De Kolynos à Shaffers, os produtos vice-campeões da nossa infância, por Luis Nassif

Quando me formei no ginásio, meu avô me presenteou com um jogo de canetas Shaffers, tinteiro e esferográfica. Foi a glória. Primeiro, pelas canetas em si, duas pequenas joias, com a pena, da caneta tinteiro, com um desenho aerodinâmico, parecendo uma obra de Niemayer. Depois, por poder competir com meu pai, dono de uma Parker 61 cuja pena parecia um piupiu com fimose.

Está certo que nem com a aerodinâmica da Shaffers consegui competir com a letra dos dois velhos, meu pai e meu avô. Mas eles tiveram mais aulas de caligrafia que eu.

A Parker era a campeã, a Shaffers uma mera alternativa. Foi quando me dei conta de minha compulsão a ser gauche na vida, a apostar sempre contra o campeão.

Foi por isso que preferia a pasta de dentes Kolynos, ao invés da campeoníssima Colgate. Ou o creme de barbear Bozzano, em lugar do Williams. Mas aí, acho eu, influenciado por meu pai, farmacêutico atuante e defensor dos produtos nacionais. Não foi o caso do Brylcreem, que passava no cabelo em lugar do líder Gumex – dura lex, sed lex, no cabelo só Gumex. Mas o absorvente Miss era uma autêntica alternativa brasileira ao campeoníssimo Modess. Para as unhas, preferia o Unhex, embora infinitamente inferior ao Trim.

Na Farmácia Central, Salva Sempre, aliás, tanto Miss quanto Modess eram empacotados antecipadamente. A freguesa chegava e pedia um ou outro mediante sinais discretos, e entregávamos o pacote fechado para não constrange-la.

Para a ressaca, admito que preferia o vice-líder Acrosin (injeção), porque o líder Necroton doía pra cacete. Para o chocolate, havia empate entre a Sonksen e a Kopenhagen, em detrimento da toda poderosa Nestlé.

Nos sorvetes, apesar de uma paixão antiga e consolidada com o Eski-bom, aderi com entusiasmo à entrada da Gelatto. Mas aí, se não me engano, por ter sido trazida para o Brasil pelo meu padrinho Fuad Nader.

No futebol, o goleiro ídolo era o trágico Barbosa, no lugar do apolíneo Gilmar. Não cheguei ao ponto de considerar Garrincha melhor que Pelé. Mas me emocionava com o anjo torto.

Foi esse espírito alternativo, aliás, que fez meu pai Oscar comprar a assinatura perpétua da Folha, quando, ainda nos anos 60, começou a enfrentar o líder do sistema, o poderoso Estadão, leitura obrigatória do meu avô udenista. Seu Issa só deixou de ler o Estadão quando a ira do jornal contra Maluf, lá pelos anos 70, resvalou para um preconceito contra os descendentes de árabes.

Quando começou a era da informática, continuei a ser gauche. Nas planilhas, antes da era Excell, o campeão era o Lotus 123. Eu preferia o Quatro, e o Office da Boreland, empresa extremamente criativa, que soçobrou com o processo de concentração do setor e com o poder de monopólio da Microsoft.

Luis Nassif

17 Comentários

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  1. A propósito,

    quando na minha infância, acho que 3º ano do primário, lá pelos idos dos anos 60 do Século passado, um colega de classe me propôs trocar minha Shaffers esferográfica pela Parker 21 ou 51, não lembro bem, tinteiro dele! Falei para meu pai, que me disse que era para o pai do garoto aprovar! O pai dele aprovou e a permuta se perfectizou! Só não lembro o destino da minha… 

    1. Interessante notar que a Bic do Bozo era uma Compactor nacional

      … ao invés da Bic estrangeira…

      Mas aqui, sakumekié, a mídia é 90% assessoria de relações públicas do poder politico-econômico-financeiro.

  2. Software

    Nos meus computadores, sou extremamente gauche: só Linux (Ubuntu). Mais estável e leve que o Ruindows e gratuito, além de ser quase impossível ser contaminado por vírus. Não é mais coisa pra geeks, muito fácil de operar. 

  3. Sheaffers

    Ganhei do meu pai a mesma que ele ganhou do meu avô, com corpo listrado em madrepérola o osso e tampa em inox e ouro, como sua pena. Carga de tinta bem mais durável que a das Parker. Maravilha, foi furtada no ensino “superior”.

  4. Programas de computador antigos

    Sobre os programas antigos, comprei nos Estados Unidos em 1991 um 386 com o programa Geos instalado. Ele era um programa de execução simultânea de tarefas, parecido mas anterior ao Windows, e bem mais eficiente. Com ele, o 386 ficava mais ráṕido que o 486 que comprei com o Windows instalado, além de ter coisas boas como começar a impressão de um documento grande imediatamente, formando o arquivo de execução da impressora página a página, em vez de fazer como o Windows, que ficava ruminando um tempão. Depois disso, o Windows bloqueava o computador até que o arquivo estivesse impresso, enquanto o Geos liberava para outras tarefas.

    Não sei o que aconteceu com o Geos. Doei o computador, com os discos de programas, para o Museu da Ciência de SP, juntamente com um antepassado de laptop. 

    Provavelmente a Microsoft destruiu a empresa da Geos, como fez com a do Lotus. Ela sempre teve melhores advogados que programadores. 

  5. Bons tempos esses, Nassif,

    Bons tempos esses, Nassif, quando campeão era campeão e vice era vice. Mesmo preferindo-se o segundo o primeiro era reconhecidamente melhor. Nem por isso o vice deixava de ter um valor intrínsico que justificava o amor a ele dedicado. Hoje, que pena, vice de uma mediocridade incomensurável, além de outras coisas,  destrona o campeão, ou campeã, com “todas as instituições funcionando”. E tem vice por aí, que mesmo não possuindo a “meritocracia” dos vices d’antanho, a possui num nível mensurável muito acima do…do…do não vice.

  6. Quando era moleque em

    Quando era moleque em Eldorado, adorava ganhar carrinhos. Imediatamenre eu arrancava as rodas e eixos deles para usar nos veículos que eu mesmo fazia com latas de sardinha e madeira. Alguns deles eram articulados, razão pela qual eu estava sempre precisando de novos eixos e rodinhas. Ninguém as vendia separados dos carrinhos de plástico que eu imediatamente desprezava. No quintal havia uma mini-cidade com diversas ruas cuidadosamente rasgadas no terreno com um enxadão. Lá minha imaginação era livre de qualquer marca. 

  7. Receitas de bolo?

    Me lembrou do Estadão publicando receitas de bolo, na época da censura, na ditadura anterior (a de 194 em diante).

    São ótimas as suas lembranças, Nassif,  mas você está censurado ou ameaçado? 

  8. Também tive compulsão

    Também tive, caro Nassif, compulsão entusiasmada pelos bens de consumo estrangeiros, especialmente pelos estadunidenses, muitas vezes – quase todas elas, se não todas – por valores agregados pela propaganda comercial, pelo que o objeto simbolizava e não pelo que era.

    Quando reparei o que a turma fazia com o poder que eu lhes atribuía, passou…

    Perder uma ilusão dói, como toda perda. Mas a gente anda mais leve.

  9. Sheaffer

    Nassif, o nome correto da caneta é Sheaffer.

    Sempre fui fascinado por canetas e lápis (ah, as aulas de caligrafia no grupo escolar – sim, já passei dos 18, melhor dizendo, dos 68).

    Tive duas Sheaffers esferográficas, cujo mecanismo de acionamento era o clip de prender no bolso da camisa.

    Minha primeira caneta tinteiro foi uma Parker 21, presente de minha mãe, no meu aniversário de 1959.

    Conservei-a ao longo de minha vida estudantil e profissional, até que, num assalto a mão armada em 2013, o lanceiro a levou.

    Belo texto sobre os vice-campeões. Reavivou recordações gratas de minha infância e juventude.

    Meu filho mora no Reino Unido e veio passar o Natal comigo. Queria trazer um presente e me ofereceu uma Mont Blanc Meisterstück.

    Preferi a vice, uma Pelikan Souverän.

    Forte abraço.

     

     

  10. ” O Mundo Acabou “

       Para um mineiro o livro do Alberto Villas é um barato, quando bebiamos Crush, usavamos pente Flamengo, tenis Bamba ) em São Paulo o Ki-Chute ), calças Far-West………

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