A China e a tecnologia do trem-bala

Por Clóvis Ribeiro Chaves Júnior 

A China e a tecnologia do trem-bala

* NOVEMBER 21, 2010, 6:52 P.M. ET

China usa tecnologia externa para abalar mundo dos trens

Norihiko Shirouzu

The Wall Street Journal, de Qingdao, China

O TAV chinês, candidato a chegar ao Brasil, está causando rebuliço no setor

Quando as empresas japonesas e europeias pioneiras em trens-balas aceitaram fabricar trens para a China, pensavam que iam obter acesso a um mercado novo e crescente, bilhões de dólares em contratos e o prestígio de criar a rede de trens-balas mais ambiciosa da história.

O que elas não imaginavam é que, apenas alguns anos depois, teriam de concorrer com empresas chinesas que adaptaram sua tecnologia e a voltaram contra elas.

Hoje, empresas chinesas de trens que já foram sócias menores de gigantes como a Kawasaki Heavy Industries Ltd., a Siemens AG, a Alstom SA e a Bombardier Inc. concorrem com elas no crescente mercado mundial de sistemas de trens de alta velocidade. Dos Estados Unidos ao Brasil, passando pela Arábia Saudita e a própria China, as empresas chinesas estão vendendo trens que na maioria dos casos são mais velozes do que os oferecidos por suas concorrentes estrangeiras. Em setembro, numa visita à China, o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, disse que está interessado na ajuda dos chineses para construir uma linha de alta velocidade em seu Estado.

OavaO avanço da indústria chinesa de trens de alta velocidade reflete uma estratégia econômica nacional de incentivar estatais e obter tecnologia avançada mesmo que às custas de sócios estrangeiros. É uma estratégia que desafia potências como os EUA e alimenta uma revolta entre as multinacionais que operam na China.

Empresas de setores que vão do automobilístico ao aeroespacial há muito procuram explorar o enorme mercado chinês, entrando em sociedades que resultaram em enormes recompensas. Mas, ao transferir sua tecnologia, algumas empresas também abriram a porta para concorrentes chinesas que estão cada vez mais aptas a competir não apenas dentro da China, mas internacionalmente. A participação de mercado da China na manufatura de maquinário avançado pode chegar a 30% das exportações mundiais na próxima década, em comparação com 8% hoje, disse Min Zhu, assessor especial do Fundo Monetário Internacional e ex-vice-presidente do Banco Popular da China, o banco central, numa recente conferência do Wall Street Journal.

A China reconhece que os trens que suas próprias empresas estão vendendo agora foram desenvolvidos usando tecnologia estrangeira. Mas as autoridades dizem que empresas chinesas como a China South Locomotive & Rolling Stock Industry (Group) Corp., ou CSR, adicionaram suas próprias inovações para fazer o produto final chinês.

“A indústria ferroviária chinesa produziu a nova geração de trens de alta velocidade aprendendo e sistematicamente compilando e renovando a tecnologia estrangeira de trens de alta velocidade”, afirmou o Ministério das Ferrovias numa resposta via fax a perguntas do WSJ. Alguns executivos estrangeiros dizem que tal “renovação” é uma violação dos acordos que fecharam com a China.
[China]

O futuro da indústria ferroviária chinesa está sendo montado em meio a uma chuva de fagulhas de solda num enorme complexo industrial da CSR em Qingdao, uma cidade portuária que já foi um posto colonial alemão e posteriormente foi ocupada pelo Japão na Segunda Guerra Mundial. Chamado de CRH380A, o mais novo trem apresenta assentos de primeira classe que se reclinam até a posição horizontal e pode atingir 380 km por hora. Quando entrar em operação em 2012, ligando Pequim a Xangai, o trem vai reduzir o tempo de viagem entre as duas cidades mais importantes da China de dez para quatro horas e fará parte de um sistema nacional que deve somar 15.600 quilômetros até 2020.

A CSR recebeu tecnologia japonesa de alta velocidade a partir de 2004 como parte de um acordo com a Kawasaki. Engenheiros e executivos da CSR dizem que adaptaram e melhoraram essa tecnologia para fazer trens que são mais velozes e melhores. Os trens mais velozes em operação no Japão e na Europa correm cerca de 320 km/h.

Sorrindo orgulhosamente em frente de seções semiprontas dos trens CRH380A, Liang Jianying, uma engenheira graduada da CSR, explica como a empresa reduziu a fricção entre a roda e o trilho e deixou o trem mais aerodinâmico. “Melhoramos, otimizamos e inovamos nós mesmos (…) e chegamos a um desenho novíssimo”, diz ela.

“Veja, este não se parece em nada com o trem-bala da Kawasaki”, acrescenta Wu Qunliang, porta-voz da fábrica da CSR, que emprega cerca de 2.000 engenheiros. “Inovação original de verdade é rara”, diz Wang Xinhong, outro engenheiro sênior. “Conseguimos nossos resultados em tecnologia de trem de alta velocidade subindo nos ombros dos pioneiros do passado.”

As empresas estrangeiras geralmente relutam em criticar o poderoso Ministério das Ferrovias publicamente. Bernd Eitel, um porta-voz da Siemens, diz que a empresa alemã tem “uma relação de confiança” com suas sócias chinesas e espera que isso continue. O presidente da canadense Bombardier na China, Zhang Jiawei, disse num comunicado: “Temos contratos e acordos que ambos os lados respeitam”. Uma porta-voz da francesa Alstom não quis comentar, citando a “natureza delicada” do assunto.

Mas a Kawasaki, num comunicado, informou que ela e outras fabricantes de trens de alta velocidade discordam da alegação da China de que criou sua própria tecnologia. A maioria dos trens chineses em operação atualmente, dizem executivos, são quase exatamente os mesmos de suas sócias estrangeiras. Eles citam uns poucos retoques cosméticos no esquema de pintura do exterior e no acabamento do interior exterior e um sistema reforçado de propulsão para gerar velocidades maiores. “A China afirma que detém os direitos exclusivos dessa propriedade intelectual, mas a Kawasaki e outras empresas estrangeiras não concordam”, disse a Kawasaki num comunicado, acrescentando que espera resolver a questão por meio de negociações comerciais. A Kawasaki afirma que está enfatizando nessas negociações que seus contratos de transferência de tecnologia com o Ministério das Ferrovias declaram que a tecnologia é para uso exclusivamente dentro da China e que as empresas chinesas não podem usá-la em produtos que pretendam exportar.

Reservadamente, alguns executivos são mais diretos. “Dizer que a maioria dos trens-balas desenvolvidos recentemente são da própria China pode ser bom para o orgulho nacional (…) mas não passa de propaganda enganosa”, diz um executivo de alto escalão da Kawasaki. “De que maneira é possível enfrentar rivais quando elas usam a sua tecnologia e a base de custos dela é tão menor?”, acrescenta o executivo.

Outros países também usaram e adaptaram tecnologia estrangeira. O Japão do pós-guerra promoveu sua transformação industrial em parte pela engenharia-reversa de tecnologias estrangeiras, até que desenvolveu um parque de empresas de tecnologia, siderúrgicas, estaleiros e montadoras de automóveis, entre as quais a Honda e a Toyota. A Coreia do Sul seguiu uma trilha semelhante.

O que é diferente no caso da China é o enorme mercado interno, que faz com que as empresas estrangeiras fiquem dispostas a entregar know-how tecnológico para conseguir uma fatia do bolo. Como a China favorece cada vez mais as fornecedoras nacionais, ela pode elevar a barreira e exigir que as empresas que querem fazer negócios por lá transfiram tecnologias cada vez mais avançadas. “Toda empresa que leva novas tecnologias, inovação ou ideias para a China precisa lidar com o ’shanzhai’, ao que se pode prontamente referir como uma ‘cultura bandida’”, diz Andrew Forbes Winkler, um analista da Commodore Research & Consultancy em Nova York. “De celular a automóvel, as empresas chinesas têm orgulho de ter usado a propriedade intelectual alheia e inovado ou pirateado produtos.”

As ambições da China em trens de alta velocidade já são mundiais. O Ministério das Ferrovias informou que empresas chinesas estão disputando contratos no Brasil e que Rússia, Arábia Saudita e Polônia também manifestaram interesse. A China Railway Group Ltd., uma empresa de engenharia civil, participa de um projeto de trem-bala na Venezuela. A China Railway Construction Corp. está ajudando a construir uma linha ferroviária de alta velocidade ligando Ancara a Istambul, na Turquia. O governo americano, que alocou US$ 8 bilhões para construir uma rede de trens de alta velocidade, informou que está aberto a propostas de empresas chinesas para tais contratos.

(Colaboraram Kersten Zhang, Sue Feng, Gao Sen e Josh Mitchell)

http://www.viomundo.com.br/opiniao-do-blog/a-china-e-a-tecnologia-do-trem-bala.html

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador