Reconstituindo filogenias, por Felipe A. P. L. Costa

Reconstituindo filogenias

Por Felipe A. P. L. Costa

Refletindo o significado múltiplo da palavra evolução, a biologia evolutiva abriga um rol heterogêneo de cientistas, nem todos eles interessados nos mesmos tópicos ou adeptos dos mesmos pontos de vista. Dois grupos podem ser identificados.

De um lado, visando reconstituir a história da vida, há os que estão envolvidos com a formulação de modelos filogenéticos. Muitos deles são paleontólogos, sistematas ou biólogos moleculares. O outro grupo, integrado principalmente por ecólogos e alguns geneticistas, está a investigar como e por que a evolução opera – ou, para usar os termos que usamos em capítulo anterior, como e por que ocorrem mudanças na composição genética de populações.

No próximo capítulo nós iremos nos debruçar sobre esta última questão (as causas da mudança evolutiva – ver aqui). Teremos então a oportunidade de examinar os dois lados de uma mesma moeda: a origem da variabilidade populacional (genética) e a permanente triagem a que as variantes são submetidas, geração após geração (ecologia).

Neste capítulo, nós trataremos da primeira questão (a construção de modelos filogenéticos), finalizando com alguns comentários sobre a árvore universal da vida (não mostrados neste artigo).

Árvores filogenéticas

Um modelo filogenético – muitas vezes referido como árvore filogenética – é uma representação gráfica da genealogia das linhagens, desde algum ramo ancestral mais ou menos remoto até os ramos mais recentes. Os modelos (cladogramas, no jargão técnico) são construídos como uma sucessão de bifurcações.

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FIGURA. A imagem que acompanha este artigo mostra uma árvore filogenética para quatro espécies viventes (AD). A primeira bifurcação (A + (BD)), separando A de todo o resto, se deu há uns 3,5 milhões de anos; a segunda (B + (CD)), há uns 2,5 milhões; e a terceira (C + D), há menos de 1,5 milhão. Os retângulos (preto, branco, cinza) indicam a posição de alguns ancestrais. Diz-se que as espécies B e C são mais intimamente aparentadas entre si do que de A ou D; assim como BD estão mais próximas entre si do que de A.

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Exemplo de genealogia (em ordem retrógrada): duas espécies viventes, A e B, compartilham de um ancestral único comum (já extinto), C – o que equivaleria a dizer que A e B derivaram de C. O complexo (clado, no jargão técnico) (A + B) + C teve um ancestral comum, D. Assim como, em passado ainda mais remoto, o clado ((A + B) + C) + D teve um ancestral comum, E. E assim por diante.

Quando possível, faz-se o enraizamento da árvore, o que envolveria fixar um ponto de origem e orientar a mudança em questão. Orientar (polarizar) a mudança entre dois estados de um caráter é decidir qual deles é o mais antigo (primitivo v. derivado) – e.g., algumas espécies do gênero Y têm z e outras, não; o que houve na história de Y, perda (z → não z) ou ganho (não zz)?

Linhagens que integram a mesma árvore exibem algum grau de parentesco – quanto mais próximas elas estiverem ou quanto mais recente a bifurcação, maior o grau de parentesco. Mas devemos tomar cuidado, de modo a evitar certos erros de interpretação. Por exemplo, seres humanos e chimpanzés são espécies afins, pois compartilhamos de um ancestral único comum. Mas que não haja dúvidas: não há nenhuma relação direta de ancestralidade ou descendência entre nós e eles. Chimpanzés não são nossos ancestrais, assim como nós não somos ancestrais deles. Somos parentes próximos, pois integramos linhagens que derivaram de um ancestral comum – o que, aliás, ocorreu há uns poucos milhões de anos.

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Notas

Este artigo é o décimo de uma série de excertos extraídos e adaptados do livro O que é darwinismo (2019) – ver aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. (A versão impressa contém ilustrações e referências bibliográficas.) Para detalhes e informações adicionais sobre o livro, inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato com o autor pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

Redação

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