Por Fábio de Oliveira Ribeiro
Fui assistir ao filme Alemão e gostei bastante do espetáculo. Acompanho os conflitos no Rio de Janeiro há bastante tempo. Vem daí meu grande interesse pelo filme.
Ao contrário de Tropa de Elite, em que predominam as cenas de ação do BOPE nos labirintos dos morros cariocas, Alemão é marcado pela tensão entre os protagonistas fechados numa pequena pizzaria. O medo é o verdadeiro tema do filme.
Cada um dos policiais encurralados teme os traficantes lá fora, mas também teme o companheiro ao lado suspeitando que ele pode ter entregado a operação sigilosa ao chefão do tráfico no morro. Este, por sua vez, teme perder a vida e o controle da situação à medida que vai ficando claro que a invasão do seu território é inexorável.
Os atores que interpretam os policiais, o traficante e os principais soldados do tráfico construíram personagens que merecem credibilidade. A curiosa troca de ofensas e de tiros entre policiais e traficantes durante o tiroteio final me fez lembrar das histórias que ouvi quando era criança.
Meu avô materno (João de Freitas Ribeiro) me contou algumas histórias sobre a Revolução de 1932. Ele e um irmão do meu avô paterno (Godofredo de Oliveira Ribeiro) lutaram no sul do Estado de São Paulo contra as tropas gauchas. Uma das histórias mais pitorescas que me foi contada dizia respeito à coragem suicida de Godofredo.
“Nhô Godo”, como Godofredo era conhecido em Eldorado (que se chamava Xiririca na década de 1930), morou muito tempo no Rio Grande do Sul quando era jovem e foi professor na escola de fazenda de Getúlio Vargas. Ele havia sido um grande entusiasta da Revolução de 1930, mas se colocou contra o presidente quando o interventor nomeado por Getúlio Vargas começou a matar paulistas. Guerra declarada lá se foi Godofredo trocar tiros com alguns de seus ex-companheiros gaúchos. Dizia me avô que as vezes, durante a fuzilaria, “Nhô Godo” levantava na trincheira e começava a ofender verbalmente seus adversários, chamando eles de “filhos-da-puta, covardes e desgraçados” e os desafiando a lhe meterem um balaço no peito. Godofredo sobreviveu à guerra e morreu com bem mais de 80 anos quando eu era criança.
A curiosa cena do filme Alemão que reviveu em mim esta memória infantil, portanto, pode ter registrado uma autêntica tradição brasileira: esta coisa maluca que nós temos de trocar ofensas verbais e tiros ao mesmo tempo. Entre os brasileiros as palavras também são armas que os tiros devem silenciar? Não sei se os outros povos também fazem isto, mas sei que é assim que nós fazemos a guerra. Ponto para o filme, que conseguiu registrar de maneira espetacular algo muito peculiar da alma brasileira.
Há um aspecto bastante irônico no filme. Os policiais encurralados no morro estariam realizando uma missão secreta para coletar informações necessárias à invasão do morro. Mesmo assim, as fichas deles caem nas mãos dos traficantes quando estão sendo transportadas por um rapaz negro que presta serviços eventuais a Polícia sem ser policial. Aja burrice no comando e na condução da operação de “inteligência policial”… Após a descoberta dos “X-9” (como os policiais infiltrados são chamados pelos traficantes no filme) a comunicação entre eles e seu comandante no Centro do Rio de Janeiro é cortada. O “serviço de inteligência” comandado pelo traficante, portanto, é bem mais eficaz que o da Polícia. Em razão disto, podemos presumir que muita gente graúda da área de segurança no Rio de Janeiro não vai gostar de ver este filme.
Só os mortos verão o fim da guerra, como disse Platão. O que restou do conflito no Alemão foram os órfãos infelizes e os pais dilacerados pelas mortes de seus filhos. A arte imitou de maneira absolutamente plausível a vida. Alemão é um bom filme nacional, talvez até melhor que Tropa de Elite. A tensão produzida ao longo deste filme é brutal e provoca mais reflexão do que a matança que ocorre no seu final.
Localizei numa edição de 26 de julho de 1934 do Correio Paulistano o seguinte fragmento em que “Nhô Godo” é mencionado:
“Entre os mortos, lá ficou a mocidade esperançosa de João Farias, hoje coberto de bençams e de flores ‘Xiririca pagou com o seu sangue – como bem disse o orador – a glória inalienável de ser paulista.”
Terminado entre vivas e palmas o discurso do Sr. João de Moraes, continuou o cortejo a percorrer a cidade. Em frente a Prefeitura Municipal falou o ex-combatente Godofredo de Oliveira Ribeiro, que produziu uma oração cheia de calor e de fé, recebendo ao terminar, uma salva de palmas.”
De certa maneira os roteiristas, produtores e atores do filme Alemão também produziram “uma oração cheia de calor e de fé” para honrar aqueles brasileiros que morreram numa outra guerra estúpida. Alemão é o cinema brasileiro renovado. Um filme para ser revisto com calma.
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A desgraça de se comemorar uma derrota
Ninguem fala, ninguem
Ninguem fala, ninguem comenta, poucos, pouquissimos verão. Deve mesmo ser ótimo.
Nao entendo a intençao desse tipo de cinema
Alemao fala sobre desigualdade social-violencia urbana: o assunto de maior complexidade do país?¿ Mas parece filme de açao, e isso é muito esquisito.