O que é Defesa Nacional
por Manuel Domingos Neto
Os horrores das guerras da primeira metade do século XX, com destaque para as explosões atômicas, embalaram o termo “defesa”, que não embute promessa de agressão. Os ministérios da guerra passaram a ser crescentemente designados ministérios da Defesa.
O Brasil está entre os derradeiros países a criar um Ministério da Defesa (1999), que reuniu as antigas pastas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Para criá-lo, Fernando Henrique Cardoso reuniu habilidade e coragem.
A “Defesa Nacional” deve ser entendida como o conjunto de orientações, dispositivos e iniciativas do Estado visando proteger-se contra ofensas externas ou reagir ao cerceamento de sua soberania.
Os ministérios da Defesa, formalmente, devem preparar instituições e cidadãos para dissuadir ou enfrentar estrangeiros hostis.
Assim como a guerra, evento da mais alta concentração política, a Defesa transcende a alçada militar.
Nos Estados de Direito, as políticas de Defesa, como quaisquer políticas públicas, devem respeitar princípios constitucionais. Suas formulações exigem largueza de vista e profundidade na análise de processos e tendências históricas. Demandam o acompanhamento das configurações da ordem internacional, ou seja, percepção geopolítica e sensibilidade estratégica.
As políticas de Defesa Nacional requerem sincronia entre braços estatais e sociedade; pedem arranjos sistêmicos e iniciativas multissetoriais de grande alcance, sempre combinadas e complementares; incluem vasto repertório de providências escalonadas e não comportam improvisações; demandam planejamento especializado e compreendem a eliminação ou atenuação de vulnerabilidades do Estado e da sociedade.
A Defesa Nacional não deve ser entregue a amadores nem a servidores públicos treinados para comandar tropas e manusear armas; precisa ser formulada e administrada por um corpo estável de servidores especializados capaz de assistir à chefia de Estado, aos parlamentos e ao poder judiciário. Servidores da Defesa devem mostrar capacidade de diálogo com os responsáveis pela formulação e condução das diversas políticas públicas, com os meios de comunicação, a sociedade e as fileiras.
Sujeita à determinação de militares, a política de Defesa tende a ser insatisfatória devido ao viés corporativo. Corporações militares não podem deliberar sobre a Defesa; não podem pontificar em sua formulação nem gerenciá-las. Isso representaria a militarização, aberta ou sub-reptícia, do aparelho estatal e da sociedade. As corporações devem ser organizadas segundo as diretrizes da Defesa.
O setor industrial de armas e equipamentos militares, assim como os setores empresariais que lidam com tecnologias duais sensíveis (de uso civil e militar), integram o sistema de Defesa. Porém, caso interfiram em decisões políticas, estará configurada a promiscuidade entre os interesses público e privado.
A produção de armas e equipamentos, estando em mãos particulares, deve ser objeto de acompanhamento rigoroso do Estado. Desde o século XIX, quando se consolidaram os grandes empreendimentos da indústria bélica, muito sangue foi derramado em benefício deste setor industrial.
Intimidades entre empresários e militares constituem um dos mais delicados problemas da Defesa. As relações são inevitáveis, mas perigosas. Militar da reserva empregado na indústria de Defesa pode ser tão ou mais nocivo ao interesse público do que ex-diretores do Banco Central contratados por bancos privados. Isso ficou visível com as guerras mundiais, mas é problema muito antigo.
Fabricantes de armas veem a guerra como chance de negócios lucrativos. A expressão “complexo industrial-militar”, cunhada pelo ex-presidente dos Estados Unidos Dwight Eisenhower, em 1961, exprimiu os dilemas morais suscitados pela indústria de guerra, um dos ramos mais lucrativos do setor industrial, hoje conduzido pela especulação financeira, que ignora entraves éticos.
Cada Estado organiza sua Defesa conforme condições singulares. Comparações entre sistemas nacionais-estatais são inevitáveis, porém, ensejam enganos. A mensuração de capacidades militares é sempre relativa e imprecisa, tal o número de variáveis a ser levado em conta. Listagens do tipo “exércitos mais poderosos” servem mais para alimentar equívocos do que para embasar análises consistentes. Estabelecer relações entre efetivos militares e dimensões territoriais, demográficas ou econômicas, por exemplo, não faz sentido. Por estas relações, a Rússia seria uma das mais inexpressivas potências militares do mundo.
Estados com pretensões imperiais podem deter grande capacidade bélica, mas nunca estão seguros: despertam desconfianças e inimizades. Expõem-se às mais variadas e difusas ameaças. São obrigados a manter gigantescos serviços de inteligência no limite da esquizofrenia.
Estados com pequenos territórios, limitados recursos naturais, modesta capacidade produtiva, legitimados por cidadãos coesos, irmanados pela percepção de um destino comum e dispondo de sólidas alianças, podem ser imbatíveis. Sem tais condições, sobreviveriam como protetorados.
Em termos de Defesa, cada Estado tem suas peculiaridades geográficas, históricas, demográficas e culturais. Não há, portanto, fórmulas de Defesa Nacional replicáveis. Neste domínio, o Brasil não tem exemplos a seguir.
Manuel Domingos Neto nasceu em Fortaleza em 1949. Graduou-se em História pela Universidade de Paris VI, em 1976. Obteve o título de Mestre em Sociedade e Economia na América Latina, pela Universidade de Paris III, em 1976, e o título de Doutor em História pela mesma universidade, em 1979. Foi pesquisador da Casa de Rui Barbosa, superintendente da Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí, estado pelo qual também foi deputado federal. Professor da Universidade Federal do Ceará e professor associado da Universidade Federal Fluminense, foi também vice-presidente do CNPq e presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED).
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Como eu tenho escrito, o Brasil nunca entendeu seu papel na geopolítica e, semre que o estado cai nas mãos da direita, a primeira indústria que sofre é a que, direta ou indiretamente, abastece as forças armadas. Isso é de caso ensado orque nossa direita é aliada incondicional dos estados Unidos, daí abrir mão de sua indústria em prol da dependência. Foi isso o que a Lava a Jato fez ao destruir os nossos estaleiro, inviabilizando a manutenção da soberania sobre nossa Amazônia azul.
Eu iria escrever um textão para dizer o que penso sobre defesa nacional, mas encurtando, acho quase impossível sermos atacado por qualquer país que não seja uma potência militar global: EUA, China ou Rússia (descarto a possibilidade de ataques vindos de países latinos, europeus, africanos, asiáticos, etc).
Das três potências que citei, descarto duas, porque são limitadas geograficamente, devido às distâncias (China e Rússia), focando apenas nos EUA.
Só eles, EUA, teriam condições de nós atacar, e teriam que atacar preferencialmente pelo mar (preferencialmente não é unicamente). Uma ou duas frotas da marinha americana não se deslocam furtivamente, sem serem notadas, e nem rapidamente. Temos a nosso favor o fator tempo. Um ataque americano, preferencialmente por mar, só teria chances de sucesso com o desembarque das forças terrestres americanas em nosso solo.
Para que isso seja possível, teriam que contar com a parceria de alguns países sul-americanos. Ao norte poderíamos imaginar tropas americanas desembarcando na Guiana Francesa, para depois avançar em nosso território. Mas qual seria a motivação para desembarcar e nos invadir por alí? Nenhuma. E pelo sul? Teriam que desembarcar no Uruguai ou Argentina para depois nos invadir e tentar tomar nosso território, que é imenso.
Enfim, é quase impossível imaginar uma guerra contra nós vindo da China ou da Rússia, mas também é quase muito difícil imaginar uma guerra contra nós vinda dos EUA. A nossa costa atlântica é gigante, ela nos favorece. Nosso território é gigante, e também nos favorece. Nossa floresta amazônica é gigante, e também nos favorece.
Temos um privilégio natural de defesa que nos põe em outro patamar em relação a outros países. A única coisa que pode favorecer uma potência estrangeira numa guerra contra nós seria nós mesmos.