Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Copa América no Brasil? A apropriação e ressignificação semiótica alt-right, por Wilson Ferreira

A guerra de bastidores que a Globo trava com a Conmebol e SBT reflete a “hipertelia” e “tautismo” da grande mídia - o destino de todos os sistemas tecnológicos.

Copa América no Brasil? A apropriação e ressignificação semiótica alt-right

por Wilson Ferreira

Jornalistas e comentaristas da Globo indignados contra a Copa América no Brasil no Brasil, epicentro da pandemia na América do Sul. A mídia progressista viraliza vídeos de Casagrande e Luiz Roberto acusando de “torneio da morte”. Porém, os mesmos critérios também poderiam ser aplicados a dois “produtos” da Globo: Brasileirão e Copa América, com 92 delegações circulando pelo País. Bolsomínios apropriam-se dessa crítica à Globo, acusando a emissora de “hipocrisia”, reforçando o mote “Globolixo”. Estamos diante de um caso exemplar da estratégia semiótica da “direita alternativa” (alt-right): apropriação e ressignificação que paralisa a crítica progressista fazendo-a se aliar a uma emissora que supostamente é opositora ao Governo, mesmo com sua tática de morde-assopra (basta ver a cobertura do 29M). Mas não é uma mera “hipocrisia”: a guerra de bastidores que a Globo trava com a Conmebol e SBT reflete a “hipertelia” e “tautismo” da grande mídia – o destino de todos os sistemas tecnológicos. Enquanto isso, a esquerda viraliza os vídeos de comentaristas da emissora indignados, as folhas de parreira que encobrem a nudez da própria Globo. 

Duas maldições acompanham os sistemas (sejam de comunicação, informação, transporte, tecnológicos etc.): hipertelia e tautismo.

Os sistemas começam a se desenvolver, expandir até chegar a um estado de obesidade estrutural, voltando-se contra si mesmos, ou melhor, a um ponto entrópico de inversão no qual se revertem contra a própria finalidade para a qual foram criados. 

Veja, caro leitor, o exemplo dos sistemas de comunicação de massas: sua finalidade era a de informar, entreter e educar (pelo menos está na lei 9.472/97 de concessão de serviços de radiodifusão). Era é a premissa inicial da concessão pública: serviços de comunicação orientados pelos princípios de relevância e proporção – aquilo que é mais relevante para o interesse público deve proporcionalmente ocupar mais espaço. Portanto, o interesse público deveria se sobrepor ao privado.

As redes de comunicação cresceram, se expandiram através das afiliadas pelo território nacional, tornando-se tão fundamentais que se transformaram no ÚNICO meio de informação para a maioria dos brasileiros. Redes tão hegemônicas e imensas que passaram a confundir os interesses privados (corporativos, comerciais) com o público – o conteúdo mais relevante a ser transmitido será sempre aquele orientado pelos interesses financeiros e comerciais que mantêm as próprias redes.

Por exemplo, a TV Globo perdeu os direitos de transmissão da Fórmula 1. E mesmo com o tão festejado piloto negro inglês Lewis Hamilton (dentro da pauta identitária que a emissora adotou como política de controle de danos – clique aqui), a Globo simplesmente eliminou a categoria esportiva da face da Terra: para ela, Fórmula 1 nunca existiu. E Airton Senna transformou-se na memória de um passado longínquo, mítico e indeterminado…

 Consequentemente, a hipertelia conduz ao tautismo: autismo midiático + tautologia (conceito do francês Lucien Sfez, clique aqui): para a obesa TV Globo (o saudoso “ansioso blogueiro” Paulo Henrique Amorim falava sempre que a Globo morreria gorda) a emissora não reporta a História; a História só pode acontecer dentro das exigências da sua grade de programação e do timing dos seus interesses políticos e econômicos – sempre pensados a curtíssimo prazo.

Hipertelia: a informação externa de um sistema é sempre traduzida por uma descrição que o sistema faz de si mesmo – “fechamento operacional”.

O leitor deve lembrar-se das tantas vezes em que os horários das rodadas do campeonato brasileiro de futebol eram adiantados no domingo para as 11h00, liberando o período da tarde para as coberturas extensivas ao vivo das manifestações nacionais de rua em apoio ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Campeonato brasileiro cujo direito de transmissão pertencia (e pertence) à Globo. Com a anuência da CBF, parceira comercial no futebol naquele momento.

Ou de outras tantas vezes em que víamos repórteres em praças quase vazias de cidades interioranas, tentando dar “pernas às notícias” descrevendo supostas intensas manifestações de rua. 

 Tautismo global: timing dos acontecimentos são submetidos à logística da sua cobertura televisiva e grade de programação. E mais: alinhando as extensivas coberturas ao vivo para criar acumulação, consonância e consonância dos acontecimentos, dando “pernas” a pauta e clima de opinião de apoio ao impeachment. 

A cobertura da emissora sobre as manifestações do 29M, do último sábado, nem de longe se aproxima daquelas de 2016 – sem cobertura ao vivo, mesmo nos canais de notícias 24 horas como Globo News ou GGN, resumindo a “lapadas” (matérias colocadas no meio de outros blocos de notícias) no meio da programação. A mesma coisa no canal aberto, no JN de sábado.

Copa América: hipertelia e tautismo

Partindo desses dois princípios que condenam os sistemas obesos (hipertelia e tautismo) é impossível acreditar na indignação do jornalismo político e esportivo das organizações Globo diante da notícia de que (por decisão da Conmebol com a vibrante aceitação do presidente Bolsonaro) a Copa América será realizada no Brasil.

Depois de ser recusada pela Colômbia (pelo estado de sublevação social nas ruas contra o governo Iván Duque) e pela Argentina (pela forte rejeição da opinião pública numa situação de pandemia e crise econômica), caiu como uma bomba para a emissora a notícia da Copa América no País. em pleno No momento em que estão andamento ou seus dois “produtos”: Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil.

O dono dos direitos de transmissão da Copa América é o SBT, que também exibe a Libertadores, outro torneio organizado pela entidade sul-americana. Desde que a Globo rompeu o contrato que tinha pela Libertadores no ano passado, vive uma verdadeira guerra de bastidores com a Conmebol. Isso no meio da formalização para a compra dos direitos de transmissão das Eliminatórias da Copa do Mundo pelas Organizações Globo – na verdade, a emissora tenta negociar diretamente com as federações envolvidas.

Parte dos profissionais da imprensa tem apontado a indignação de jornalistas como Luiz Roberto do SporTV (“Isso é uma vergonha na pandemia… torneio caça-níqueis”) e do comentarista e ex-jogador Casagrande (“Copa América macabra com jogos de morte”) como “hipócrita”.

De forma institucional, nunca a Globo foi contra a realização de nenhum campeonato durante a pandemia – segue dizendo que “é momento de cautela” e que segue as “orientações dadas pelas autoridades competentes”, os tais “protocolos”…

Outra parte de profissionais de imprensa diz que é “idiotice dizer que a Globo critica a Copa América por causa do SBT”. E argumentam como prova o fato de comentaristas da Globo, como Casagrande, sempre terem se posicionados contra a liberação de qualquer campeonato na pandemia – o ex-jogador tem posicionamentos fortes contrários aos estaduais e Copa do Brasil.

Continue lendo no Cinegnose.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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