativa de golpe estavam embriagados pela falsas notícias que eles mesmos prppagavam nas redes sociais.

    Além a força virtual das redes sociais só é valida se for concretizada nas ruas, onde se vive a realidade do dia a dia.

  6. As forças armadas e policiais são a parte operacional de um golpe, tem um hierarquia rígida, não se discute se cumpre.

    ….. dificilmente seria a parte pensante de um golpe.

    …..

    As forças armadas e policiais, tem um efetivo de quase 900 mil membros. Considerando os afastamentos folgas, troca de turno, baixas temos um efetivo real de 300 mil.

    Muito pouco para controlar um país de dimensões continentais…..

    Um golpe seria um último recurso, nestas condições.

  7. O ensaio de 2018 no Rio de Janeiro, provavelmente desestimularam golpe.

    Muitos dos obstáculos na parte operacional foram revelados na prática.

    Provavelmente sem este ensaio, as forças armadas poderiam ser convencidas a apoiar um golpe.

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