Pela volta de Jesus e Sócrates na terceira década do terceiro milênio!, por Sr. Semana

Sócrates e Jesus foram ambos condenados à morte por se oporem aos interesses e paixões humanas que se contrapõem ao amor desinteressado pela verdade (Sócrates) e ao amor desinteressado pelo próximo (Jesus).

Pela volta de Jesus e Sócrates na terceira década do terceiro milênio!

Um voto do Sr. Semana.

A possibilidade de uma guerra entre os Estados Unidos/Israel e o Irã deve estar alimentando expectativas milenaristas em meios evangélicos fundamentalistas. Muitos fieis dessas igrejas consideram o fortalecimento de Israel, com a tomada completa de Jerusalém dos palestinos majoritariamente muçulmanos, condição sine qua non para a segunda vinda de Cristo. Como se sabe, entre as principais fontes internacionais de apoio ao movimento sionista e ao governo de extrema direita de Netanyahu estão igrejas pentecostais e neopentecostais bastante influentes no governo Trump e em outros governos de extrema direita como o do Brasil.[1] Milenaristas messiânicos e outros grupos cristãos ultradireitistas combatem o crescimento da população muçulmana no ocidente e a modernidade das luzes por acharem que esses movimentos ameaçam, o primeiro direta e o segundo indiretamente, a supremacia branca cristã. Ao apontarem o cristianismo como o principal pilar do ocidente cuja cultura alegam querer salvar de influências que consideram exógenas, cometem dois erros fundamentais. O primeiro é tomarem o cristianismo apenas na sua tradição institucional histórica vinculada ao poder temporal (cruzadas, legitimação de reis absolutistas, caça às bruxas, autos de fé, etc.), ignorando a mensagem bíblica de despojamento, de amor incondicional, de perdão e misericórdia. O segundo é ignorarem—de fato se oporem a—um segundo pilar da civilização ocidental, anterior ao pilar cristão, que é a tradição filosófica-científica originada na Grécia antiga. O cristianismo surge em uma cultura helenizada, estando o pensamento filosófico grego presente, em graus variados, nos textos dos evangelhos (todos escritos em grego), nos da patrística e em toda tradição teológica até os dias de hoje.

Sim, Jesus precisa voltar. Não na crença supersticiosa no aparecimento de um novo homem Deus, que comandará uma guerra sangrenta contra os infiéis,[2] mas no aumento da presença do que ele deve representar na vida dos cristãos: um ideal, de fato irrealizável em sua plenitude, mas que é um dever cristão buscar, de caridade, de amor ao próximo, de compaixão, de desprendimento dos valores materiais de poder e de riqueza. E Sócrates também precisa voltar.[3] Não na crença supersticiosa na sua reencarnação, mas no aumento da presença do que ele deve representar na vida de todo ser humano (e não somente do cristão): um ideal, de fato irrealizável em sua plenitude, mas que deve ser buscado, de racionalidade, de compromisso supremo com a verdade, de combate a todo preconceito, a toda opinião carente de evidência empírica ou racional.

Sócrates e Jesus foram ambos condenados à morte por se oporem aos interesses e paixões humanas que se contrapõem ao amor desinteressado pela verdade (Sócrates) e ao amor desinteressado pelo próximo (Jesus). Que o sacrifício de ambos não tenha sido em vão! Sim, sacrifício, pois ambos poderiam ter evitado a morte caso abrissem mão dos ideais que encarnavam, sucumbindo aos interesses e paixões meramente humanas como a vontade de viver e o medo de morrer. É urgente que o que representam, respectivamente, as dimensões racional e amorosa da vida humana, ganhe relevância na terceira década do terceiro milênio.

[1] Sobre a influência do milenarismo messiânico cristão de origem calvinista (puritana) no sionismo e no conservadorismo da extrema direita norte-americana (especialmente no governo Reagan), ver David Katz e Richard Popkin, Messianic Revolution: radical religious politics to the end of the second millennium. Londres: Penguin, 1999.

[2] O artigo de Zachary Wolf, “Trump is either trolling everyone or thinks he’s like a god”, www.CNN.com,  publicado em 22/08/2019, acessado em 07/01/2020, parece hoje ainda mais oportuno.

[3] Ver Leonardo Boff, “A pós-verdade: Sócrates morreria de tristeza”, www.leonardoboff.wordpress.com, publicado em 10/12/2019, acessado em 05/01/2020.

Redação

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