Quando sistemas do setor público funcionam, não há notícia que dê repercussão!, por Walter Soboll

Todo o sistema da Bolsa Eletrônica de Compras era totalmente transparente e podia ser acessado por qualquer cidadão que se interessasse

Quando sistemas do setor público funcionam, não há notícia que dê repercussão!

por Walter Soboll

Desde 2000 está em funcionamento no Estado de São Paulo um sistema de compras e contratações denominado Bolsa Eletrônica de Compras (BEC), bec.sp.gov.br.

Operou com as seguintes modalidades de licitação: pregão eletrônico de materiais e serviços, incluindo registro de preços de materiais, convite de materiais e o procedimento de dispensa de licitação de materiais.

A base deste sistema consistia em: cadastro de unidades compradoras do setor público estadual, cadastro de fornecedores, catálogos de materiais e serviços e banco de preços praticados. Fazia parte do sistema também um Clearing que promovia o pagamento das contratações nas datas de vencimento, uma vez que as unidades compradoras somente poderiam divulgar seus editais de compra e serviços, desde que as Ofertas de Compra – OC, contassem com as devidas reservas orçamentárias e financeiras.

Constavam do site também as bases normativas & padrões de funcionamento, as legislações e normativos pertinentes às compras públicas e manuais operacionais.

O acesso às informações sobre as licitações por parte dos fornecedores era virtual, contemplando editais padronizados pela Procuradoria do Estado e Ofertas de Compra disponibilizadas pela BEC, de acordo com a linha de fornecimento constante do registro cadastral de cada potencial fornecedor.  que poderiam ser oferecidos e informados no cadastro dos fornecedores.

Todo o sistema era totalmente transparente e podia ser acessado por qualquer cidadão que se interessasse, proporcionando o acompanhamento em tempo real das operações em andamento.

Lançado em 2000 na antiga BOVESPA pelo governador Mário Covas e oficializado por decreto pelo então governador em exercício Geraldo Alckmin, logo teve seu reconhecimento pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, tendo sido objeto de benchmark para vários entes federativos, incluindo o Governo Federal, que operava, à época, o Comprasnet.

De lá para cá a imprensa e jornalistas no Brasil praticamente não tomaram conhecimento do sistema. Tanto é que no início de 2024 o site da BEC foi “descontinuado” e deverá ser substituído pelo sistema de compras do Governo Federal.

A manobra de desativação do site careceu da transparência merecida por um sistema com alto desempenho como o da BEC, em especial se forem considerados os resultados alcançados pela BEC nos seus mais de 20 anos de existência.

Nesse período os resultados obtidos pela BEC são impressionantes:

  • O valor nominal comercializado de 2000 a 2024 foi de 222,1 bilhões de reais;
  • Devido aos leilões reversos praticados em relação aos preços constantes das Ofertas de Compra, o Estado deixou de dispender 86 bilhões de reais, ou seja, obteve uma economia de gastos de 27,26%;
  • Foram negociadas 269 mil dispensas de licitação, 414 mil convites e 380 mil pregões;
  • Quanto aos itens negociados, foram 1.291 mil em dispensa de licitação, 2.970,6 mil em convites e 1.679 mil em pregões;
  • A BEC foi auditada por empresa privada de auditoria, e existem estudos realizados pela FIA – USP sobre sua eficiência;
  • A BEC foi certificada pela Norma ISO 9001;
  • A BEC conquistou o Prêmio e-Gov como experiência inovadora ao estruturar um Portal de Compras, com fácil acesso para os potenciais Fornecedores do Estado;
  • No período em pauta sua eficiência ficou demonstrada, mitigando riscos quanto a atos de corrupção pelos agentes envolvidos. 

Recentemente foi lançada uma NLLP – nova lei das licitações públicas e a administração atual do governo no estado de São Paulo não promoveu a adaptação no tempo necessário da BEC a essa nova legislação, impondo o sistema ao risco de não adequação à legislação vigente. Preferiram adotar novo sistema de compras desconhecido pelos gestores da administração pública estadual. Esse tempo de inação foi fatal para a desativação de um sistema reconhecido nacional e mundialmente.

De passagem se diga, que as facilidades de desburocratização constantes da BEC, não tiveram tempo de serem consideradas e talvez não puderam, neste momento, serem absorvidas neste novo sistema de compras.

É estranho que esse fato não tenha sido objeto de questionamento pela imprensa.

Outras questões que merecem destaque e que não são observados pela imprensa:

  1. Materiais e Serviços
  • O catálogo de materiais e serviços da BEC era composto em 2022 por 161.159 itens de materiais e serviços, classificados segundo a Federal Supply Classification, sistema internacional de classificação que estabelece Grupo, Classe, Material e Item de material ou serviço;
  • No catálogo da BEC o grupo de saúde compõe 46.950 itens de materiais, o grupo metroferroviário, 6.415, e a área socioambiental 2.323 itens de material. Os serviços compõem 12.067 itens.
  • A BEC conta hoje com equipe de pessoal especializado na especificação de cada item, observando a universalidade, a legislação, que não permite que apareçam marcas.
  • Nos editais padronizados os itens a serem adquiridos pelas unidades de despesa do Estado são especificados segundo seu número ou código constante do catálogo.

2.  Fornecedores

  • Em 2022 constavam do Catálogo de fornecedores 105.104 fornecedores inscritos, dos quais 9.507 MEs, 6.433 EPPs e 278 cooperativas, sendo os demais ligados a sindicatos, associações comerciais, à FIESP, e à Câmara de Comércio.
  • Quando se cadastravam, esses fornecedores indicavam quais os produtos ou serviços iriam fornecer ao Estado e, na emissão das ofertas de compras – Ocs, recebiam automaticamente os editais padrão, indicando a demanda de itens de materiais ou serviços requisitados pelas unidades compradoras;

3. Custo de compras e de vendas

  • A enorme desburocratização do sistema de execução orçamentária e financeira do Estado de São Paulo, a partir de 1995/96, com a implantação do SIAFEM, Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios, adquirido do SERPRO, permitiu, dado a transparência da administração financeira do Estado, desenvolver como consequência a BEC, nos anos de 1998/99.
  • Enquanto a operação da execução orçamentária e financeira era exercida pelos contadores do Estado, mediante a utilização de 68 documentos físicos, com o SIAFEM os documentos necessários para tal se reduziram a 07 (sete) e que eram eletrônicos, preenchidos por funcionários das próprias unidades de despesa do Estado, devidamente treinados pela escola fazendária no final de 1995.
  • A BEC também atuou na desburocratização das compras e na consequente redução dos custos operacionais das compras, na medida em que os editais de licitação viraram padrões formulados pela Procuradoria do Estado e continham tão somente os números de catálogo dos itens de materiais ou serviços a serem adquiridos. E tudo isso eletrônico.
  • Por sua vez proporcionou às unidades de compra os catálogos de materiais e serviços padronizados, o banco de preços para ajuste de suas compras às práticas anteriores, e equipamentos eletrônicos que permitissem operar via internet – equipamentos esses fornecidos pela PRODESP.
  • Por outro lado, os preços de venda dos fornecedores para o Estado de São Paulo tiveram uma redução de 27%, como consequência de:
  • Concorrência entre fornecedores nos leilões inversos, sendo que no sistema não se conheciam, pois somente era revelado o ganhador da disputa;
  • Utilização pelos fornecedores de robôs na disputa de preços, que diminuíam os preços até ser alcançada a margem de resultado estabelecida pela empresa;
  • Recebimento dos editais via internet de acordo com os itens de materiais ou serviços indicados pelos fornecedores no catálogo de fornecedores;
  • Em pesquisa realizada pela FIPE-USP verificou-se que os preços praticados pelos fornecedores na BEC estavam muito próximos aos preços de mercado, significando que os fornecedores não tiveram prejuízo ao negociarem seus preços com o setor público, muito pelo contrário, reduziram drasticamente seus custos de venda para o estado.

Novamente, a imprensa não deu nenhum destaque para quaisquer destas oportunidades criadas pela BEC, que contou com participação de antigos funcionários da Bolsa de Mercadorias para a consecução de seus objetivos.

Também, com a “descontinuidade” da BEC em janeiro deste ano, não houve uma única manifestação das grandes entidades do Estado que se beneficiaram com as vendas para o Estado de São Paulo (R$ nominais de 222 bilhões em 23 anos), tais como a Associação Comercial e a FIESP.

Walter Soboll – Aposentado. Coordenador das entidades descentralizadas. Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo – Gestão Mário Covas, 1995 a 2002

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