A diferenciação de gestão administrativa na agricultura no Brasil, por Cunha & Espindola

O gerenciamento na administração de uma empresa agrícola consiste em estar atento aos ciclos dos sistemas produtivos de safras

© CNA/Wenderson Araujo/Trilux

A diferenciação de gestão administrativa na agricultura no Brasil

por Roberto César Cunha e Carlos José Espindola

No Brasil, antes de todas as mudanças na estrutura produtiva da agricultura brasileira nos últimos 40 anos, os fazendeiros mantinham sob total controle o domínio gerencial e financeiro de toda unidade produtiva, acompanhavam de perto desde a fertilização do solo, as vendas e o embarque dos produtos nos caminhões. Entretanto, apesar do aparente controle das atividades administrativas e produtivas, havia necessidade de saber: Qual foi a taxa de lucro da última safra? Qual o volume de capital imobilizado na fazenda? Qual a produtividade de cada colhedeira? Qual o tipo de georeferenciamento adotado? Como funcionam as licenças ambientais? Qual o melhor terreno na sua área de cultivo? Quais os passivos que mais se depreciam? Quais os percentuais de remuneração de capital fixo e da terra sobre os custos totais de produção? Essas questões passavam longe da concepção do agricultor.

Com desenvolvimento do processo de produção, o trabalho, as funções e o sistema organizativo foram sendo dominados por grupos de gerentes e administradores, que aplicavam métodos científicos aos diversos níveis da unidade produtiva agrícola. As estruturas de gestão administrativa se tornaram um requisito essencial para sobrevivência e consolidação, independentemente do tamanho da propriedade e de quem administra (familiar ou não familiar) uma empresa agrícola.

A responsabilidade de um gerenciamento na administração de uma empresa agrícola consiste em estar atento aos ciclos dos sistemas produtivos de safras. Gerenciar a produção de uma fazenda estrategicamente é estruturar da melhor maneira possível as ações operacionais para que ela seja sustentável ao longo das flutuações de mercado, da pressão da concorrência e das ofertas de produtos e insumos. Também, deve-se dominar novas tecnologias e manter controle sobre o domínio da técnica e das operações intrafirma.

Com isso, o objetivo essencial na aplicação de métodos científicos nas empresas agrícolas é produzir produtos mais baratos possíveis, obter a maximização dos lucros, unificar os trabalhos de administração e minimizar os gastos dos recursos disponíveis, aumentando a produtividade do trabalho com o aproveitamento das características mais adequadas dos funcionários. Chegando, então, ao desenvolvimento pleno da divisão do trabalho, usufruindo dos interesses de mercado, explorando as diversidades edafoclimáticas e explorando as condições econômicas e sociais de cada território.

Assim, constituiu-se uma evolução, uma vez que, os fazendeiros aderiram à modernização, às técnicas e aos gerenciamentos, tantos próprios como terceirizados. Daí surgiu uma diferenciação, em termos gerais, de gestão administrativa na agricultura no Brasil entre as unidades produtoras nas grandes regiões de agricultura no país:

  • as empresas agrícolas fundadas pelos fazendeiros tradicionais contratam menos técnicos administrativos e têm uma relação paternalista com os empregados;
  • as firmas agrícolas contemporânea possuem estrutura de gestão empresarial e incorporam mais mão de obra especializada, como administradores, contadores, gestores e outros técnicos.

As empresas agrícolas fundadas pelos fazendeiros tradicionais possuem estrutura geral de administração direta familiar, tem maior incidência nos estados do Sul do Brasil (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná). As funções, apesar da hierarquia simples, possuem papeis bem delimitados e práticos. Em geral, os familiares de primeiro grau (esposa, filhos e irmãos) ocupam os cargos essenciais (financeiro, logística e infraestrutura); as tarefas administrativas são executadas por familiares de segundo e terceiro graus (primos, sobrinhos) e de funcionários antigos e fiéis, que conhecem todo processo produtivo integrado. Os trabalhadores de campo são considerados “compadres” e têm como principal característica a multifuncionalidade, ou seja, dependendo do estágio da produção, um técnico agrícola pode ser, ao mesmo tempo, um tratorista, um balanceiro, um empacotador e etc. As reuniões são, praticamente, diárias, todo controle passa pelo dono e, conforme os resultados do dia anterior, muda-se de estratégia para melhores práticas de produção e administração.

Desse modo, essas empresas agrícolas possuem controle familiar e se diferenciam por possuírem ou não uma departamentalização profissional. Os serviços de contabilidade, tributação, financeirização e planejamento, por serem funções de alta especialização, são todos terceirizados. A justificativa para isso é o alto custo de instalação dessas atividades no interior da firma. Esses serviços são indispensáveis para a sustentação das empresas, sobretudo para o recolhimento e isenção de impostos, capitação de subsídios e financiamentos via bancos oficiais. No caso dos serviços agronômicos, há certa cooperação entre as empresas, pois a mesma consultoria presta serviços para várias firmas simultaneamente.

Por seu turno, nas empresas agrícolas de origem contemporânea, de maior incidência nas áreas do cerrado brasileiro (Mato Grosso e MATOPIBA), toda administração e o gerenciamento de campo são executados por funcionários especializados, como gestores de administração de agronegócios, técnicos e auxiliares de escritórios e outros, que procuram instalar características gerenciais-profissionais-científicas para facilitar decisões e agilizar todas as etapas produtivas, mas não impedem que o controle total da empresa fuja das mãos dos familiares.

Nesse grupo de empresas existem conselhos que são os órgãos de máxima deliberação. Esta forma de estruturar as empresas está relacionada ao desenvolvimento de estratégias de longo prazo. Esses conselhos ajudam a avaliar a situação e propor uma reorganização na estrutura operacional e organizacional. Esse modelo corporativo é baseado nos métodos de administração científica, pois eles perceberam que era preciso contratar equipes enxutas e precisas, com obrigações nítidas e sem improviso, com poder de decisão imediato. Basicamente, essa estrutura é composta por: presidente; diretores; gerente geral; superintendentes de escritórios e de campo.

Para tentar maximizar a eficiência gerencial, amiudadamente, essas fazendas implementam programas de gerenciamento e de qualidade total para os terceirizados. Este sistema possui instrumentos e dispositivos capazes de monitorar e controlar os processos produtivos e administrativos, visando – a curto, médio e longo prazos – à melhoria da competitividade, à ampliação máxima da produtividade do trabalho, à prevenção de perdas e à identificação prévia de pontos de expansão e contração. Cursos de qualificação e reciclagem são obrigatórios para todas as funções, pois busca-se eficácia total na gestão empresarial.

Esse grupo de empresas internalizou os serviços de tributação, contabilização, financeirização, consultoria agronômica e planejamento. Essas atividades no seio das empresas funcionam como uma unidade de negócios onde se desenvolvem estratégias de planejamento e execução para evidenciar políticas de alto rendimento e efetiva atuação na comercialização, principalmente, com as grandes Tradings, e capitação de recursos via empréstimos.

Por fim, o processo sincrônico de aumento da produção e produtividade do setor agrícola está diretamente correlacionado a outros dois processos: (i) concorrência entre os produtores de mercadorias; (ii) aumento sistemático do parcelamento do trabalho produtivo, ou seja, ininterrupta expansão da divisão técnica e social do trabalho. A concorrência entre os produtores rurais levou à especialização produtiva, à incorporação demáquinas e à aplicação da ciência como fator de produção na agricultura brasileira. E de modo consequente, a exteriorização desse processo está explícito na superioridade da grande produção capitalista e na elevação majoração da composição orgânica do capital. Cabe lembrar que essas duas estruturas gerais de gestão mudam de acordo com a temporalidade e a espacialidade onde essas se desenvolvem em termos combinados e complexos, com agregação de atraso e dinamismo.

Roberto César CunhaPós-doutor em geografia. Pesquisador FAPESC

Carlos José EspindolaPós-doutor em geografia. Universidade Federal de Santa Catarina

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