
A fabricação de chips e a tecnologia como alvo
por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Estudar ciência política é interessante para todos os cursos.
Quanto à estratégia, as guerras se dividem em dois grupos, ataque e defesa; quanto à tática, dividem entre de ocupação e de terra arrasada. As de ataque tendem a ser de ocupação, enquanto as de defesa descambam para a terra arrasada. Tem sido assim por toda a história. Quando se ataca, pretende-se apoderar do que o outro tem, do butim, como fez Roma em seu apogeu; quando é de defesa, procura-se destruir o oponente para que não ataque mais, como quando Roma destruiu Cartago. Um bom exemplo foi a II Guerra. A Alemanha pretendia se valer do que tinham os conquistados; a União Soviética revidou arrasando o que via pela frente. Claro que os alemães provocaram uma enorme destruição na União Soviética, haja vista os cercos de Kiev e Stalingrado. Não foi, porém, semelhante aos tapetes de bombas dos ingleses e americanos pelo ar, nem dos soviéticos pela terra. Churchill cogitou aniquilar o povo alemão com armas químicas, no que foi refreado por Roosevelt. Ainda se discute se os incêndios provocados pelo uso de fósforo branco foi ou não uso de armas químicas, especialmente no bombardeio de Tóquio, que antecipou o uso de bombas atômicas. Mais que anteceder, o ataque com bombas incendiárias suplantaram as atômicas em morticínio, algo pouco discutido em História.
Hoje, a Rússia se vê ameaçada pela Otan e não se vai furtar a usar tudo o que tem à mão. A fabricação de impressoras para chips nos Países Baixos é alvo importante. A holandesa ASML, cujos equipamentos não são vendidos por menos de US$150 milhões, tão caro quanto um Boeing 777, detêm hoje a tecnologia mais cobiçada do mundo. Sem elas, nem mesmo os três Boeings necessários ao seu traslado para o endereço de destino existiriam como os conhecemos hoje, dado aos miríades de chips que carregam em sua aviônica. Aliás, os US$150 milhões são uma parcela menor do custo de propriedade de um equipamento desses. A qualidade do prédio que o vai conter, assim como as instalações elétricas que forneçam os 1,3 mWh para fazê-la funcionar, sem contar com a mão de obra especializada, têm um custo significativo, mesmo que a impressora seja a alma do negócio.
Esses litógrafos imprimem chips. A litografia não é novidade. Foi inventada no século XIX evoluindo da xilogravura, que nada mais era do que a escavação de placas de madeira, tal que servissem como matrizes para impressão. No século XX, para agilizar a confecção de matrizes, passou-se a usar placas metálicas com uma emulsão fotográfica que se torna reentrâncias no processo de revelação. Ainda antes da II Guerra, já havia quem usasse processo semelhante para fazer placas de circuito impresso, com a diferença de que usa-se uma tela no lugar do fotolito e, depois de impressas, as placas recebem um banho ácido para que sobre somente a parte protegida pela tinta. Com o passar do tempo, começou-se a emular alguns componentes como indutores e capacitores na própria placa. Em 1957, Lathrop imaginou que seria possível emular transistores, mas não numa placa de circuito impresso, porém em algum substrato semicondutor como germânio ou silício, sendo o último mais abundante e barato. A isso se deu o nome de circuito integrado, que é o chip depois de encapsulado e pronto para ser montado em um circuito impresso.
Seu desenvolvimento foi todo financiado pelo poder público, principalmente japonês, americano e europeu. Como o investimento em tecnologia cresce exponencialmente, é natural que esse mercado tenda ao monopólio, especialmente por depender tanto do Estado, mormente em seu aparato de defesa.
A única sucursal da ASML fica em Taiwan, daí ser tão importante para os Estados Unidos impedir que a China incorpore a ilha, pois, até onde se saiba, essa é a única que ela ainda não tem, o que a deixa a mercê do ocidente no avanço da eletrônica em geral. A exemplo do que acontece com a aviônica, que só e vendida para quem é aliado ou simpatizante, as impressoras de chips têm sua venda bloqueada para quem é antagônico econômica ou politicamente. Daí a China não ter acesso a ela. Também é isso que impede que a Índia abrace incondicionalmente os Brics, pois temem ser excluídos do seleto grupo dos produtores de circuitos integrados de última geração.
Excelente esse vídeo, mas eu não sou tão pessimista em relação à indústria chinesa, nem tão otimista quanto ao domínio da indústria ocidental. Tenha em mente que a China, em paridade do poder de compra, equivale aos Estados Unidos + UK + Alemanha. Então, sem que saibamos, pode haver um investimento em pesquisa jamais imaginado e que fatalmente dará resultados. Outra questão é a máxima popular, que tem seus congêneres em economês, que diz: “Quem tem dois, tem um; quem tem um, não tem nenhum”. Não tenhamos a menor dúvida de que, caso a guerra com a Rússia se escale, os países baixos serão alvo preferencial. Os Estados Unidos sabem disso, daí levarem essas fábricas para longe do território nacional, evitando virar alvo. Afinal, a tecnologia é fantástica, desde que não atraia bombas.
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.
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A incorporação da ilha de Taiwan pela China, dependendo das represálias americanas teriam um impacto significativo no mercado global de chips, principalmente dos mais avançados, pois cerca de 90% desses chips são fabricados lá.
Agora o medo do ocidente de que a China possa de alguma forma absorver a tecnologia das máquinas de litografia do tipo EUV me parece um tanto duvidoso, pois muito da dificuldade está no processo de fabricação dos componentes e não de como a máquina funciona em si. Um exemplo é a parte óptica fornecida pela Carl Zeiss, a única empresa do mundo com a tecnologia para fabricar tais componentes.
Outro ponto que me gera dúvidas é até quando a China conseguiria operar as máquinas de litografia sem acesso a sobressalentes. Essas máquinas devem demandar muita manutenção, seja preventiva ou corretiva.
O mercado de semicondutores é fascinante. O ciclo de ascensão e queda é muito rápido. Quem lembra dos japoneses na década de 80 tomando todo o mercado de chips de memória e depois praticamente sumindo do mercado no final dos anos 90.
Para quem gosta do assunto recomendo o canal no Youtube chamado Asianometry.
Excelente comentário. O aaior medo dos Estados Unidos é a engenharia reversa. Fazer chips os chineses já fazem, mas com 7 nm de espessura, enquanto os usuários dos litógrafos holandeses produzem chips de até 3 nm, o que permite colocar dezesseis vezes o número de transistores na mesma área. Se um litógrafo desses cair nas mãos dos chineses, pode levar menos de cinco anos para a tecnologia ser absorvida. Quanto aos japoneses, a queda da União Soviética encerrou um período em que o arquipélago era fronteira com o inimigo. Se você bem sabe, a política americana sempre foi enriquecer as fronteiras. Além disso, o terremoto em Kobe mostrou que o Japão não é um fornecedor confiável por questões geológicas. Não há alguém com mais de cinquenta anos que não se lembre da crise provocada por aquele terremoto que destruiu as fábricas da NEC e da Sony, daí o ince3ntivo americano para que ambas se juntassem à egressa da Phillips e a produção de litógrafos migrou para a Holanda, que é membro da Otan e agora está em risco com a guerra na Ucrânia.
Interessante a questão do terremoto, não tinha noção que foi tão impactante nas decisões futuras para novos investimentos. Entretanto, talvez isso esteja mudando, pois a TSMC abriu em 2024 uma fábrica no Japão através da joint venture Japan Advanced Semiconductor Manufacturing com a Sony, DENSO e a Toyota.
O Japão cometeu alguns erros também, como não ter dado importância ao trabalho de pesquisa de Hiroo Kinoshita que deu origem a litografia EUV. Erro que os americanos não cometeram ao identificarem o trabalho dele. O trabalho do Kinoshita é de 1986 e o Japão só foi começar a tentar litografia EUV em 2002, muito depois dos americanos que começaram em 1990.
Vai ser interessante acompanhar nos próximos anos esse mercado, com a China fechando muito rápido o gap entre as gerações de chips. Como você mencionou eles já chegaram em 7 nm. Algumas pessoas já estão afirmando que a Lei de Moore está no seu fim, ou seja, a tecnologia de silício já está no limite, não sendo mais possível dobrar a quantidade de transistores a cada dois anos, isso transformaria o chip numa commodity. Caso isso aconteça, a China vai engolir todos os concorrentes, pois ninguém como eles para produzir numa escala gigantesca diminuindo o custo, veja o que aconteceu com o mercado de painéis solares.
O limite teórico é o tamanho do grânulo de silício, mas os componentes do litógrafo têm três dimensões, o que impede atingir-se esse tamanho de transistores. É bom lembrar que os chips são medidos em número de transistores porque são eles que fazem trafegar os dados, mas podem-se emular outros dispositivos como bobinas e capacitores, daí não encontrarmos mais componentes nas placas de circuito iimpresso em que os integrados estão soldados. Na verdade, sobra um resistor aqui, outro ali, às vezes um trafo, nada além disso.
Muito esclarecedor seu artigo, que de forma concisa mostra o que está em jogo nessa fronteira tecnológica.
A questão que coloco é se a China não estaria incomodada com a questão dos chips de 3 nm por conta de estar anos luz à frente do ocidente em computação e telecomunicações quânticas.
Esse assunto está na fila, ode crer. O futuro é quântico, mas não é para já. Nâo vou dizer mais nada para não estragar as próximas matérias.