A ambigüidade norte-americana sobre a guerra cambial

Nova proposta dos EUA divide G-20 | Valor Online

Assis Moreira | De Seul

Os Estados Unidos estão voltando à carga para obter no G-20, nesta semana, em Seul, compromisso de redução de “desequilíbrios comerciais excessivos” com uma proposta que desta vez alveja bem mais a China, com potencial para levar o encontro ao fiasco.

O Valor teve acesso ao “draft” (rascunho) do Plano de Ação de Seul, pelo qual os chefes de Estado se comprometerão com medidas para evitar uma guerra cambial e impulsionar “um crescimento forte, sustentável e equilibrado da economia mundial no médio prazo”.

É nesse plano que Washington insiste em estabelecer que o déficit ou superávit das contas correntes dos países não supere 4% do Produto Interno Bruto (PIB). A partir desse patamar seriam deflagradas negociações para sua redução.

“Países com déficits sustentáveis vão reforçar seu desempenho exportador e impulsionar a poupança nacional”, diz a proposta americana. “Países com superávits sustentáveis vão adotar políticas cambiais, estrutural e fiscal para impulsionar fontes domésticas de crescimento”.

A diferença, em relação à proposta dos Estados Unidos rejeitada em encontro de ministros de Finanças do G-20, é que agora Washington atenua a pressão sobre a Alemanha, país com maior superávit, de 6,1% do PIB, e que contaria na média da zona do euro. Termina por deixar o peso do ajuste mais sobre a China, com saldo de 4,7% nas contas externas.

Washington argumenta que o objetivo não é estabelecer metas quantitativas e sim bandas indicativas, para se alcançar até 2015 desequilíbrios nas contas correntes em níveis sustentáveis. E seria uma maneira alternativa de tratar da moeda chinesa desvalorizada, que dopa suas exportações para o resto do mundo.

Mas Cui Tiankai, vice-ministro chinês das Relações Exteriores, ridicularizou a ideia americana. Há questões na economia mundial que merecem muito mais atenção, como o impacto do afrouxamento monetário nos EUA, afirmou.

O sentimento é de que os EUA relançaram a guerra de moedas antes do G-20 com a anunciada injeção de liquidez de US$ 600 bilhões. Emergentes mais dinâmicos estão sob pressão de mais valorização da moeda, riscos de bolhas pelo excesso de liquidez e de crédito.

A Índia acusa os EUA de terem minado o espírito de cooperação multilateral que os líderes do G-20 vêm tentando duramente estabelecer para afrontar a atual crise das moedas. Para importantes negociadores, sugerir a banda é “forçar a barra” no contexto atual e a proposta deverá ser novamente rejeitada.

Também descontente com a posição americana, o Brasil quer obter do G-20 o aval para que os emergentes possam impor controle de capital para evitar desestabilização de suas economias com o fluxo de capitais. E insistirá para que os países desenvolvidos estimulem suas economias para o consumidor voltar a gastar, em vez de esperar ação apenas dos emergentes.

EUA querem ‘banda indicativa’ para os saldos de conta corrente | Valor Online

Assis Moreira | De Seul, Coreia do Sul

AP

Sul-coreanos participam de protesto contra reunião de G-20, em Seul; encontro deve ser marcado por polêmica interna
Quando os EUA e a Coreia do Sul propuseram que déficits ou superávits das contas correntes não podiam passar de 4% do PIB, a Alemanha liderou duramente a rejeição à ideia, bem mais do que a China, na reunião de ministros de Finanças do G-20, há três semanas.

O Valor apurou que agora os EUA tentam reintroduzir nesta semana, no G-20 presidencial, o compromisso de “banda indicativa”, como parte de uma estratégia conjunta para estimular a economia mundial, mas atenuando a pressão sobre os alemães.

Para Washington, desequilíbrios projetados para ficar persistentemente fora das bandas de 4% do PIB deverão submetidos a uma avaliação de sua natureza e razões que impedem o ajustamento.

Mas desta vez sugere que “membros de uma união monetária teriam suas políticas cambial e monetária examinadas coletivamente, enquanto para políticas fiscal e estrutural seriam avaliadas em nível nacional.”

Ou seja, não é o superávit de 6,1% do PIB nas contas correntes da Alemanha que seria avaliado, para examinar impacto no comércio internacional, e sim o déficit de 0,4% da zona euro, que está em plena convergência na banda proposta pelos americanos.

Na prática, a “banda” de 4% exigirá da China, com superávit de 4,7% nas contas correntes, que altere políticas na área cambial, faça cortes no orçamento e altere regulações e impostos, para reduzi-los. O FMI calcula que no ritmo atual o saldo das contas correntes chinês subirá para 8% do PIB até 2015.

Para o secretário de Tesouro americano, Timothy Geithner, em todo caso isso exige uma mudança nas estratégias de crescimento de países que têm acumulado superávits comerciais e de contas correntes, como China, Alemanha e Japão. Passariam da dependência em relação à exportação para um crescimento liderado mais por demanda doméstica.

Por sua vez, as mudanças nos países com superávits, emergentes ou desenvolvidos, precisam ser complementadas por reformas em nações como os EUA, para aumentar a poupança e exportar mais. O crescimento americano virá mais do investimento e exportações do que do consumo.

Ilustrado o impasse sobre como fazer o ajuste “ordenado” da economia mundial, o projeto americano para a cúpula presidencial é bem mais amplo do que está previsto no “draft” do “Plano de Ação de Seul”, que os chefes de Estado e de governo do G-20 devem anunciar na sexta-feira.

O “draft” se limita a “reconhecer” que no processo de avaliação mútua das economias, ocorrido este ano, a maioria dos países espera manter seus desequilíbrios nas contas correntes por volta de 4% do PIB até 2014.

Para os EUA, porém, é necessário um plano baseado “em responsabilidade compartilhada” no G-20 no pilar de “políticas cambial, monetária e comercial”, com “forte monitoramento e acompanhamento” a partir do ano que vem.

Washington que as “bandas indicativas” devem ser vistas como patamares indicativos, e não como “metas”, para examinar a sustentabilidade e consistência das políticas cambial, fiscal, monetária e financeira de um país.

Estima que “diretrizes indicativas” que forem acertadas no G-20 serviriam como um mecanismo de alerta para identificar rapidamente os problemas e permitir corrigir ações.

Os EUA querem também que as economias emergentes assumam o compromisso de caminhar na direção de taxa de câmbio determinada pelas forças do mercado e reflitam os fundamentos de suas economias. O “draft” original defende que o compromisso venha de todo o G-20.

Os americanos propõem que os países responsáveis por moedas de reserva, como dólar, euro e iene, sejam “vigilantes” contra excesso de volatilidade e movimentos desordenados da taxa de câmbio.

“Juntas, essas medidas ajudarão a mitigar o risco de excessiva volatilidade nos fluxos de capitais que enfrentam vários emergentes”, diz o texto americano. Retoma o compromisso já assumido no G-20 financeiro para não adotar desvalorizações competitivas de suas moedas e medidas para frear a valorização de moedas justificada pelos fundamentos do mercado, numa alusão à China.

De hoje até quarta-feira, haverá negociações entre os “sherpas”, os representantes pessoais dos chefes de Estado e de governo, antes que o texto final do plano seja submetido aos líderes. A discussão terá como pano de fundo a ideia de que introdução de banda para a convergência de déficit e superávit tem o mérito de juntar de maneira solidária no processo de ajuste os países em diferentes situações. Evitaria um país crescendo à custa dos outros, com exportações dopadas por câmbio desvalorizado, por exemplo.

Mas certos membros do G-20 notam que, de um lado, os EUA enfim apelam para o multilateralismo. De outro lado, continuam adotando medidas unilaterais de novo afrouxamento monetário, sem coordenação, o que causa problemas para todos os outros. É o que uma analista chama de “minha política, seu problema”.

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Luis Nassif

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