Capitalismo ou Socialismo, quem ressurge das cinzas afinal?, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Só que a História não se repete e o que parece cíclico pode não o ser, parecendo com uma escada em que a prosperidade é a pisada e a crise é o espelho.

Capitalismo ou Socialismo, quem ressurge das cinzas afinal?

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Joseph Schumpeter[1] dizia que o capitalismo é como Fênix, ressurge das próprias cinzas. Ele supunha que as contradições apontadas por Marx[2] e seus seguidores abalavam o sistema econômico. Ele, porém, seria capaz de encontrar caminhos para mitiga-las e renascer e prosperar. Então, as mesmas ou outras contradições o abalariam novamente e um novo ciclo começaria.

Ele, juntamente com John Keynes[3], Michael Kaleci[4], Nikolai Kondratiev[5], entre outros, representaram a preocupação com os ciclos econômicos que marcou a primeira metade do século  XX. Schumpeter preocupava-se com a destruição criativa, Keynes e Kaleci, com a oferta de capital e a taxa de juros, enquanto Kondratiev estudava os ciclos de longo prazo entre crises e períodos de prosperidade. Os tais ciclos existem mas não pelos motivos que os cientistas mencionaram. Todos, o fundo, são uma coisa só. No cabo de guerra que Marx chamou de luta de classes, os capitalistas tendem a esticar a corda até, antevendo a ruptura, entregam os anéis para não perderem os dedos, como diria o mesmo filósofo seis anos depois de ter publicado o primeiro volume de “O Capital”. Traduzindo para os tempos atuais, os ciclos ocorrem porque, depois de abrir mão de parte de seu lucro para evitar uma contenda maior. Vendo a renda distribuir-se, inicia-se um refluxo em direção à concentração de renda, até que a insatisfação social ponha o sistema em risco novamente. Aí, lá se vão novamente os anéis.

Só que a História não se repete e o que parece cíclico pode não o ser, parecendo com uma escada em que a prosperidade é a pisada e a crise é o espelho. O esforço social para subir de uma pisada à seguinte é que reflete os conflitos entre as classes. É inegável que, apesar de toda miséria do mundo, a humanidade vive muito melhor hoje que há cem anos, mesmo que a população mundial tenha quadruplicado no período. Há mesmo quem diga que a humanidade se tenha multiplicado tão rapidamente porque as condições melhoraram. É melhor deixar essa discussão para outra matéria. O que interessa é que o trabalho, ao contrário do que considerava Marx, deixou de depender de tendões e músculos, mesmo que, conforme ele temia, tenha aumentado a imposição da máquina sobre o Homem. Se o trabalho mudou, é de se esperar que o capitalismo, com seus novos agentes, tenha mudado em igual proporção e velocidade. Os conflitos não serão os mesmos em forma, mesmo que permaneçam idênticos em essência.

Karl Polanyi[6], em “A Grande Transformação”, descreve a passagem do feudalismo para o capitalismo como uma troca de agentes em conflito, saindo da figura dos nobres, servos e burgueses, para capitalistas x trabalhadores. A financeirização está promovendo uma nova transformação, quem sabe, tão grande quanto a descrita pelo autor. Graças aos fundos, a figura do capitalista está desaparecendo em prol do mercado, que não se sabe a quem representa se não ao próprio capital. Patrões e empregados a ele sucumbem como se a um deus cruel e vingativo. Sem perceber, os ruralistas entraram nesse jogo com a lei 14.130/2021, conhecida como a lei do Fiagro, que permite que fundos adquiram terras e as entreguem a à administração impessoal, virtualmente racionalizada por órgãos de controle como Banco Central e CVM. Aos poucos, os proprietários vão-se tornando investidores, perdendo a ligação com a terra estrito senso. Na medida em que suas propriedades são transformadas em meros papéis, deixam de existir cercas, vizinhos e tudo o que liga o proprietário ao solo. Ele já não decide sobre o que plantar e quando ou quanto colher, o mercado decide tudo e administra tudo. Na medida em que as gerações se vão sucedendo, esses papéis vão-se pulverizando e trocando de mãos até se aglomerarem em mãos de pessoas que sequer sabem abrir porteira. Isso não há de ser de todo ruim, visto que é muito mais fácil fazer instituições cumprirem leis do que enfrentar a ganância dos indivíduos. Pode ser que o ambiente ganhe com isso e que muitas matas sejam salvas. Ao mesmo tempo, chafurdaremos na lama do conservadorismo porque, para o mercado, o risco e “compliance” têm mais autoridade que o lucro. O saldo é imprevisível.

Aí, de nada valerão as armas, pois já não haverá propriedades a defender e, sem saber, antigos proprietários estarão do outro lado da corda, sem saber o que ou quem os atingiu. Mesmo assim, a exemplo do que ocorre hoje, estarão contra um tal mito chamado socialismo, renascido das cinzas, ameaçando sabe-se lá o que.


[1] Economista nascido na República Checa (1883 – 1950)

[2] Filósofo alemão (1818 – 1883)

[3] Economista inglês (1883 – 1946)

[4] Economista polonês (1899 – 1970)

[5] Economista russo nascido em 1892 e fuzilado em 1938.

[6] Economista e historiador húngaro 1886 – 1964), irmão do baluarte da Escola Austríaca, Michael Polanyi.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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  1. Vamos confrontar algumas afirmações do Sr. Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva com citações de Marx.

    De acordo com o Sr. Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva:

    “O que interessa é que O TRABALHO, ao contrário do que considerava Marx, DEIXOU DE DEPENDER DE TENDÕES E MÚSCULOS, mesmo que, conforme ele temia, tenha aumentado a imposição da máquina sobre o Homem”.

    No “Fragmento sobre as máquinas”, Marx escreveu:

    “A troca do trabalho vivo pelo trabalho objetivado, quer dizer, a manifestação do trabalho social sob a forma antagônica do capital e do trabalho, é o último desenvolvimento da relação do valor e da produção baseada no valor. O pressuposto desta relação é – e continua sendo – que a massa de tempo de trabalho imediato, a quantidade de trabalho utilizada, representa o fator decisivo da produção de riquezas. ORA, Á MEDIDA QUE SE DESENVOLVE A GRANDE INDÚSTRIA, A CRIAÇÃO DE RIQUEZA DEPENDE CADA VEZ MENOS DO TEMPO DE TRABALHO E DA QUANTIDADE DE TRABALHO UTILIZADA, e cada vez mais do poder dos agentes mecânicos postos em movimento durante a duração do trabalho. A enorme eficiência destes agentes, por sua vez, não tem qualquer relação com o tempo de trabalho imediato que custa a sua produção. Depende, antes, do nível geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação dessa ciência à produção. (O desenvolvimento das ciências – entre as quais as da natureza, bem como todas as outras – é, certamente, função do desenvolvimento da produção material). A agricultura, por exemplo, torna-se uma simples aplicação da ciência do metabolismo material e o modo mais vantajoso da sua regulação para o conjunto do corpo social. A riqueza social manifesta-se mais – e isto revela-o a grande indústria – na enorme desproporção entre o tempo de trabalho utilizado e o seu produto, assim como na desproporção qualitativa entre o trabalho, reduzido a uma pura abstração, e o poder do processo de produção que ele controla. O trabalho já não surge tanto como uma parte constitutiva do processo de produção; ao invés, o homem comporta-se mais como um vigilante e um regulador face ao processo de produção. (Isto é válido não só para a maquinaria, como também para a combinação das atividades humanas e o desenvolvimento do intercâmbio humano). O trabalhador não mais introduz a matéria natural modificada (em ferramenta) como intermediário entre si e a matéria; antes introduz o processo natural – transformado num processo industrial – como intermediário entre si e toda a natureza inorgânica, dominando-a. Ele próprio coloca-se ao lado do processo de produção, em vez de ser o seu agente principal. Com esta transformação, não é o tempo de trabalho realizado, nem o trabalho imediato efetuado pelo homem, que surgem como o fundamento principal da produção de riqueza; é, sim, a apropriação do seu poder produtivo geral, do seu entendimento da natureza e da sua faculdade de a dominar, graças à sua existência como corpo social; numa palavra, é o desenvolvimento do indivíduo social que aparece como a pedra angular da produção e da riqueza. O roubo do tempo de trabalho de outrem sobre o qual assenta a riqueza atual surge como uma base miserável relativamente à base nova, criada e desenvolvida pela própria grande indústria. Logo que o trabalho, na sua forma imediata, deixe de ser a fonte principal da riqueza, o tempo de trabalho deixa e deve deixar de ser a sua medida, e o valor de troca deixa, portanto, de ser a medida do valor de uso. O trabalho excedente das grandes massas deixa de ser a condição do desenvolvimento da riqueza geral, tal como o não-trabalho de alguns poucos, deixa de ser a condição do desenvolvimento dos poderes gerais do cérebro humano. Por essa razão, desmorona-se a produção baseada no valor de troca, e o processo de produção material imediato acha-se despojado da sua forma mesquinha, miserável e antagônica, ocorrendo então o livre desenvolvimento das individualidades. E assim, não mais a redução do tempo de trabalho necessário para produzir trabalho excedente, mas antes a redução geral do trabalho necessário da sociedade a um mínimo, correspondendo isso a um desenvolvimento artístico, científico, etc. dos indivíduos no tempo finalmente tornado livre, e graças aos meios criados, para todos. O capital é em si mesmo uma contradição em processo, [pelo fato de] que tende a reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, enquanto, por outro lado, coloca o tempo de trabalho como a única medida e fonte de riqueza. Assim que, diminui o tempo de trabalho na forma necessária para aumentá-lo na sua forma excedente; coloca, portanto, o trabalho excedente, em medida crescente, como uma condição – questão de vida ou de morte – para o necessário. Por um lado, o capital convoca todos os poderes da ciência e da natureza, assim como da cooperação social e intercâmbio social, com o fim de tornar a criação de riqueza independente (em termos relativos) do tempo de trabalho empregado nela”.

    O Sr. Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva diz mais:

    “A financeirização está promovendo uma nova transformação, quem sabe, tão grande quanto a descrita pelo autor. Graças aos fundos, a figura do capitalista está desaparecendo em prol do mercado, que não se sabe a quem representa se não ao próprio capital. Patrões e empregados a ele sucumbem como se a um deus cruel e vingativo. Sem perceber, os ruralistas entraram nesse jogo com a lei 14.130/2021, conhecida como a lei do Fiagro, que permite que fundos adquiram terras e as entreguem a à administração impessoal, virtualmente racionalizada por órgãos de controle como Banco Central e CVM. AOS POUCOS, OS PROPRIETÁRIOS VÃO SE TORNANDO INVESTIDORES, PERDENDO A LIGAÇÃO COM A TERRA ESTRITO SENSO. Na medida em que suas propriedades são transformadas em meros papéis, deixam de existir cercas, vizinhos e tudo o que liga o proprietário ao solo. Ele já não decide sobre o que plantar e quando ou quanto colher, o mercado decide tudo e administra tudo. NA MEDIDA EM QUE AS GERAÇÕES VÃO SE SUCEDENDO, ESSES PAPÉIS VÃO SE PULVERIZANDO E TROCANDO DE MÃOS ATÉ SE AGLOMERAREM EM MÃOS DE PESSOAS QUE SEQUER SABER ABRIR PORTEIRA”.

    O que afirmou Marx a este respeito?

    “A renda, no sentido de Ricardo, é a agricultura patriarcal transformada em indústria comercial, o capital industrial aplicado à terra, a burguesia das cidades transplantada para o campo. A renda, em vez de ligar o homem à natureza, não fez senão ligar a exploração da terra à concorrência. Uma vez constituída em renda, a propriedade territorial é ela própria o resultado da concorrência, pois que desde então passa a depender do valor venal dos produtos agrícolas. Como renda, a propriedade territorial é mobilizada e torna-se um efeito de comércio. A renda não é possível senão a partir do momento em que o desenvolvimento da indústria das cidades e a organização social resultante forçam o proprietário territorial a visar apenas o lucro venal, a relação monetária de seus produtos agrícolas, e a ver, enfim, na sua propriedade territorial, apenas uma máquina de cunhar moeda. A RENDA SEPAROU TÃO PERFEITAMENTE DO SOLO, DA NATUREZA, O PROPRIETÁRIO TERRITORIAL, QUE ELE NÃO TEM NEM MESMO NECESSIDADE DE CONHECER SUAS TERRAS, COMO ACONTECE NA INGLATERRA. Quanto ao rendeiro, ao capitalista industrial e ao operário agrícola, eles não estão mais ligados à terra que exploram do que o industrial e o operário das manufaturas ao algodão ou à lã; eles não se sentem ligados senão ao preço de sua exploração, ao produto monetário. Daí as jeremiadas dos partidos reacionários, que pedem com todas suas forças a volta à feudalidade, à boa vida patriarcal, aos costumes simples e às grandes virtudes de nossos antepassados. A sujeição do solo às leis que regem todas as outras indústrias é e será sempre objeto de condolências interessadas. Assim, pode-se dizer que a renda se tornou a força motriz que lançou o idílio no movimento da história”.

    Como cantavam os Legionários Urbanos:

    “Na morte eu descanso
    Mas o sangue anda solto
    Manchando os papéis
    Documentos fiéis
    Ao descanso do patrão”.

  2. Vamos confrontar algumas afirmações do Sr. Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva com citações de Marx.

    De acordo com o Sr. Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva:

    “O que interessa é que O TRABALHO, ao contrário do que considerava Marx, DEIXOU DE DEPENDER DE TENDÕES E MÚSCULOS, mesmo que, conforme ele temia, tenha aumentado a imposição da máquina sobre o Homem”.

    No “Fragmento sobre as máquinas”, Marx escreveu:

    “A troca do trabalho vivo pelo trabalho objetivado, quer dizer, a manifestação do trabalho social sob a forma antagônica do capital e do trabalho, é o último desenvolvimento da relação do valor e da produção baseada no valor. O pressuposto desta relação é – e continua sendo – que a massa de tempo de trabalho imediato, a quantidade de trabalho utilizada, representa o fator decisivo da produção de riquezas. ORA, Á MEDIDA QUE SE DESENVOLVE A GRANDE INDÚSTRIA, A CRIAÇÃO DE RIQUEZA DEPENDE CADA VEZ MENOS DO TEMPO DE TRABALHO E DA QUANTIDADE DE TRABALHO UTILIZADA, e cada vez mais do poder dos agentes mecânicos postos em movimento durante a duração do trabalho. A enorme eficiência destes agentes, por sua vez, não tem qualquer relação com o tempo de trabalho imediato que custa a sua produção. Depende, antes, do nível geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação dessa ciência à produção. (O desenvolvimento das ciências – entre as quais as da natureza, bem como todas as outras – é, certamente, função do desenvolvimento da produção material). A agricultura, por exemplo, torna-se uma simples aplicação da ciência do metabolismo material e o modo mais vantajoso da sua regulação para o conjunto do corpo social. A riqueza social manifesta-se mais – e isto revela-o a grande indústria – na enorme desproporção entre o tempo de trabalho utilizado e o seu produto, assim como na desproporção qualitativa entre o trabalho, reduzido a uma pura abstração, e o poder do processo de produção que ele controla. O trabalho já não surge tanto como uma parte constitutiva do processo de produção; ao invés, o homem comporta-se mais como um vigilante e um regulador face ao processo de produção. (Isto é válido não só para a maquinaria, como também para a combinação das atividades humanas e o desenvolvimento do intercâmbio humano). O trabalhador não mais introduz a matéria natural modificada (em ferramenta) como intermediário entre si e a matéria; antes introduz o processo natural – transformado num processo industrial – como intermediário entre si e toda a natureza inorgânica, dominando-a. Ele próprio coloca-se ao lado do processo de produção, em vez de ser o seu agente principal. Com esta transformação, não é o tempo de trabalho realizado, nem o trabalho imediato efetuado pelo homem, que surgem como o fundamento principal da produção de riqueza; é, sim, a apropriação do seu poder produtivo geral, do seu entendimento da natureza e da sua faculdade de a dominar, graças à sua existência como corpo social; numa palavra, é o desenvolvimento do indivíduo social que aparece como a pedra angular da produção e da riqueza. O roubo do tempo de trabalho de outrem sobre o qual assenta a riqueza atual surge como uma base miserável relativamente à base nova, criada e desenvolvida pela própria grande indústria. Logo que o trabalho, na sua forma imediata, deixe de ser a fonte principal da riqueza, o tempo de trabalho deixa e deve deixar de ser a sua medida, e o valor de troca deixa, portanto, de ser a medida do valor de uso. O trabalho excedente das grandes massas deixa de ser a condição do desenvolvimento da riqueza geral, tal como o não-trabalho de alguns poucos, deixa de ser a condição do desenvolvimento dos poderes gerais do cérebro humano. Por essa razão, desmorona-se a produção baseada no valor de troca, e o processo de produção material imediato acha-se despojado da sua forma mesquinha, miserável e antagônica, ocorrendo então o livre desenvolvimento das individualidades. E assim, não mais a redução do tempo de trabalho necessário para produzir trabalho excedente, mas antes a redução geral do trabalho necessário da sociedade a um mínimo, correspondendo isso a um desenvolvimento artístico, científico, etc. dos indivíduos no tempo finalmente tornado livre, e graças aos meios criados, para todos. O capital é em si mesmo uma contradição em processo, [pelo fato de] que tende a reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, enquanto, por outro lado, coloca o tempo de trabalho como a única medida e fonte de riqueza. Assim que, diminui o tempo de trabalho na forma necessária para aumentá-lo na sua forma excedente; coloca, portanto, o trabalho excedente, em medida crescente, como uma condição – questão de vida ou de morte – para o necessário. Por um lado, o capital convoca todos os poderes da ciência e da natureza, assim como da cooperação social e intercâmbio social, com o fim de tornar a criação de riqueza independente (em termos relativos) do tempo de trabalho empregado nela”.

    O Sr. Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva diz mais:

    “A financeirização está promovendo uma nova transformação, quem sabe, tão grande quanto a descrita pelo autor. Graças aos fundos, a figura do capitalista está desaparecendo em prol do mercado, que não se sabe a quem representa se não ao próprio capital. Patrões e empregados a ele sucumbem como se a um deus cruel e vingativo. Sem perceber, os ruralistas entraram nesse jogo com a lei 14.130/2021, conhecida como a lei do Fiagro, que permite que fundos adquiram terras e as entreguem a à administração impessoal, virtualmente racionalizada por órgãos de controle como Banco Central e CVM. AOS POUCOS, OS PROPRIETÁRIOS VÃO SE TORNANDO INVESTIDORES, PERDENDO A LIGAÇÃO COM A TERRA ESTRITO SENSO. Na medida em que suas propriedades são transformadas em meros papéis, deixam de existir cercas, vizinhos e tudo o que liga o proprietário ao solo. Ele já não decide sobre o que plantar e quando ou quanto colher, o mercado decide tudo e administra tudo. NA MEDIDA EM QUE AS GERAÇÕES VÃO SE SUCEDENDO, ESSES PAPÉIS VÃO SE PULVERIZANDO E TROCANDO DE MÃOS ATÉ SE AGLOMERAREM EM MÃOS DE PESSOAS QUE SEQUER SABER ABRIR PORTEIRA”.

    O que afirmou Marx a este respeito?

    “A renda, no sentido de Ricardo, é a agricultura patriarcal transformada em indústria comercial, o capital industrial aplicado à terra, a burguesia das cidades transplantada para o campo. A renda, em vez de ligar o homem à natureza, não fez senão ligar a exploração da terra à concorrência. Uma vez constituída em renda, a propriedade territorial é ela própria o resultado da concorrência, pois que desde então passa a depender do valor venal dos produtos agrícolas. Como renda, a propriedade territorial é mobilizada e torna-se um efeito de comércio. A renda não é possível senão a partir do momento em que o desenvolvimento da indústria das cidades e a organização social resultante forçam o proprietário territorial a visar apenas o lucro venal, a relação monetária de seus produtos agrícolas, e a ver, enfim, na sua propriedade territorial, apenas uma máquina de cunhar moeda. A RENDA SEPAROU TÃO PERFEITAMENTE DO SOLO, DA NATUREZA, O PROPRIETÁRIO TERRITORIAL, QUE ELE NÃO TEM NEM MESMO NECESSIDADE DE CONHECER SUAS TERRAS, COMO ACONTECE NA INGLATERRA. Quanto ao rendeiro, ao capitalista industrial e ao operário agrícola, eles não estão mais ligados à terra que exploram do que o industrial e o operário das manufaturas ao algodão ou à lã; eles não se sentem ligados senão ao preço de sua exploração, ao produto monetário. Daí as jeremiadas dos partidos reacionários, que pedem com todas suas forças a volta à feudalidade, à boa vida patriarcal, aos costumes simples e às grandes virtudes de nossos antepassados. A sujeição do solo às leis que regem todas as outras indústrias é e será sempre objeto de condolências interessadas. Assim, pode-se dizer que a renda se tornou a força motriz que lançou o idílio no movimento da história”.

    Como cantavam os Legionários Urbanos:

    “Na morte eu descanso
    Mas o sangue anda solto
    Manchando os papéis
    Documentos fiéis
    Ao descanso do patrão”.

    1. Resposta de Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
      “Caro Rui, obrigado pelo comentário que corrobora cada ponto do que eu disse, não sendo, portanto, uma confrontação. A grande crítica dos neoliberais a Marx foi justamente ofato de o preço e o valor de uso jamais terem coincidido. Marx sabia disso. Em seus rascunhos, ele discutiu bastante o assunto. Valor de troca e valor de uso tendem a dissociar-se consoante a elasticidade-preço e à elasticidade-renda, chegando ao consumo conspícuo, como dizia Veblen. Marx e você têm razão, prova de que o peso da mão de obra é decrescente no produto reside na queda constante da massa de salários em relação ao PIB, a ponto de Samuelson ter dito que qualquer sistema previdenciário baseado no trabalho não funcionaria porque haveria uma tendência de, para manter o capitalismo funcionando, ser preciso que o trabalhador tivesse outra fonte de renda, provavelmente, baseada no próprio capital. quanto à conexão do homem à terra, seja como proprietário, seja como produtor arrendatário, seja como trabalhador, está fadado aos livros de História somente. Talvez você não esteja próximo da constituição de fundos de investimento, que transformam tudo em algo extremamente abstrato, as cotas. É diferente de ter terras e não as conhecer, posto que o rentista já não as tem e as substituiu por papéis, com liquidez, que é um dos fins da financeirização. Por favor, peço que me chame pelo nome, que eu prefiro, ou pelo meu título, de que não faço questão.”

  3. Quando a burguesia começou a emergir a sociedade feudal também não compreendeu onde iria e a viu como decadente. A financeirização permite o fim da sociedade de classes e do próprio trabalho embrutecedor. Basta as pessoas quererem. Mas “quando o mundo muda, as pessoas se agarram ao passado”.

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