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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.

Porque a indústria deve liderar o crescimento: reindustrializar é preciso, por Carmem Feijo

Setor industrial manufatureiro é o que apresenta mais conexões na matriz produtiva e exibe maiores economias de escala estáticas e dinâmicas

José Paulo Lacerda – CNI

Blog: Democracia e Economia – Desenvolvimento, Finanças e Política

Porque a indústria deve liderar o crescimento: reindustrializar é preciso

por Carmem Feijo

A economia brasileira está estagnada há mais de quatro décadas, crescendo em média abaixo da economia mundial. De 1981 a 2022, segundo os indicadores do Banco Mundial (WDI), a economia brasileira cresceu 2,2% ao ano, e a economia mundial 3,0% ao ano. Essa perda relativa de dinamismo está associada à perda de importância da indústria manufatureira no PIB nacional, ou seja, está associada ao processo de desindustrialização precoce e à especialização produtiva na produção de bens de baixo valor adicionado e intensivos em recursos naturais.

No contexto da transição climática, essa especialização expõe a economia a riscos físicos, de perdas patrimoniais e de capacidades, devido aos efeitos de eventos climáticos extremos. Nesse sentido, a característica atual da economia brasileira, de ´celeiro do mundo´, implica, além de manter baixo ritmo de crescimento, também elevada vulnerabilidade externa. A superação dessa situação perversa depende, dentre outras iniciativas, de uma transformação produtiva profunda.

Como apontado pela literatura estruturalista e desenvolvimentista, o setor da indústria de transformação é o com maior capacidade de alavancar o crescimento dos demais setores da economia. Isso porque o setor industrial manufatureiro é o que apresenta mais conexões diretas e indiretas na matriz produtiva e exibe maiores economias de escala estáticas e dinâmicas, além de incorporar e disseminar o progresso técnico mais rapidamente. Essas características permitem que os ganhos de produtividade na indústria e nos serviços a ela associados se espalhem por toda a economia, aumentando a produtividade agregada, e consequentemente a capacidade da economia exibir taxas mais elevadas e sustentáveis de crescimento a longo prazo. Um país que ainda não completou seu processo de industrialização, internalizando a produção de progresso técnico por meio da presença de setores e atividades tecnologicamente avançados, exibe baixa produtividade agregada em comparação com países de fronteira e tende a perder competitividade ao longo do tempo. O mesmo é observado no caso de um país que recua prematuramente do processo de industrialização, como é o caso da economia brasileira, que acentua sua desindustrialização nos anos 2000.

Mais especificamente, a economia brasileira passou por uma transformação produtiva acentuada a partir da década passada, quando o lento processo de desindustrialização, observado desde meados dos anos 1980, reduz seu potencial de alavancar o crescimento da economia. O Gráfico abaixo mostra a taxa de crescimento da indústria de transformação e da agropecuária em relação à taxa média de crescimento da economia desde 2000 (média 2000-2023). Observa-se que a partir de 2010, a taxa de crescimento da indústria de transformação situa-se sistematicamente abaixo da taxa média de 2000-2023 da economia. A taxa de crescimento da agropecuária, por sua vez, a partir de 2013 apresenta momentos em que cresce acima da média da economia (2013, 2017, 2023). Porém, como o setor tem menos encadeamentos para frente e para trás, seu efeito sobre a taxa média da economia é inferior ao da indústria manufatureira. Dito por outras palavras, o setor de agropecuária não tem capacidade de sustentar taxas elevadas de crescimento da economia para superar o longo período de estagnação relativa que nos encontramos. A título de ilustração, no período 2000-2023, o crescimento médio da agropecuária foi de 3,6 % ao ano, das indústrias extrativas de 3,5 % ao ano, e da indústria de transformação de apenas 0,7% ao ano. O PIB no mesmo período cresceu 2,3% ao ano.

Além de limitado poder de alavancagem e sustenação do crescimento agregado, a expansão do setor agropecuário, assim como do setor de indústrias extrativas, apresenta desafios à preservação do meio ambiente. Vale mencionar que a discussão sobre transição climática no cenário internacional dá ênfase, acertadamente, na transição energética. O aquecimento global está em grande medida associado à queima de energia de origem fóssil. Essa não é, contudo, a realidade brasileira. Nossa matriz energética é considerada relativamente limpa, e nossa principal contribuição ao aquecimento global se dá pelo desmatamento e uso da terra. Ou seja, a expansão da fronteira de produção com atividades de agropecuária e extrativistas é a maior ameaça à preservação ambiental.

Nesse sentido, a proposta de reindustrialização da economia brasileira, seguindo as diretrizes do Plano de Transformação Ecológica e do programa da Nova Indústria Brasil, além de definida com o compromisso de aumentar a eficiência energética e o uso de recursos naturais não renováveis, se lograr recuperar o dinamismo da economia brasileira, irá contribuir para uma expansão dos setores agropecuário e extrativista mais comprometidos com a preservação ambiental.

Em conclusão, combinar crescimento econômico e preservação ambiental, no caso da economia brasileira, não é incompatível, desde que se observe a composição dos setores que lideram o crescimento econômico. A reindustrialização da economia brasileira, se bem-sucedida, deve contribuir para recuperar nossa capacidade de crescer, gerar empregos de qualidade e zelar pela transição justa e inclusiva.

Carmem Feijo- Professora titular na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

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1 Comentário

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  1. Como reindustrializar um País com oligopolios dominando as bases da cadeia produtiva, tornando inviável a produção de produtos e equipamentos, por mais simples que sejam como grampos, clips, espiral de cadernos, telas metálicas.
    Exportamos matérias prima e insumos sem cobrar imposto de exportação e importamos manufaturados oriundos delas próprias, que cruzam o oceano duas vezes e ainda assim com preços mais competitivos

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