
Big Techs: o complexo civil militar da guerra híbrida
por Reynaldo Aragon Gonçalves
Na era da comunicação 4.0, as big techs se consolidaram como o campo de batalha da guerra cultural e híbrida, modulando o comportamento social para atender aos interesses das elites globais ocidentais. Como essa nova forma de poder ameaça a soberania informacional das nações?
Vivemos em uma era marcada pela revolução digital e pela comunicação 4.0, onde o poder das grandes plataformas tecnológicas transcende o controle econômico e se estende ao campo da geopolítica e da manipulação informacional. As big techs — Google, Meta (Facebook), Amazon, Apple, Microsoft, entre outras — não são apenas gigantes do mercado; elas se tornaram o novo campo de batalha da guerra cultural, atuando como instrumentos-chave na guerra híbrida contemporânea. Essas empresas, ao controlar o fluxo de informações e modularem o comportamento social por meio de algoritmos sofisticados, consolidaram-se como atores centrais em operações psicológicas que visam influenciar o pensamento coletivo e moldar a opinião pública. O fenômeno das big techs ultrapassa a mera disputa comercial e se alinha aos interesses estratégicos de Estados e elites globais, principalmente do Ocidente. Ao analisarmos a relação simbiótica entre as big techs e o governo dos Estados Unidos, fica evidente que estas empresas atuam como extensões de um complexo civil-militar moderno, utilizando suas estruturas digitais para executar estratégias de poder suave (soft power) e controle social. Na prática, as plataformas se tornaram agentes ativos na manipulação da esfera pública, exercendo uma influência que vai além das fronteiras nacionais e impacta a soberania informacional de diversos países. O artigo que se segue defende a tese de que as big techs, em sua essência, operam como um novo complexo militar da era digital, facilitando operações de guerra híbrida e campanhas de desinformação que atendem aos interesses econômicos e estratégicos de Estados e elites corporativas. Para isso, será demonstrado como essas plataformas moldam o discurso político, influenciam processos eleitorais e operam em sintonia com as demandas do capital financeiro e do Estado norte-americano. Examinaremos o papel dessas empresas na modulação do comportamento social e na construção da hegemonia cultural contemporânea, tomando como base as teorias de Gramsci sobre a disputa ideológica.
A estrutura do texto abordará, de forma sistemática, a vida plataformizada, o poder das big techs e suas relações com o Estado, explorando como essas empresas se consolidaram como o novo campo de batalha da guerra híbrida. Analisaremos os casos emblemáticos dos Estados Unidos, do Brasil e do Brexit, para ilustrar o impacto dessas plataformas na dinâmica política e social, e discutiremos as consequências da ausência de regulação e controle sobre esse poder crescente. Ao final, defenderemos a necessidade urgente de uma nova vanguarda na esquerda capaz de enfrentar esse complexo militar digital e recuperar as bandeiras de luta pela soberania informacional e pela justiça social. Se não atuarmos agora, arriscamos ver o futuro da democracia e da autonomia dos povos ser decidido pelos algoritmos e pelos interesses das big techs.
A Vida Plataformizada: Sociedade Refém das Tecnologias de Informação.
A comunicação digital moldou profundamente a vida contemporânea, trazendo conveniência e conectividade, mas também criando uma dependência estrutural das grandes plataformas tecnológicas. Vivemos na era da plataformização, onde praticamente todas as esferas da vida cotidiana — trabalho, lazer, educação, consumo e até relacionamentos pessoais — são mediadas por aplicativos e serviços de big techs como Google, Meta, Amazon, Microsoft e Apple. Essas empresas, em poucos anos, transformaram-se em infraestruturas essenciais, posicionando-se como intermediárias obrigatórias para quase toda interação digital. A ideia de uma “vida plataformizada” descreve essa realidade, na qual os indivíduos são integrados a um ecossistema digital que coleta, processa e armazena dados de maneira constante. Os usuários, muitas vezes sem perceber, se tornaram produtos dessas plataformas, fornecendo voluntariamente suas informações pessoais em troca de acesso a serviços gratuitos. As , por sua vez, utilizam esses dados para construir perfis detalhados e oferecer uma experiência personalizada, mas também para influenciar comportamentos e direcionar o consumo de maneira precisa. Essa captura de dados e a aplicação de algoritmos sofisticados permitem uma forma de modulação social sem precedentes. Ao ajustar o conteúdo exibido, desde anúncios até notícias e postagens, as plataformas criam uma arquitetura de escolha que guia o comportamento dos usuários, muitas vezes reforçando suas crenças preexistentes e criando bolhas informacionais. Essas bolhas, alimentadas pela personalização algorítmica, não apenas fragmentam o debate público, mas também facilitam a manipulação da opinião pública, servindo como terreno fértil para operações de desinformação e estratégias de guerra cultural.
Além disso, a concentração de poder nas mãos de poucas empresas de tecnologia transforma essas plataformas nos novos gatekeepers da esfera pública. Ao controlar o fluxo de informações e determinar quais conteúdos são amplificados ou censurados, as big techs assumem um papel decisivo na definição do que é visto, lido e compartilhado. Isso tem profundas implicações para a democracia, uma vez que a deliberação pública e o debate são mediados por algoritmos cujo funcionamento é opaco e cujos critérios são definidos por interesses corporativos e econômicos. A sociedade refém dessas tecnologias de comunicação vive em um ambiente onde a autonomia e a liberdade de escolha são limitadas pela lógica dos algoritmos e pelos interesses comerciais das big techs. A plataformização cria um ciclo vicioso, onde o usuário se vê cada vez mais dependente dessas infraestruturas digitais, enquanto as plataformas utilizam seus dados para aprimorar suas capacidades de controle e modulação social. Esta realidade é o cenário perfeito para o avanço da guerra híbrida, onde as big techs se tornam instrumentos estratégicos na manipulação da opinião pública e na execução de operações psicológicas, preparando o terreno para o que será explorado nos próximos tópicos.
O Poder das Big Techs e a Luta pela Soberania Informacional: O Caso do PL 2630 no Brasil.
O poder das big techs no cenário global é tão grande que transcende o domínio econômico e se projeta diretamente na soberania informacional dos países. Essas empresas controlam o fluxo de dados e informações que circulam na internet, o que lhes permite influenciar a opinião pública, moldar comportamentos e, em última instância, afetar decisões políticas. No Brasil, essa realidade ficou evidente durante as discussões sobre o Projeto de Lei 2630/2020, o “PL das Fake News“, que buscava criar mecanismos de regulação para combater a desinformação nas redes sociais e assegurar maior transparência no uso de dados. O PL 2630, proposto para regulamentar as atividades das plataformas digitais, enfrentou uma resistência massiva das big techs, que lançaram uma verdadeira campanha de lobby para minar sua aprovação. Empresas como Meta, Google e Twitter utilizaram sua enorme influência econômica e política para mobilizar aliados no Congresso e na sociedade civil, tentando convencer o público de que a regulação ameaçaria a liberdade de expressão e prejudicaria o acesso gratuito à internet. Contudo, o que estava em jogo era muito mais do que a liberdade de expressão: tratava-se da defesa da soberania informacional e da tentativa de criar um marco legal que limitasse o poder excessivo dessas corporações.
As consequências da não aprovação do PL 2630 são nefastas para o Brasil. Sem uma regulação adequada, as big techs continuam a operar livremente, sem prestar contas sobre como utilizam os dados dos usuários ou como decidem o que deve ser amplificado ou censurado nas plataformas. A ausência de controle permite que essas empresas direcionem o fluxo de informações de acordo com seus próprios interesses, muitas vezes alinhados aos interesses estratégicos de potências ocidentais, particularmente dos Estados Unidos, onde estão sediadas. Além disso, a falta de regulação reforça o poder das big techs como árbitros do debate público, decidindo de maneira unilateral quais conteúdos são considerados desinformação e quais não são. Esse controle sobre a narrativa pública não só limita a diversidade de vozes no debate político, mas também permite que essas empresas interfiram diretamente em processos eleitorais e decisões políticas, como foi visto nas eleições presidenciais dos EUA, no Brexit e nas campanhas eleitorais no Brasil. A resistência das big techs ao PL 2630 revela a magnitude de seu poder e a dificuldade dos Estados em enfrentá-las. O lobby intenso, aliado a campanhas de desinformação promovidas pelas próprias plataformas, demonstra como essas empresas utilizam suas infraestruturas e algoritmos para influenciar a opinião pública e moldar o cenário político em benefício próprio. O caso brasileiro é emblemático de um problema global: a crescente incapacidade dos Estados em regular o poder digital das big techs e proteger a soberania informacional de seus cidadãos. Este é o cenário onde a guerra híbrida se desenrola, e as big techs, longe de serem apenas intermediárias neutras, atuam como protagonistas ativas na disputa pela hegemonia cultural e pelo controle das narrativas. A ausência de regulação fortalece o complexo civil-militar da guerra híbrida, onde interesses corporativos e estratégicos de Estado se fundem, minando a capacidade dos países de protegerem sua própria autonomia informacional.
O Poder das Plataformas nas Decisões Políticas: Brasil, EUA e a Ascensão da Extrema-Direita.
As grandes plataformas digitais não apenas dominam o fluxo de informações, mas também exercem uma influência direta nas decisões políticas de várias sociedades, atuando como vetores da guerra cultural e da desestabilização política. Nos últimos anos, testemunhamos como as big techs se tornaram peças centrais em processos eleitorais e eventos políticos cruciais, afetando resultados e moldando as sociedades e o futuro de países inteiros. O poder dessas plataformas para influenciar o comportamento social e manipular a opinião pública foi amplamente demonstrado em casos emblemáticos, como as eleições presidenciais no Brasil e nos Estados Unidos, o referendo do Brexit e o crescimento da extrema-direita global. No Brasil, a campanha de Jair Bolsonaro em 2018 e sua reeleição tentada em 2022 foram fortemente influenciadas pelas redes sociais, principalmente pelo WhatsApp, Facebook e YouTube. O uso de desinformação em massa, teorias conspiratórias e ataques coordenados contra adversários políticos foi amplificado pelas plataformas, que permitiram a circulação rápida e massiva de conteúdos manipulativos. As big techs, ao alegarem neutralidade, deixaram de agir contra essa disseminação, o que acabou favorecendo a narrativa de extrema-direita e contribuindo para a radicalização política do país. A plataforma YouTube, por exemplo, foi uma das principais responsáveis pela amplificação de discursos antidemocráticos, promovendo algoritmicamente conteúdos sensacionalistas e conspiratórios.
Nos Estados Unidos, a eleição de Donald Trump em 2016 marcou um ponto de inflexão no uso político das plataformas digitais. A campanha de Trump, guiada por uma estratégia sofisticada de microtargeting no Facebook, conseguiu mobilizar eleitores de maneira segmentada, utilizando dados pessoais coletados sem consentimento por empresas como a Cambridge Analytica. A manipulação informacional e as operações psicológicas executadas por meio das redes sociais desempenharam um papel central na construção de uma base eleitoral fiel, que se manteve engajada mesmo após os escândalos e controvérsias da presidência de Trump. A eleição de 2020 e o ataque ao Capitólio em 2021 evidenciaram ainda mais o impacto das plataformas na política americana, com teorias de fraude eleitoral e campanhas de desinformação amplificadas por algoritmos que favoreciam a viralização do conteúdo extremista. O Brexit, por sua vez, é outro exemplo clássico de como as plataformas digitais influenciam processos políticos em escala global. A campanha “Leave” utilizou estratégias agressivas de propaganda digital, impulsionada por fake news e manipulação de dados pessoais. Assim como nas eleições dos EUA, o Facebook e outras plataformas foram usadas para direcionar anúncios políticos segmentados, espalhando desinformação sobre temas sensíveis como imigração e economia. A influência das plataformas foi determinante para o resultado, e o Reino Unido mergulhou em uma crise política que perdura até hoje, alimentada pelo discurso polarizador que se espalhou pelas redes.
A ascensão da extrema-direita global nas últimas duas décadas tem sido facilitada pela arquitetura das plataformas digitais, que promovem conteúdos polarizadores e sensacionalistas. A lógica algorítmica dessas empresas privilegia o engajamento, o que significa que conteúdos mais divisivos tendem a receber maior visibilidade. Esse ambiente tornou-se terreno fértil para campanhas de desinformação, teorias conspiratórias e movimentos populistas, que exploram o ressentimento social e a desconfiança nas instituições para mobilizar suas bases. Líderes como Trump, Bolsonaro e Viktor Orbán souberam explorar esse sistema para ampliar suas mensagens e consolidar um movimento global de extrema-direita. As plataformas digitais se tornaram o novo campo de batalha político, onde as decisões que impactam diretamente as democracias são influenciadas por algoritmos e interesses corporativos. O poder dessas empresas para modular o discurso público e moldar comportamentos representa um desafio inédito para a soberania dos Estados e para a saúde das democracias. Sem uma regulação efetiva e uma compreensão crítica da influência dessas plataformas, o risco é que o futuro da política continue a ser decidido não pelos eleitores, mas pelos algoritmos que controlam o que vemos, lemos e acreditamos.
O Vale do Silício e o Trumpismo: Uma Aliança Conveniente.
O triunfo de Donald Trump nas eleições americanas de 2016 e sua resiliência como líder político não podem ser compreendidos sem considerar o papel fundamental do Vale do Silício e das grandes plataformas tecnológicas. Embora, superficialmente, pareça haver um antagonismo entre o discurso antissistema de Trump e a postura liberal e progressista das big techs, a realidade é muito mais complexa. O trumpismo e as big techs compartilharam interesses econômicos e estratégicos que os aproximaram, criando uma aliança implícita em prol de uma agenda comum: a desregulamentação digital e a maximização dos lucros corporativos. O Vale do Silício, lar das maiores big techs, sempre cultivou uma imagem de inovação e progresso, mas, na prática, suas ações muitas vezes reforçam os interesses mais conservadores do mercado e do capital financeiro. Durante o governo Trump, essa dualidade se tornou evidente. Trump impulsionou uma política de desregulamentação agressiva, eliminando barreiras que permitiam a essas empresas ampliar ainda mais seu domínio sobre a economia digital. Em troca, as plataformas permitiram que o discurso polarizador e sensacionalista de Trump e seus apoiadores ganhasse espaço, ampliando o engajamento e, consequentemente, os lucros advindos da publicidade. Figuras importantes do Vale do Silício, como Peter Thiel — cofundador do PayPal e um dos primeiros investidores do Facebook —, foram apoiadores públicos de Trump e de sua agenda populista de direita. Thiel, um crítico vocal da política tradicional e defensor de um capitalismo de vanguarda, representa a ala do Vale do Silício que vê na política de Trump uma oportunidade de moldar o futuro digital conforme os interesses corporativos e de concentração de poder. Sua influência foi evidente não apenas na campanha, mas também na formulação de políticas econômicas e digitais durante o mandato de Trump.
Além disso, as big techs se beneficiaram da retórica trumpista contra o “politicamente correto” e a mídia tradicional. A narrativa de Trump atacando a imprensa convencional como “fake news” empurrou milhões de usuários para as plataformas digitais, onde ele tinha controle direto sobre sua comunicação. Ao canalizar suas mensagens por meio do Twitter e do Facebook, Trump conseguiu contornar a imprensa tradicional e mobilizar diretamente sua base. As plataformas, por sua vez, lucraram enormemente com o aumento do engajamento e do tráfego, alimentados pelo conflito e pela polarização promovida pelo discurso presidencial. Outro ponto de convergência entre o Vale do Silício e o trumpismo foi a resistência à regulação. Durante o governo Trump, o Departamento de Justiça dos EUA iniciou investigações antitruste contra as big techs, mas a administração foi, em geral, leniente quanto a impor restrições significativas. Essa abordagem se alinhava aos interesses das empresas, que temiam regulações mais rigorosas, como a Lei de Privacidade de Dados da União Europeia (GDPR). Trump e seus aliados, ao focarem em desregulamentar o setor, permitiram que as plataformas expandissem suas operações e consolidassem seu poder sem enfrentar grandes obstáculos. A aliança conveniente entre o Vale do Silício e o trumpismo revela um aspecto fundamental da política contemporânea: a convergência de interesses entre o populismo de direita e o capital corporativo. Enquanto Trump oferecia ao público um discurso de oposição ao establishment, ele favorecia diretamente as big techs com políticas desregulatórias e ao fomentar um ambiente digital propício ao engajamento polarizador. O resultado foi um fortalecimento mútuo, onde as plataformas digitais amplificaram o discurso populista, e o populismo, por sua vez, garantiu a manutenção e expansão do poder econômico dessas empresas.
Relações de Poder: Big Techs e o Estado dos EUA.
O poder das big techs não se limita ao mercado e à influência social; ele se estende profundamente às esferas de poder político e estratégico, principalmente nos Estados Unidos. A relação simbiótica entre as grandes empresas de tecnologia e o Estado norte-americano revela uma dinâmica complexa, onde interesses corporativos e estatais se fundem para criar um novo tipo de complexo civil-militar na era digital. Essas empresas, longe de serem apenas atores privados, atuam como extensões do poder estatal, desempenhando papéis estratégicos na segurança nacional e na política externa dos EUA. O Vale do Silício e o governo dos Estados Unidos compartilham uma longa história de cooperação. Desde o período da Guerra Fria, o setor de tecnologia tem sido um parceiro crucial para o desenvolvimento de tecnologias militares e de vigilância. Empresas como Google, Amazon e Microsoft possuem contratos milionários com o Departamento de Defesa e com agências de inteligência como a NSA e a CIA. A utilização de plataformas digitais e serviços de cloud computing dessas empresas se tornou parte integrante das operações de segurança e monitoramento estatal, criando uma rede de interesses mútuos que se retroalimentam. Um exemplo emblemático dessa cooperação é o Projeto Maven, uma parceria entre o Departamento de Defesa dos EUA e o Google para o desenvolvimento de inteligência artificial voltada para a análise de imagens de drones militares. O projeto gerou controvérsia e protestos dentro da própria empresa, com funcionários questionando o uso da tecnologia para fins bélicos. No entanto, a continuidade desses acordos demonstra o quanto as big techs estão dispostas a colaborar com o Estado quando seus interesses econômicos e estratégicos convergem.
Outro caso significativo é a parceria entre a Amazon Web Services (AWS) e a CIA, que utilizou a infraestrutura de cloud computing da Amazon para armazenar e processar dados de inteligência. Esse contrato multimilionário não apenas fortaleceu a posição da Amazon como líder no mercado de nuvem, mas também solidificou sua aliança com o complexo de segurança estatal. O uso da tecnologia de empresas privadas para fins de vigilância demonstra como o poder das big techs é integrado às operações de inteligência e controle informacional dos EUA. Além dessas parcerias explícitas, as big techs também exercem influência indireta sobre a política externa americana por meio do controle das plataformas digitais e da manipulação dos fluxos de informação. O domínio dessas empresas sobre a infraestrutura de comunicação global permite que elas atuem como vetores de poder suave (soft power), promovendo interesses ocidentais e moldando narrativas em países estratégicos. Em momentos de conflito, como nas intervenções no Oriente Médio ou nas disputas com a China, as big techs desempenham um papel decisivo ao censurar conteúdos, priorizar determinadas narrativas e amplificar campanhas de desinformação alinhadas aos interesses geopolíticos dos EUA.
A simbiose entre as big techs e o Estado norte-americano torna-se ainda mais evidente quando analisamos o papel de ex-funcionários de agências de inteligência em cargos executivos nas principais empresas de tecnologia. Essa “porta giratória” facilita a transferência de conhecimento e reforça os laços entre o setor privado e o complexo de segurança estatal. Executivos de big techs com experiência em operações de inteligência trazem para as empresas uma mentalidade estratégica voltada para o controle informacional e a modulação do comportamento social, transformando as plataformas em verdadeiras extensões das operações de segurança do Estado. Essa relação de poder é fundamental para compreender por que as tentativas globais de regular as big techs enfrentam tanta resistência. O Estado norte-americano, que deveria agir como um regulador, frequentemente age como um protetor das big techs, utilizando seu poder diplomático e econômico para bloquear iniciativas de regulação em outras partes do mundo. A recente pressão dos EUA contra a implementação de políticas de privacidade mais rigorosas na União Europeia e em países da América Latina ilustra como o governo atua em defesa dos interesses dessas empresas, tratando-as como ativos estratégicos na disputa pela hegemonia global. Assim, longe de serem apenas corporações privadas, as big techs atuam como parte integrante de uma estratégia de dominação informacional e cultural, operando em sintonia com os interesses de segurança e política externa dos Estados Unidos. Elas são o braço digital de um complexo civil-militar que, através da guerra híbrida e das operações psicológicas, busca moldar o comportamento social e político das sociedades em escala global.
Guerra Híbrida e Operações Psicológicas: Como as Plataformas Maximizam o Controle Social.
Na era da comunicação digital, o conceito de guerra híbrida se tornou central para entender os novos conflitos contemporâneos, que combinam elementos militares, econômicos, informacionais e psicológicos para alcançar objetivos estratégicos. Diferente da guerra convencional, a guerra híbrida é travada no campo simbólico, buscando desestabilizar sociedades, manipular narrativas e influenciar processos políticos. Nesse cenário, as big techs desempenham um papel fundamental, servindo como a infraestrutura que possibilita a execução dessas estratégias de forma rápida e eficaz. Ao controlar o fluxo de informações e utilizar algoritmos sofisticados, essas empresas se tornaram instrumentos essenciais para a manipulação cognitiva em massa. Operações psicológicas, ou psyops, são um componente essencial da guerra híbrida, focadas em influenciar as percepções, emoções e comportamentos das pessoas. Tradicionalmente utilizadas por forças militares para minar o moral do inimigo, essas técnicas foram adaptadas para o ambiente digital, onde as plataformas de redes sociais se tornaram o novo campo de batalha. A utilização de dados pessoais e o microtargeting de conteúdo permitiram uma precisão nunca antes vista na modulação do comportamento social, permitindo que campanhas de desinformação e manipulação narrativa sejam direcionadas de forma cirúrgica a grupos específicos. Um exemplo emblemático desse tipo de operação foi a atuação da Cambridge Analytica nas eleições americanas de 2016 e na campanha do Brexit. Utilizando dados coletados de milhões de usuários do Facebook, a empresa foi capaz de criar perfis psicológicos detalhados e direcionar anúncios políticos altamente segmentados. O uso dessa tecnologia permitiu que narrativas polarizadoras e desinformação fossem amplificadas, manipulando o comportamento eleitoral de forma precisa. Esse caso revelou como o uso de operações psicológicas digitais, combinadas com o poder das plataformas, pode influenciar decisões políticas de grande escala.
Outro exemplo claro do impacto das operações psicológicas digitais pode ser observado na radicalização política ocorrida no Brasil a partir de 2018. A utilização massiva de WhatsApp e Facebook para disseminar fake news e teorias conspiratórias desempenhou um papel decisivo na eleição de Jair Bolsonaro. O discurso de ódio e a manipulação narrativa criaram um ambiente de polarização extrema, onde a realidade objetiva foi substituída por uma guerra de percepções. As big techs, ao alegarem neutralidade, deixaram de agir contra essa manipulação, permitindo que suas plataformas fossem utilizadas como armas de guerra cultural. Os algoritmos dessas plataformas são desenhados para maximizar o engajamento, priorizando conteúdos sensacionalistas e polarizadores, o que favorece a disseminação de narrativas manipulativas. A lógica da personalização algorítmica, que cria bolhas informacionais e reforça preconceitos, é o terreno perfeito para operações psicológicas. Ao expor os usuários a conteúdos que confirmam suas crenças preexistentes, as plataformas contribuem para a radicalização e para a criação de um ambiente de permanente conflito cultural.
A guerra híbrida contemporânea utiliza essas ferramentas para alcançar um controle social sem precedentes. Em vez de recorrer à força bruta, as operações psicológicas digitais buscam controlar corações e mentes, influenciando o comportamento de forma sutil e eficaz. As plataformas digitais, ao facilitarem essa modulação, se tornaram o braço civil do complexo militar moderno, possibilitando que interesses estratégicos de Estados e corporações sejam executados através da manipulação informacional. Nesse contexto, as big techs não são apenas intermediárias; elas são agentes ativos na guerra híbrida, fornecendo a infraestrutura e as ferramentas necessárias para a execução de operações de desinformação, manipulação de percepções e controle cognitivo. A combinação de algoritmos sofisticados, acesso a dados pessoais e políticas de moderação opacas permite que essas empresas influenciem diretamente a formação de opinião pública e o comportamento político, tornando-se instrumentos essenciais na execução de estratégias de soft power. O risco é claro: sem uma regulação adequada e sem uma compreensão crítica do papel dessas empresas na guerra híbrida, continuaremos a ver o uso das plataformas digitais como armas de manipulação em massa, com consequências devastadoras para a democracia e para a soberania informacional das nações.
O Complexo Civil-Militar da Guerra Híbrida: Big Techs como Instrumentos de Controle Social.
O conceito de complexo militar-industrial, popularizado por Dwight D. Eisenhower na década de 1960, referia-se à aliança entre forças armadas e indústrias bélicas, criando um poder paralelo que influenciava a política e a economia dos Estados Unidos. Na era digital, este conceito evoluiu para abarcar o novo complexo civil-militar, onde as big techs desempenham um papel fundamental ao lado do Estado, formando uma simbiose estratégica que potencializa as estratégias de guerra híbrida e operações psicológicas. As big techs, ao operarem como vetores de controle social e manipulação cognitiva, tornaram-se o braço digital do complexo militar moderno. As grandes plataformas digitais são mais do que empresas de tecnologia; elas são infraestruturas estratégicas, usadas tanto para fins comerciais quanto para objetivos geopolíticos e militares. A colaboração dessas empresas com o governo dos EUA e suas agências de inteligência — como a NSA, CIA e FBI — é parte de um projeto maior de dominação informacional e controle social. Ao fornecerem tecnologia de ponta para o monitoramento, análise de dados e vigilância, essas empresas se tornaram atores centrais nas operações de segurança e nas campanhas de influência global.
O Programa PRISM, revelado por Edward Snowden, expôs como a NSA coletava dados diretamente dos servidores de empresas como Facebook, Google, Apple e Microsoft, sem o conhecimento dos usuários. Esta cooperação demonstra a fusão de interesses entre o setor privado e o aparato de segurança estatal, criando uma rede de vigilância que utiliza dados pessoais para fins de controle e manipulação. Esse modelo de parceria entre o Estado e as big techs não apenas viola a privacidade dos usuários, mas também consolida o poder dessas empresas como instrumentos de guerra híbrida, capazes de influenciar o comportamento de massas e moldar o discurso público. Além da vigilância e do controle informacional, o complexo civil-militar se manifesta nas campanhas de desinformação e operações psicológicas executadas através das plataformas digitais. O uso de algoritmos para amplificar conteúdos polarizadores, manipular tendências e censurar vozes dissidentes é parte de uma estratégia deliberada para moldar a opinião pública e desestabilizar o tecido social. Ao priorizar o engajamento e o lucro, as big techs facilitam a criação de um ambiente propício para a manipulação cognitiva, onde desinformação e propaganda são usadas para influenciar processos políticos e decisões eleitorais. Essa convergência entre os interesses das big techs e do Estado norte-americano representa uma ameaça direta à soberania informacional das nações. As plataformas digitais, ao atuarem como intermediárias no fluxo de informações, têm o poder de decidir o que deve ser amplificado e o que deve ser silenciado. Esse controle não é neutro; ele reflete os interesses geopolíticos e econômicos do Ocidente, particularmente dos Estados Unidos, que utilizam essas infraestruturas como instrumentos de poder suave (soft power) para projetar sua influência globalmente.
O controle sobre o campo informacional permite que as big techs e seus aliados no complexo civil-militar direcionem campanhas de guerra cultural, manipulando percepções e moldando narrativas. A guerra híbrida contemporânea não se dá apenas no campo físico, mas principalmente no campo simbólico, onde a batalha pelos corações e mentes é travada através de algoritmos e políticas de plataforma. As big techs, ao se alinharem aos interesses estratégicos dos Estados ocidentais, tornam-se armas eficazes para influenciar a opinião pública, desestabilizar governos e impor narrativas favoráveis ao status quo neoliberal. A ideia de que as big techs são meras empresas privadas é uma ilusão. Na realidade, elas operam como uma extensão das políticas de poder do Ocidente, combinando interesses de mercado com objetivos de segurança e dominação cultural. Ao se tornarem o complexo civil-militar da era digital, essas empresas desempenham um papel central na execução de estratégias de guerra híbrida, onde a modulação do comportamento social e o controle informacional são usados como armas para moldar o futuro político e econômico das sociedades. Se não houver uma reação coordenada e uma regulação robusta, o poder dessas empresas continuará a crescer, ameaçando não apenas a soberania dos Estados, mas também a própria autonomia dos indivíduos. A luta pela soberania informacional é, portanto, uma luta pela liberdade e pela preservação da democracia, que precisa ser travada com urgência e determinação.
Gramsci e a Hegemonia Cultural: O Uso das Plataformas na Disputa de Poder.
Antonio Gramsci, em seus “Cadernos do Cárcere”, desenvolveu o conceito de hegemonia cultural como uma forma de poder que não se baseia apenas na coerção, mas na liderança intelectual e moral de uma classe dominante, que consegue moldar a percepção e o consentimento das massas. Na era digital, esse conceito se torna mais relevante do que nunca, pois as plataformas de big techs se consolidaram como os novos “intelectuais orgânicos” do capitalismo, controlando o campo simbólico onde a luta pela hegemonia é travada. No pensamento gramsciano, a hegemonia cultural se estabelece quando uma classe consegue convencer a sociedade de que seus valores e interesses são universais, moldando o senso comum e naturalizando relações de dominação. As big techs, ao operarem como vetores de comunicação e modelagem de comportamento social, se tornaram instrumentos essenciais na construção dessa hegemonia. Por meio de algoritmos que amplificam determinadas narrativas e censuram outras, essas plataformas ajudam a consolidar o controle ideológico das elites globais, especialmente dos interesses ocidentais e neoliberais. O poder das big techs em moldar a hegemonia cultural se manifesta em sua capacidade de selecionar quais conteúdos são amplificados, quais são silenciados e como o debate público é estruturado. Ao priorizarem conteúdos que maximizam o engajamento, frequentemente polarizadores e sensacionalistas, essas empresas reforçam narrativas que favorecem o status quo e deslegitimam vozes dissonantes. A lógica de amplificação algorítmica não é neutra; ela reflete uma escolha deliberada baseada nos interesses econômicos das plataformas e nas preferências políticas das elites que as controlam. Por exemplo, durante os processos eleitorais no Brasil e nos Estados Unidos, vimos como as plataformas foram usadas para manipular narrativas e polarizar o debate público. As campanhas de desinformação e as fake news não são apenas subprodutos das redes sociais; elas são facilitadas por um sistema algorítmico que privilegia o conteúdo mais envolvente, independentemente de sua veracidade. Esse fenômeno contribui para a formação de um senso comum distorcido, onde a realidade objetiva é substituída por uma guerra de percepções e opiniões fabricadas.
Gramsci entendia que a luta pela hegemonia cultural era uma batalha pela “direção moral e intelectual” da sociedade. Na era da comunicação digital, essa batalha acontece dentro das plataformas, onde o controle da narrativa se tornou a arma mais poderosa na disputa pelo poder. As big techs, ao atuarem como guardiãs da esfera pública digital, exercem uma influência determinante sobre o que é considerado verdade, o que é silenciado e quais ideologias ganham espaço. Essa capacidade de moldar o discurso público e definir os termos do debate coloca as big techs no papel de agentes centrais na manutenção da hegemonia neoliberal. A hegemonia digital, construída pelas big techs, não apenas promove uma visão de mundo alinhada aos interesses do capital, mas também neutraliza o potencial revolucionário das massas ao fragmentar o debate e isolar movimentos progressistas em bolhas informacionais. Assim, a hegemonia cultural não é apenas mantida, mas reforçada pela arquitetura algorítmica das plataformas, que operam para criar uma realidade consensual que legitima a ordem econômica existente. Para a esquerda, a lição de Gramsci é clara: a luta pela hegemonia não pode ser travada apenas no campo econômico; ela precisa ser levada ao campo cultural, onde o controle das narrativas e das percepções é disputado. Se as big techs continuarem a dominar o espaço digital sem oposição, a construção de uma nova hegemonia progressista e emancipatória será impossível. Portanto, é fundamental que a esquerda compreenda o papel dessas plataformas como instrumentos de dominação ideológica e desenvolva estratégias para disputar o campo simbólico, desafiando a hegemonia neoliberal e promovendo uma narrativa de justiça social e emancipação popular.
A “Bancada do Like“: O Congresso Nacional e a Defesa dos Interesses das Big Techs.
O poder das big techs não se limita ao controle do fluxo de informações e à manipulação algorítmica; ele também se manifesta nas arenas legislativas, onde essas empresas exercem uma influência política direta. No Brasil, o fenômeno da “Bancada do Like” ilustra claramente como parlamentares atuam em defesa dos interesses das plataformas digitais, utilizando sua posição para bloquear tentativas de regulação e proteger os lucros das big techs em detrimento da soberania informacional do país. A “Bancada do Like” é composta por políticos que receberam apoio direto ou indireto das big techs, seja através de campanhas financiadas por lobby corporativo, seja pelo uso estratégico das redes sociais para amplificar sua mensagem e conquistar votos. Esses parlamentares frequentemente se apresentam como defensores da “liberdade de expressão” e opositores de qualquer regulação que possa limitar a atuação das plataformas. No entanto, o discurso de defesa da liberdade é uma cortina de fumaça que esconde a verdadeira intenção: proteger os interesses comerciais das big techs, que lucram com a ausência de restrições e com a proliferação de conteúdos polarizadores.
O lobby das big techs contra o PL 2630, foi um exemplo evidente de como a “Bancada do Like” age em sintonia com essas empresas. Durante as discussões sobre o projeto, que buscava responsabilizar as plataformas pela disseminação de desinformação e estabelecer regras de transparência para o uso de algoritmos, diversos parlamentares se posicionaram contra a regulação, alegando que a lei representaria uma ameaça à liberdade de expressão. Na realidade, esses políticos estavam atuando em defesa dos interesses das plataformas, que temiam perder poder e lucratividade caso fossem obrigadas a seguir regras mais rígidas. O poder da “Bancada do Like” é amplificado pelo uso estratégico das próprias plataformas digitais, que permitem a esses parlamentares mobilizar rapidamente suas bases de apoio e disseminar suas narrativas com facilidade. Políticos que se alinham aos interesses das big techs geralmente têm um grande alcance nas redes sociais, utilizando algoritmos de amplificação para impulsionar seu discurso e atacar adversários políticos. Esse ciclo vicioso fortalece ainda mais o poder das plataformas, que se beneficiam do aumento do engajamento e do tráfego gerado pela polarização. Além disso, a “Bancada do Like” frequentemente atua para atrasar ou obstruir iniciativas de regulação digital, argumentando que tais leis seriam prejudiciais para a inovação e o crescimento econômico. Na prática, essa postura protege as big techs de qualquer tentativa de controle, permitindo que continuem operando como árbitros não eleitos do debate público, modulando a opinião pública e influenciando decisões políticas sem prestar contas.
A influência dessas empresas sobre o Congresso brasileiro não é um fenômeno isolado. Em diversos países, vemos uma resistência semelhante às tentativas de regulação, com políticos defendendo os interesses das big techs e criando barreiras para legislações que busquem responsabilizar essas corporações. Esse alinhamento revela a profundidade da simbiose entre o poder econômico das plataformas e o poder político dos legisladores, que se beneficiam da visibilidade e da influência proporcionadas pelas redes sociais. Para enfrentar o poder da “Bancada do Like” e proteger a soberania informacional do Brasil, é necessário um esforço coordenado da sociedade civil, da academia e dos movimentos sociais para expor essas relações e pressionar por uma regulação robusta. Sem uma legislação que limite o poder das big techs e responsabilize seus abusos, o campo político continuará a ser moldado pelos interesses dessas corporações, comprometendo a democracia e favorecendo uma elite digital que utiliza a guerra híbrida e operações psicológicas para manter seu domínio.
O Risco das Big Techs Controlarem o Jornalismo: Manipulação Algorítmica e a Nova Pauta da Mídia.
Com o crescimento exponencial das plataformas digitais, as big techs não apenas se tornaram as principais intermediárias no acesso à informação, mas também passaram a exercer uma influência direta sobre o próprio jornalismo mainstream. Empresas como Google e Meta controlam boa parte do tráfego digital dos veículos de comunicação, utilizando seus algoritmos para determinar o que é visto e o que é invisível. Esse controle algorítmico coloca em risco a independência editorial, à medida que essas plataformas moldam a forma como as notícias são distribuídas e consumidas. Um exemplo claro dessa influência é o modelo de busca do Google, que tem um poder imenso para direcionar o tráfego online. Quando o Google decide alterar seu algoritmo de busca, os impactos são sentidos imediatamente pelos veículos de comunicação, que podem ver sua audiência despencar de um dia para o outro. Essa dependência cria um cenário de chantagem velada, onde os veículos de mídia precisam adaptar suas políticas editoriais para se alinhar às diretrizes e preferências das big techs, sob o risco de perderem relevância no espaço digital.
A Meta, por sua vez, também exerce um controle significativo sobre o alcance das notícias através de suas plataformas Facebook e Instagram. Mudanças nas políticas de visibilidade de conteúdos noticiosos podem afetar diretamente a sustentabilidade de veículos de comunicação, que dependem do engajamento nas redes sociais para atingir seus públicos. Nos últimos anos, vimos a Meta reduzir drasticamente o alcance de conteúdos jornalísticos, priorizando publicações pessoais e conteúdos sensacionalistas, o que empurra os veículos a produzirem conteúdos mais superficiais e virais para garantir visibilidade. Além da manipulação algorítmica, as big techs têm se envolvido diretamente na curadoria de conteúdos jornalísticos, investindo em programas como o Google News Initiative e o Meta Journalism Project. Embora esses projetos sejam apresentados como iniciativas para apoiar o jornalismo e combater a desinformação, na prática, eles criam uma relação de dependência entre os veículos de mídia e as plataformas. Ao oferecer financiamentos e parcerias, as big techs ganham poder de influência sobre a linha editorial e sobre quais temas recebem maior destaque. Esse modelo de apoio financeiro pode facilmente se transformar em uma forma de controle, onde os veículos se veem pressionados a adotar uma narrativa que favoreça os interesses das big techs e dos interesses de seus parceiros, sejam estatais ou privados.
O impacto desse controle não é apenas econômico; ele afeta diretamente o conteúdo que chega ao público. Ao priorizarem conteúdos que maximizam o engajamento, as plataformas favorecem notícias sensacionalistas e polarizadoras, em detrimento de reportagens investigativas e análises profundas. Esse fenômeno contribui para a degradação do debate público e para a disseminação de desinformação, criando um ambiente propício para operações psicológicas e manipulação narrativa. O risco é que, em um futuro próximo, o jornalismo ocidental se torne uma extensão das big techs, pautado não pela busca da verdade, mas pelos algoritmos que decidem o que é mais lucrativo. A proposta do Google de alterar seu modelo de busca para incluir respostas geradas por inteligência artificial também ilustra o perigo de uma concentração ainda maior de poder informacional. Sob esse novo modelo, as respostas às buscas seriam baseadas em resumos automatizados, em vez de direcionar os usuários para fontes externas. Isso não apenas reduziria o tráfego para sites de notícias, mas também centralizaria ainda mais o controle da informação nas mãos do Google, que decidiria quais respostas são mais “adequadas” para cada busca. Esse cenário levanta questões sérias sobre o futuro do jornalismo e da liberdade de imprensa. Se o acesso à informação continuar a ser mediado por algoritmos opacos controlados pelas big techs, o público ficará cada vez mais exposto a uma visão de mundo limitada e moldada pelos interesses dessas empresas. O risco é que a imprensa se torne refém de um modelo de distribuição monopolizado, onde as big techs ditam o que é visto e lido, e onde narrativas críticas aos interesses corporativos são silenciadas ou despriorizadas. Para evitar esse controle total das big techs sobre o jornalismo, é fundamental que haja uma regulação robusta que os veículos de comunicação busquem diversificar suas fontes de tráfego e financiamento. A luta pela soberania informacional deve incluir uma defesa vigorosa da independência editorial, resistindo às pressões das plataformas e combatendo a manipulação algorítmica que distorce a realidade em benefício de uma elite digital.
Big Techs — O Complexo Militar da Guerra Híbrida e o Desafio pela Soberania Informacional.
A análise apresentada ao longo deste artigo expõe uma realidade inescapável: as big techs não são meras empresas de tecnologia, mas verdadeiros agentes de um novo complexo civil-militar que exerce um controle sem precedentes sobre o campo informacional. Ao se posicionarem como intermediárias indispensáveis nas interações digitais, essas corporações não apenas moldam o comportamento social e o discurso público, mas também atuam como extensões estratégicas dos interesses do Estado e das elites econômicas, principalmente ocidentais. O poder acumulado por essas plataformas vai muito além da influência econômica; ele se estende ao domínio político e ideológico, facilitando estratégias de guerra híbrida que exploram operações psicológicas e manipulação cognitiva para atingir objetivos geopolíticos. Ao operar como o braço digital de um novo complexo militar-industrial, as big techs modulam o comportamento de massas, controlam a narrativa pública e manipulam processos políticos, muitas vezes alinhadas aos interesses estratégicos de Estados poderosos, como os Estados Unidos. A ausência de uma regulação eficaz permite que essas corporações expandam seu poder e consolidem sua hegemonia sobre o campo informacional, minando a soberania dos Estados e comprometendo a autonomia dos indivíduos. A “Bancada do Like” no Brasil e a resistência política contra projetos como o PL 2630 são exemplos claros de como as big techs conseguem influenciar a legislação e proteger seus próprios interesses, muitas vezes sob o disfarce de defesa da liberdade de expressão.
O controle que essas plataformas exercem sobre o jornalismo e o fluxo de informações é outro aspecto preocupante. À medida que os algoritmos se tornam os novos editores e curadores da realidade, o risco de uma distorção permanente do debate público aumenta, favorecendo uma visão de mundo moldada pelos interesses das big techs e das elites globais que as controlam. Sem uma imprensa independente e sem acesso a uma diversidade de fontes de informação, o espaço para a deliberação democrática se reduz, deixando as sociedades vulneráveis à manipulação e à desinformação. O desafio que se coloca para a esquerda, para os movimentos sociais e para os defensores da soberania informacional é enorme. É preciso resistir à captura digital promovida por essas corporações e lutar pela construção de uma nova hegemonia, que coloque os interesses do povo e da justiça social acima dos interesses do capital corporativo. A luta contra o complexo militar da guerra híbrida começa com a disputa pelo campo simbólico e pela construção de uma narrativa alternativa, que expõe o poder dessas empresas e mobiliza a sociedade para exigir uma regulação justa e transparente. Se não agirmos agora, arriscamos ver a democracia e a autonomia dos povos serem decididas não por líderes eleitos ou movimentos populares, mas por algoritmos opacos controlados pelas big techs. A soberania informacional deve ser uma prioridade na agenda progressista, e a batalha contra o complexo civil-militar digital é, antes de tudo, uma batalha pela liberdade e pela dignidade das sociedades do século XXI.
Reynaldo Aragon Gonçalves é jornalista, Coordenador Executivo da Rede Conecta de inteligência Artificial e Educação Científica e Midiática, é membro pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberania Informacional (INCT DSI).
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