Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O Mal está na crueldade cotidiana no filme “Experimentos”, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

A velha questão permanece: como são possíveis holocaustos e genocídios, sistemática e profissionalmente organizados seja na guerra ou em sistemas metódicos cotidianos? Quem são essas pessoas que executam as ordens? Burocratas que apenas obedecem superiores ou monstros frios e maus? No filme “Experimentos” (“Experimenter”, 2016), sobre os célebres experimentos sobre autoridade e obediência realizados pelo psicólogo social Stanley Milgram em 1961, a resposta é paradoxal: nem uma coisa e nem outra, intuiu Milgram. Para entender o jogo da autoridade que cria ilusões, somente criando uma outra ilusão: uma experiência de simulação no qual o voluntário era colocado em um dilema moral – é possível obedecer ordens mesmo que confrontem convicções íntimas? “Experimentos” mostra como o insight gnóstico muitas vezes está presente na Ciência: a ilusão pode definir um cenário no qual a verdade pode ser revelada – a “banalidade do mal”, que é mais cotidiana do que podemos imaginar.

Um homem reponde a um anúncio de jornal buscando voluntários para um experimento em Psicologia sobre o efeito das punições nos processos de aprendizagem. Os US$ 4,50 levam esse homem a um laboratório da Universidade de Yale. Ele se depara com um pesquisador sério vestindo um imponente jaleco cinza. Pacientemente ele explica para o homem e um outro participante o procedimento.

 

Um sorteio definirá quem é o Professor e o Aluno. O Aluno ficará isolado em uma sala, enquanto o Professor fará uma série de perguntas pré-definidas e, a cada erro, apertará um botão que aplicará um choque elétrico inicial de 15 volts no Aluno. A cada erro, a voltagem vai aumentando até o limite de 450 volts – carga extremamente perigosa e potencialmente fatal.

Da sala anexa, o homem começa a ouvir os gritos do “Aluno” a cada eletrocução. Os gritos ficam mais altos, e o homem diz ao pesquisador que não se sente confortável em aplicar mais castigos. “É necessário que você continue o experimento”, diz secamente o pesquisador, com uma fisionomia grave.

Após 405 volts o “Aluno” deixa de responder. “Será que aconteceu alguma coisa com ele?”, o homem pergunta seriamente preocupado. Mas o pesquisador assegura de forma dúbia: “asseguro-lhe que os choques não causam nenhum dano tecidual…”.

A máquina indica que o próximo choque será “extremamente severo”. Mas o homem pensa: “poderia ser eu no lugar dele… um simples sorteio me livrou de estar preso em uma cadeira elétrica”. O compenetrado pesquisador assume a responsabilidade, e o “Professor” aciona os últimos choques potencialmente fatais.

 

Essa macabra experiência abre o filme Experimentos (Experimenter, 2015), sobre o famoso e controvertido “Experimento de Milgram” sobre autoridade e obediência feita pelo psicólogo da Universidade de Yale Stanley Milgram em 1961.

Apesar da dramaticidade e da angústia real dos “Professores” que deveriam aplicar as cargas elétricas como castigo, o voluntário ignorava de que tudo não passava uma simulação. Nem os choques eram de verdade e muito menos o “Aluno” era outra cobaia remunerada pelo experimento: era um ator que acionava um gravador que disparava gritos no interior da sala onde supostamente estaria amarrado a uma cadeira.

A verdade através da ilusão

Pelos resultados, Milgram comprovaria o quão facilmente pessoas comuns seriam capazes de cometer as maiores atrocidades. Como numa situação de submissão à autoridade, pessoas comuns seriam capazes de abandonarem seus princípios morais passando toda a responsabilidade por atos bárbaros a alguém hierarquicamente superior. Essa pessoa veria a si própria como um mero instrumento neutro das ordens de uma autoridade.

Esse experimento mostrado diversas vezes no filme Experimentos até hoje sofre uma série de críticas éticas – seriam procedimentos que submeteriam os voluntários a situações constrangedoras, opressoras, nas quais os violentos dilemas morais poderiam resultar em experiências traumáticas. Segundo os parâmetros de comitês reguladores atuais, jamais essa experiência (e a sua repetição em décadas posteriores) seria realizada.

 

Mas o argumento de Milgram em sua defesa era surpreendentemente gnóstico, assim como todo o enfoque da questão da obediência à autoridade. 

A certa altura do filme, Milgram (Peter Sarsgaard) se confronta com críticas de que seu experimento era apenas uma trapaça: uma situação artificialmente criada, muito longe de uma situação real. Não era uma prova científica.

“Eu gosto de pensar nisso como uma ilusão, e não uma trapaça”, dispara Milgram. “A ilusão tem uma função reveladora, como em um jogo. A ilusão pode definir o cenário para a revelação, para revelar as dificuldades para se chegar à verdade”, conclui o pesquisador.

Se o poder ideológico da autoridade é uma ilusão, nada melhor do que combater a ilusão com uma simulação. Se o mundo é uma ilusão, a única forma de encontrar a verdade por trás desse véu é através de um jogo de ilusões: a simulação.

 

O Filme e o contexto

Experimentos é mais do que uma biografia do psicólogo social Stanley Milgram: o filme inicia com os famosos experimentos cujos resultados Milgram acreditava que explicariam tragédias como a barbárie nazista – como compreender atos tão cruéis sob o álibi do “estou apenas obedecendo ordens”?

A narrativa deixa clara o contexto no qual os experimentos aconteceram. Em 1961 estavam em andamento os tribunais de Jerusalém, e estava sendo julgado Otto Adolf Eichmann, oficial nazista capturado pelo Mossad (agência de inteligência de Israel) em Buenos Aires. Ele era considerado “o arquiteto do Holocausto”. Suas declarações impressionaram pela frieza e pelo modo como seus subordinados seguiam cegamente suas ordens.

A virtude de Experimentos é mostrar como a pesquisa de Milgram se diferenciava da até então visão corrente sobre o tema da obediência: rígidas cadeias hierárquicas, lavagem cerebral militar etc. Mas para Milgram, qualquer situação persuasiva poderia levar alguém a abandonar seus preceitos morais.

O que é mais incrível nas situações apresentadas pelo filme, é que não parecia haver qualquer causa aparente para os voluntários começarem a obedecer cegamente às ordens do pesquisador – nenhuma relação hierárquica, familiar, forma de poder, autoridade etc. Não, apenas um homem de jaleco cinza com uma voz asséptica dizendo “por favor, continue… é necessário dar continuidade para que possamos concluir o experimento…”.

Ficam explícitas as angústias e conflitos internos dos voluntários (morder os lábios, suar, tremer, cravar as unhas na pele etc.), mas seguiam em frente até a eletrocução fatal.

 

Onde está o Mal?

Didaticamente, a narrativa detalha a descoberta de Milgram que o diferenciava do senso comum corrente: o que ele chamou de “estado de agente” – é a própria “política do trabalho”: numa sociedade ou cadeia de trabalho no qual o indivíduo perde a noção do propósito do Todo. O indivíduo passa a se definir como instrumento de realização dos desejos do outro. “Apenas faço o meu trabalho”, é o mantra de organizações burocráticas, de trabalho superespecializado.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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