Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Esse lado de fora é cada vez mais ficção, por Maíra Vasconcelos

É de laço em laço, entre escrita e leitura, que se vê que o que está de fora é aquele que escreve.

Esse lado de fora é cada vez mais ficção

por Maíra Vasconcelos

Ouça a crônica 120218_003

Em razão de um novo livro, escrevo agora mais um texto que deveria ser um texto de jornal. Escrevo porque escrevi outro livro. E nessa autorreflexão continuo a representar apenas aquilo que está na palavra. Pois escrever pode ser como estar sempre atado a outros escritos. Há uma continuidade bastante comprovável entre os próprios livros e os livros alheios. Outras vezes, é como puxar o fio de um livro e levá-lo a outro em diálogo permanente.

Sabe-se que a escrita, como esse texto que deveria ser um texto de jornal, está atada a leituras. É de laço em laço, entre escrita e leitura, que se vê que o que está de fora é aquele que escreve. Atento ao inevitável distanciamento diante da própria palavra e das leituras. É certo que também vivemos fora do que se escreve e do que se lê. Esse lado de fora é onde passa a vida, ainda que sempre norteada por escrituras e leituras. Afinal, importa realmente a vida que se leva para poder escrever.

Então, esse estar-fora-de parece momentâneo quando a necessidade pela palavra escrita ocupa espaço vital. Ora se está submergido, ora volta-se a buscar ares na superfície. Um movimento, aliás, bastante repetitivo e que se parece a treinos de atletas. Não lemos e escrevemos estando fora, mas sempre dentro de. Esse novo livrinho fala disso, fala do mar, fala da água e da inevitável fundura diante da qual se é submetido na vida diária da escritura.

Essa necessidade de saber nadar para escrever-e-viver, fez-me lembrar o que li, outro dia, sobre Joyce e sua filha Lucia em consulta com Jung. Joyce levara escritos de Lucia para que o psicanalista, ao tratá-la, pudesse comprovar que ela escrevia como o pai. Mas Jung diria que a diferença é que onde ele sabe nadar sua filha afoga. Assim leio e escrevo e entendo que textos saem exatamente do mesmo lugar, esse lugar onde se pode nadar ou afogar. Há palavras de afogados e palavras de nadadores. A escrita é uma das coisas mais perigosas e intensas que conheço, assim como é viver. E não parece ser possível separar vida e literatura. Esse lado de fora é cada vez mais ficção.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

1 Comentário

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  1. Sempre acreditei que a escrita e a leitura têm a mesma dinâmica das galáxias…
    sempre as vi como fitas de DNA, mas de diferentes tipos de pessoas que se completam ou não em ficção………………………….ou não ou

    para mim, aprendiz de leituras, viver entre elas é como pular o vulcão vida agarrado à uma corda de gelo……………………………….

    mas conseguir chegar do outro lado, nem sempre foi ficção, questão de tempo e da dinâmica da consciência, dependendo pois das duas fitas, estejam onde e como estiverem, qualquer lado, pois lado não há neste ou em qualquer outro vulcão, espiral de pontos que se encontram onde só há tempo

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