Noções de genética mendeliana, por Felipe A. P. L. Costa

A genética (do grego genetikós, algo como capaz de procriar) é a disciplina biológica que lida com o estudo da hereditariedade e da variação.

Noções de genética mendeliana

Por Felipe A. P. L. Costa

A genética (do grego genetikós, algo como capaz de procriar) é a disciplina biológica que lida com o estudo da hereditariedade e da variação. É um dos raros campos da ciência cujos primórdios podem ser identificados com precisão: 1900.

Em 8/2 e 8/3/1865, em sessões da Sociedade de História Natural de Brünn, o monge e naturalista austríaco Gregor Mendel (1822-1884) [1] leu um artigo sobre os seus oito anos de pesquisa com hibridação (1856-1863).

O artigo (‘Experimentos de hibridação em plantas’, em alemão) foi publicado em 1866 e, embora não tenha sido de todo ignorado, a sua relevância só seria percebida em 1900, quando foi redescoberto por três botânicos [2] – o neerlandês Hugo de Vries (1848-1935), o alemão Carl Correns (1864-1933) e o austríaco Erich von Tschermak (1871-1962).

Cruzando ervilhas

Antes de iniciar a sua pesquisa com ervilhas, Mendel planejou o que iria fazer. Ele decidiu investigar a transmissão de traços descontínuos, cada um com dois estados alternativos – e.g., caule (longo / curto); posição da flor (axilar / terminal); cor da vagem imatura (verde / amarela); forma da vagem madura (grossa / lisa); cor (amarela / verde) e forma (redonda / angulosa) da semente e cor da película que recobre a semente (cinza / branca).

Mendel inicialmente cruzou ervilhas de linhagens puras (= homozigotas) para cada um desses estados alternativos [3].

A hibridação já havia sido usada como técnica experimental. O que ele fez de inovador foi quantificar os resultados. Contando os vários fenótipos presentes na prole, ele foi capaz de detectar regularidades estatísticas. Os padrões numéricos o inspirariam a formular generalizações. Nas palavras de Crow (1978, p. 2) [4]:

Quando ele cruzou plantas altas com baixas, todos os híbridos eram altos (independentemente do tipo usado como macho ou fêmea […]). Então ele permitiu que os híbridos assim formados se autopolinizassem e observou a geração seguinte. Ele encontrou 787 plantas altas e 277 baixas, aproximadamente na proporção 3:1.

No primeiro cruzamento, os genótipos dos genitores eram BB (plantas altas) e bb (baixas), cada qual produzindo um só tipo de gameta (B ou b), de sorte que a prole resultante (F1) era constituída tão somente de plantas altas heterozigotas (Bb).

Cruzando os híbridos entre si (Bb x Bb), ele obteve a segunda geração filial (F2), com duas classes fenotípicas (na proporção 3 plantas altas : 1 baixa) e abrigando três genótipos (1 BB : 2 Bb : 1 bb).

As leis de Mendel

As pesquisas conduzidas por Mendel obtiveram respostas para duas questões: (1) como os estados alternativos de um caráter são transmitidos (monoibridismo); e (2) como os estados alternativos de caracteres distintos são transmitidos simultaneamente (e.g., di- e tri-hibridismo) [5].

Monoibridismo. Levando em conta a cor da semente, por exemplo, Mendel cruzou ervilhas que só produziam sementes amarelas com ervilhas que só produziam sementes verdes. Fez o mesmo para cada um de outros seis caracteres, cruzando entre si linhagens puras para estados alternativos de um mesmo caráter (plantas altas v. baixas, sementes redondas v. angulosas etc.). Com base nos resultados que contabilizou na prole, ele elaborou a seguinte generalização (referida hoje como lei da segregação; em termos atuais):

Alelos pareados presentes em cromossomos homólogos se separam durante a meiose, de modo que metade dos gametas transporta um dos alelos (pois só herda um dos homólogos) e a outra metade, o outro (pois só herda o segundo homólogo).

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FIGURA. A imagem que acompanha este artigo mostra um caso de di-hibridismo diferente do que foi estudado por Mendel. O cruzamento entre duplos heterozigotos (A1/A2;B1/B2) dá origem a 9 fenótipos/genótipos. Os genes aqui têm dois alelos codominantes, de sorte que os fenótipos são transparentes, revelando o respectivo genótipo. Notar que o gene A afeta a cor (A1A1preto; A1A2cinza; A2A2branco) e o B, a forma (B1B1quadrado; B1B2circulo; B2B2triângulo).

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Di- ou tri-hibridismo. Efetuou também cruzamentos entre linhagens dupla ou triplamente puras – e.g., ervilhas com sementes amarelas e redondas v. verdes e angulosas e ervilhas com sementes amarelas, redondas e com película cinzenta v. verdes, angulosas e com película branca.

Com base nos resultados obtidos na prole di- e triíbrida, ele formulou a seguinte generalização (referida hoje como lei da transmissão independente):

A separação de um par de alelos durante a meiose independe da dos alelos dos demais genes, visto que a separação de cada par de cromossomos homólogos independe da dos demais.

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Notas

Artigo extraído e adaptado do livro O que é darwinismo (2019), assim como os sete anteriores – ver aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. (A versão impressa contém ilustrações e referências bibliográficas.) Para detalhes e informações adicionais sobre a obra, inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato com o autor pelo endereço [email protected]. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Ou austro-húngaro; na época, a sua cidade natal, Brünn (hoje Brno, República Tcheca), integrava o Império Austro-Húngaro.

[2] GM conhecia a obra de Darwin, mas não era evolucionista. A razão de o artigo ter sido deixado de lado é ainda hoje tema de pesquisa e discussão (bem como o papel dos redescobridores).

[3] Notar como vários traços eram da semente ou do fruto. Tais escolhas facilitavam o trabalho, pois Mendel não precisava aguardar o crescimento da planta. Traços de variação descontínua resultam da expressão de sistemas genéticos simples – e.g., um gene autossômico com dois alelos, dando origem a três genótipos – e caracterizam a chamada herança mendeliana.

[4] Notar que o termo híbrido é usado como sinônimo de heterozigoto.

[5] Cabe dizer que os resultados e as conclusões contidos no artigo de Mendel são ainda hoje motivo de discussão.

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