
A planilha do Ilan – que me permitiu batizar os cabeças de planilha – baseia-se no chamado “modelo dinâmico estocástico de equilíbrio geral” (DSGE). O que vem a ser:
Características principais, segundo os manuais:
- Dinâmico: Simula a evolução da economia em períodos distintos, capturando os efeitos de decisões passadas e expectativas sobre o futuro.
- Estocástico: Leva em consideração a incerteza e os choques aleatórios que impactam a economia, como mudanças tecnológicas, crises financeiras, desastres naturais e políticas governamentais.
- Equilíbrio Geral: Analisa a interdependência entre todos os mercados e setores da economia, buscando um ponto de equilíbrio onde a oferta e a demanda se equilibram em cada um deles.
Em suma, junta um conjunto de variáveis para definir um cenário econômico. A cada mudança em uma variável, refaz o cenário todo.
Um paper do IPEA, de Luciano Vereda Marco A. F. H. Cavalcanti, expôs as pré-condições para o modelo funcionar a contento:
i) indivíduos com expectativas racionais;
ii) firmas com poder de mercado e, portanto, capacidade de fixar preços;
iii) rigidez de preços e salários, que permite que a política monetária tenha efeitos reais sobre a economia; e
v) fricções reais, como custos de ajustamento do capital, utilização variável da capacidade instalada e formação de hábito no consumo, que ajudam a explicar vários fatos estilizados associados às flutuações do produto.
Os mercadistas brasileiros acrescentaram algumas características do mercado interno:
i) a presença de indivíduos alijados do mercado financeiro e de trabalho, que obtêm sua renda a partir de transferências governamentais e são impedidos de suavizar seu padrão de consumo ao longo do tempo;
ii) a divisão dos bens e serviços produzidos em itens cujos preços são “livres” (transacionados sem qualquer tipo de monitoramento ou intervenção governamental) ou “administrados” (negociados a preços fixados sob algum grau de monitoramento ou intervenção do governo); e
iii) a inserção de um prêmio de risco sobre os títulos convencionais de renda fixa emitidos pelo governo brasileiro, que depende do passivo externo líquido do país, além de fatores externos, como flutuações na propensão ao risco dos investidores internacionais.
Nosso colunista, Luiz Alberto Melchert, doutor em História Econômica Internacional pela Universidade de Colúmbia, aluno de Duncan K. Foley, um dos principais economistas norte-americanos, trata o modelo como um “verdadeiro contrassenso”.
“Se é estocástico, ou seja, depende do estoque de dados, não pode ser dinâmico. Se for de equilíbrio, não pode ser estático porque o equilíbrio depende de se estar em estado estacionário, como quer a série de Taylor. É que o tempo é variável intrínseca à Economia. É preciso não entender coisa alguma de estatística para engolir uma cretinice dessas”.
As críticas ao modelo são amplas:
Os modelos são excessivamente simplifcados, baseando-se em suposições rígidas sobre as preferências dos consumidores, mudanças tecnológicas e choques econômicos. Esse modelo foi incapaz de prever a maior crise financeira desde 1929: o crack de 2008.
Há críticas em relação à complexidade e calibração dos fatores, e dificuldade em avaliar a dinâmica do mercado de trabalho. E, mais ainda, não consegue captar os fatores institucionais, os choques políticos que podem influenciar o comportamento econômico.
Na verdade, a única função da planilha é permitir a ação articulada de especuladores. Os cenários futuros baseiam-se em séries históricas mas dependem fundamentalmente de expectativas dos agentes. E os principais formadores de expectativas no país – graças ao trabalho acrítico da mídia – é o mercado.
Então, basta um grupo forte de especuladores estimular as expectativas de um dos fatores, para as planilhas serem refeitas de forma orquestrada.
E, em um país em que a população é apontada como a mais crédula, que acredita que vacinas inoculam vírus radioativos nas pessoas, é fácil acreditar em catástrofe fiscal e outras terraplanícies.
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O impacto das distorções políticas e constitucionais que esses caras produzem não é irrelevante, Nassif. A igualdade política e jurídica durante a eleição deixa de existir no momento exato em que a agenda pública passa a ser totalmente controlada por um punhado de espertalhões gananciosos. Os votos deles deveriam ter o mesma valor, mas acabam tendo um valor maior porque o resultado da eleição não pode afetar os interesses deles. O mercado desdemocratiza o Estado com ajuda da imprensa. Ele esvazia os direitos constitucionais dos cidadãos porque a própria cidadania está deixando de existir. Na prática centenas de milhões de brasileiros estão sendo transformados em servos dos feudos financeiros que conseguiram capturar o Banco Central e reduzir a autonomia política governamental. Onde estão os juristas que não conseguem ver e descrever esse fenômeno? O STF é o guardião da nossa constituição escrita ou apenas um puxadinho da faria Lima?
Como adendo ao exposto sugiro a leitura abaixo.
https://www.ucl.ac.uk/bartlett/public-purpose/sites/bartlett_public_purpose/files/mission-oriented_industrial_strategy._global_insights_2024.pdf
Imaginemos que os economistas saiam de suas abstrações matemáticas e fiassem suas suposições à realidade que nos rodeia, o aumento populacional. Para os financistas essa é a chave do acúmulo do capital então, para eles, serve mais o excedente de desemprego que facilita a expropriação da mais valia. Agora, para os economistas, não se pode negar o que Aldous Huxley escreveu em 1959 em Regresso ao Admirável Mundo Novo, I – Superpopulação, que “à medida que o século XX se aproxima de seu final, e os novos bilhões (de seres humanos) são acrescidos aos bilhões existentes (quando minha neta tiver cinquenta anos, o número total de seres humanos ultrapassará os cinco bilhões e meio), esse pano de fundo biológico avança, sempre com mais insistência, sempre mais ameaçador, para a vanguarda e para o centro do palco histórico”. Se pensarmos que a neta mais velha de Huxley nasceu em 1951, ou seja, teria cinquenta anos em 2001, cuja população era de 6,226 bilhões de seres humanos, o Filósofo cravou. Continua Huxley: “A relação entre o total de seres humanos, que aumenta rapidamente, e os recursos naturais, a estabilidade social e o bem estar dos indivíduos é agora o problema crucial da humanidade”. A saída para o escritor de Admirável Mundo Novo seria a “produção de alimentos e de produtos manufaturados, de casas, escolas e professores … aumentada com rapidez superior à do número de habitantes, será possível melhorar a sorte miserável dos que vivem nessas condições subdesenvolvidas e superpovoadas”. O Brasil não é um país superpopuloso. Mas boa parte de nossa produção agrícola é exportada, de modo que a segurança alimentar do Povo Brasileiro é sacrificada em favor da “balança comercial”. Para Huxley, “o que resta depois de terem sido atendidas as necessidades básicas da população é o capital”. Ingenuidade por parte dele ou a velha e sutil ironia inglesa? No Brasil, é sempre o “mercado” a ter suscetibilidades que causam pânico no congresso nacional, no executivo, com o toque de terror da mídia, e não importa a precariedade a que os trabalhadores foram lançados ou a marginalização cada vez mais acentuada da população mais humilde.
A descrição de Nassif é altamente ilustrativa e nos dá o caminho para compreender como é feita a formação ideológica de cabeças de planilha . Os cursos de economia formaram nos últimos anos mentes brilhantes seduzidas pela racionalidade técnica. A formação de cabeças de planilha se dá sobretudo pela sedução da técnica. Para cabeças de planilha , terraplanistas econômicos, e principalmente os que se chamam comentaristas econômicos a descrição feita por Nassif é puramente técnica. Isto é, consideram que a realidade pode ser descrita por algumas variáveis e parâmetros que podem se transformar numa equação que nos leva a cálculos e ou programas que podem ser rodados nos computadores atuais. No caso do plano real, existia uma fórmula e agora existem sobretudo programas que tomam os dados e pesos do modelo criado por algumas mentes. O modelo é descrito como se fosse a realidade. A partir daí procuram meninos inteligentes e especializados em técnicas de cálculo e rodar programas e que, principalmente, acreditam que a realidade está ali na planilha. A grande maioria não questiona a planilha, apenas calculam. Mesmo em debates acadêmicos se estimula o cálculo e não o questionamento. Habilidosos, fazem os cálculos, ou mais modernamente, rodam o modelo no computador. Fascinados pelos resultados se tornam especialistas, em rodar modelos e tirar conclusões que chamam de soluções técnicas e que portanto não podem ser contestadas. Na imprensa e no imaginário social soluções técnicas não estão sujeitas a nenhum viés.Porém, é nos parâmetros e variáveis que conformam modelo e nos pesos e variações dos pesos que moram os segredos. E Nassif chama atenção para um outro aspecto, o grau de sofisticação permite que intencionalmente grupos manipulem os parâmetros e pesos sem que as pessoas sequer suspeitem que o modelo foi modificado. As soluções continuam sendo obtidas usando as técnicas e tem a capacidade de afetar a realidade do mundo financeiro que é por natureza virtual, mas que tem forte impacto na economia real. E assim quando jornalistas e comentaristas abrem a boca para defender que o BC só toma decisões técnicas devemos de novo dizer: é o modelo estúpido.